Cultura

Mostra recupera o legado do “arquiteto” Artacho Jurado, o artista da metrópole

Sem ser arquiteto ou engenheiro, Artacho Jurado revolucionou o horizonte da cinzenta capital paulista com construções de cores vibrantes e acabamentos luxuosos. Uma exposição celebra seu legado por meio dos prédios que se tornaram objeto de desejo

Crédito:  Tuca Vieira

Edifício Viadutos: cenário deslumbrante com vista para o centro de São Paulo (Crédito: Tuca Vieira)

Por Felipe Machado

Artacho Jurado amava ópera e charutos. Era ao som de Enrico Caruso e tragando cubanos de primeira linha que ele passava as madrugadas em seu apartamento no Edifício Piauí — o primeiro que ergueu no bairro de Higienópolis, em São Paulo —, colorindo a lápis, sempre bem apontados, as plantas dos prédios que adicionariam um pouco de cor ao horizonte cinzento da metrópole paulista nos anos 1950. Cuidava de todos os detalhes, das cortinas ao acabamento. Na contramão dos modernistas, afeitos ao concreto armado e às linhas sóbrias, pintou a cidade com tintas vibrantes e pastilhas coloridas, em projetos que hoje são considerados objetos de desejo.

Esse espírito está presente na Ocupação Artacho Jurado, exposição em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, até 15 de setembro. A mostra é composta por cerca de 130 peças, entre imagens, fotografias, vídeos, desenhos originais, publicidade de época, maquetes e o acervo pessoal da família Jurado.

O curador afirma que tentou se guiar pelo pragmatismo de seu trabalho. “Seguimos menos pelo raciocínio das ideias ou do teórico, já que a arquitetura dele foi pouco considerada em termos acadêmicos, para olhar os aspectos construtivos dos materiais, que é aquilo que ele mais estudava”, afirma Giufrida.

Jurado foi um arquiteto autodidata.

Iniciou a carreira como marceneiro e letrista dos luminosos de neon que começavam a iluminar a capital paulista.
Teve uma formação informal até na infância: o pai, anarquista, o tirou da escola porque não queria que o filho jurasse a bandeira do Brasil.
Jurado passou a estudar em casa, em família.

Artacho Jurado: fotos raras fazem parte da mostra (Crédito:Divulgação )

Ainda jovem trabalhou em grandes eventos, entre feiras industriais e as celebrações do centenário de Santos e o bicentenário de Campinas.
Seu perfeccionismo logo o levou ao cargo de “comissário”, como se denominava o diretor dessas iniciativas.
Eram frequentadas por milhares de pessoas e duravam semanas. Jurado desenhava e construía os estandes, escolhendo pessoalmente todos os materiais e sempre com atenção ao detalhe.

Quando as dificuldades econômicas do País encerraram a era das grandes feiras, Jurado, apostou no empreendedorismo. Em 1946, decidiu entrar na construção civil ao lado do irmão Aurélio. Com parte do material que sobrara das feiras, os dois construíram casas, pequenos prédios e vilas na Lapa e Pompéia, na zona oeste de São Paulo. Na década 1950, criaram a Construtora Monções, empresa de suas obras mais emblemáticas.

O primeiro empreendimento foi um conjunto de 300 casas no bairro do Brooklin Novo, na zona sul paulistana, ocasião em que a venda dos imóveis incluía telefone e automóvel. Quase todas foram reformadas e apenas duas dessas construções originais ainda estão de pé.

Área comum do Parque das Hortênsias: pastilhas vibrantes e piso de mármore (Crédito:Tuca Vieira)
Tons marcantes: projetos desenhados a mão com lápis de cor (Crédito:Divulgação )
Bretagne: antes criticado, hoje o edifício é desejado por arquitetos (Crédito:Divulgação )

Artacho Jurado não era bem visto pelos colegas. A principal razão: sua falta de preparo formal, uma vez que não se graduara na faculdade de arquitetura. Os profissionais da área também não gostavam porque ele, como autor das obras e responsável pelas construções, tinha uma liberdade incomum para a época.

À frente das negociações comerciais das unidades, optava por investir em ambientes sofisticados.
Gostava de pé-direitos altos, áreas comuns, terraços e janelas grandes, acabamento de qualidade.
Subia as escadas, vistoriando a instalação de cada detalhe.
Desenhava à mão os cobogós, gradis de guarda-corpos, a paleta de cores de cada edifício, as marquises das coberturas, as amplas estruturas de vidro pouco usuais no período.

Teresa Eça, sobrinha-neta e diretora do documentário Artacho Jurado: Arquitetura de Sonho, que estreia no segundo semestre, acredita que ele mudou a expectativa das pessoas em relação à experiência de morar em um prédio. “Ele queria entregar para a classe média o luxo que só os ricos tinham”, afirma Teresa.

Segundo a cineasta, Jurado não escreveu livros e deu uma única entrevista em vida. Por isso, ela optou por mostrar os projetos do tio-avô por meio da experiência dos moradores. “Ele era criticado pelos modernistas da época, mas hoje há uma enorme procura por seus apartamentos entre arquitetos e estudantes”, afirma.

Vivendo entre as criações autorais que faziam sucesso com o público e as duras críticas que recebia da academia, Teresa acredita que sua trajetória foi dramática. “A vida dele foi uma ópera”, conclui ela.

Ambiente de convivência para os moradores: sofisticação à classe média da época (Crédito:Divulgação )