As labaredas que ardem no Pantanal

Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil

Carlos José Marques: "De que adiantam metas estabelecidas nos gabinetes refrigerados das autoridade se, em campo, elas são sorrateiramente abandonadas?" (Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)

Por Carlos José Marques

Por tantas vezes notadas, as chamas voltam a queimar inclementemente o Pantanal, reserva da riqueza ambiental de nossa biodiversidade. É quase um sacrilégio. O Brasil assiste impávido a essa devastação. É recorde sobre recorde de destruição do bioma. As muralhas de fogo sobem sem combate. Faltam aviões, pessoal, estrutura mínima para responder a tanta violência. Fauna e flora sendo implacavelmente castigadas. Para além da seca da temporada, crimes ecológicos em profusão são registrados. Exploradores ilegais e produtores agrícolas marginais avançam sem piedade por entre a vegetação local, que vai acumulando focos de incêndios a perder de vista. A reestruturação de florestas e áreas de vegetação nativa deveria ser uma política prioritária do Estado. Não é. Sai governo, entra governo, e os mandatários seguem negligenciando essa missão elementar, ainda mais urgente nos dias de hoje. O clima e a natureza mudaram, mas a percepção de urgência para com o tema por parte de nossos líderes, não. Ao contrário. Alguns deles, como o antecessor Jair Bolsonaro, até entram em modo de negacionismo e se auto-parabenizam por conquistas que nunca obtiveram. Às vésperas da COP-30, que ocorre em Belém do Pará no próximo ano, o País tem pouco a apresentar ou do que se orgulhar. Ok, temos a maior reserva intacta do planeta, estamos prestes a liderar o mundo e abastecê-lo com créditos de carbono. Mas eis aí uma condição herdada, nata, não construída. Efetivamente, vem já de algum tempo, o cerrado está vulnerável, largado, à mercê das intempéries climáticas e da ação humana deletéria. Os incêndios extremos e criminosos duplicaram nas últimas duas décadas e ficaram mais intensos. De 40 anos para cá, um em cada quatro hectares de terra na região foi tomado pelo fogo e pela devastação. E o que é pior: mais de 80% das queimadas no Pantanal são causadas por humanos com ligações claras a atividades agropastoris, segundo o ICMBio. Práticas inapropriadas como fogueiras feitas por turistas ou pecuaristas também carregam grande responsabilidade nas ocorrências. De forma lamentável, a área atingida pelo fogo nesta temporada já é 54% maior do que a verificada em 2020, ano de destruição recorde. Ou seja: quebrou-se um novo índice histórico do qual ninguém pode se jactanciar-se. Nada menos que 372 mil hectares de terra estão sendo dizimados, o equivalente a duas cidades de São Paulo ou a um país como Portugal. Há mais de quatro décadas não se via nada igual por aquelas bandas. A quantidade de focos de incêndio segue aumentando e a marca já é 22 vezes maior do que a de registros do mesmo período de 2023. Todos os indicadores são alarmantes. Anote: até o início de junho, o crescimento exponencial da área atingida pelas chamas tinha sido de 1025% em relação à da temporada de seca anterior. É uma barbaridade! O que isso deixa de legado destrutivo sobre a fauna e a flora é, em muitos casos, irrecuperável. Alguns animais, segundo biólogos, já passaram a apresentar filhotes com comorbidades intrínsecas devido a esses fenômenos, como no caso da arara azul. Triste de verificar. O celeiro do Pantanal está vivenciando uma violência sem precedentes. E cabe o alerta até mesmo aos financistas que enxergam o lucro em primeiro lugar: ali, naquele vasto espaço, o que está queimando também é dinheiro, muito dinheiro com a perda de parte da biodiversidade e de créditos de carbono que poderiam gerar bilhões de dólares. Os governos locais já decretaram estado de emergência, após meses seguidos de incêndio. Sem qualquer razoabilidade, o Brasil, ao invés de se esforçar para apagar o fogo, vai lavando as mãos. As falhas nos projetos de prevenção são notórias. A contratação de brigadistas, de aeronaves e as verbas destinadas a esse fim encolhem e o assunto é tratado com desmazelo. O Pantanal é a maior planície alagável do mundo. Passou da hora de dar a ele a atenção merecida. De que adiantam metas estabelecidas nos gabinetes refrigerados das autoridade se, em campo, elas são sorrateiramente abandonadas? É brutal o contraste entre a realidade e as intenções. Fundamental que o poder público e a sociedade consciente tentem juntos mudar esse quadro. Do contrário, ninguém na terra estará verdadeiramente seguro contra os efeitos climáticos.