Brasil

Haddad na corda bamba: por que é difícil ser ministro de Lula

Crédito: Ton Molina

Fernando Haddad e Simone Tebet mostraram a Lula o tamanho dos subsídios e terão de cortar gastos (Crédito: Ton Molina)

Por Marcelo Moreira

 

RESUMO

• Ministro da Fazenda tenta se equilibrar entre a necessidade de cortes de gastos e as tentativas de aumentar a arrecadação
•  E sofre críticas de todos os lados
• Fiador da estabilidade, ele se vê agora com a missão de restabelecer a credibilidade fiscal do governo 

Com grande trunfo político para dar credibilidade e estabilidade política ao governo – alvo de torpedos de todos os lados -, Fernando Haddad esteve perto de perder a aura de unanimidade na sustentação dos fundamentos da economia. Em uma semana pela qual passou a maior prova de fogo nos dezoito meses do governo Lula, o ministro da Fazenda teve de se equilibrar em meio a críticas dos próprios aliados quando sugeriu que, para equilibrar as contas da União, teria que cortar subsídios e gastos púbicos, em busca de alternativas para aumentar a arrecadação e, com isso, encontrar recursos para manter a desoneração dos 17 setores da economia que mais empregam. Em meio à essas tempestades, o ministro precisou mostrar toda sua habilidade de negociador político na linha de frente do governo no Congresso, carente de articulação confiável pelos parlamentares.

Haddad sempre foi, até pouco tempo atrás, o grande nome de Lula para entrar em campo quando as emergências políticas se apresentavam. Ele era o escalado pelo presidente para reduzir as turbulências no Parlamento, considerando que a articulação dos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil) era rejeitada pelos parlamentares. O ministro da Fazenda assumia o leme das negociações e conseguia consensos em conversas francas e eficientes com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O cenário, no entanto, mudou e a vida do ministro ficou mais difícil diante das dificuldades políticas em torno da decisão do Congresso de prorrogar a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia e da necessidade do governo em ter que arrumar dinheiro no Orçamento para cobrir os R$ 26 bilhões deixados por essa perda de receita.

Como se sabe, o Congresso aprovou, o governo vetou, o Congresso derrubou o veto e o governo tentou driblar a decisão com Medidas Provisórias (MPs), situação que enfureceu parlamentares e azedou as relações dos parlamentares com o Ministério da Fazenda.

Haddad perdeu muitos pontos dentro e fora do Palácio do Planalto quando enviou ao Senado a MP da compensação de PIS/Cofins para a desoneração. Na prática, a MP mudava a forma das empresas realizarem a compensação, acabando com vários descontos.

Os empresários, irados, reagiram imediatamente, assim como deputados e senadores indignados.

Essa reação incomodou até Lula, que reclamou do fato de os principais pontos da MP não terem sido discutidos com os líderes do Congresso.

A MP foi devolvida, causando ainda mais desgastes ao governo, especialmente a Haddad, que viveu tempos de instabilidade à frente do cargo.

Rodrigo Pacheco não gostou de receber uma MP no Senado sem discussão prévia e a devolveu ao Planalto (Crédito:Lula Marques/ Agência Brasil)

A avalanche de criticas à falta de sensibilidade do ministro, nesse momento delicado das discussões fiscais, foi apontada como a principal razão para a disparada do valor do dólar, que chegou a ultrapassar R$ 5,40. Foi um prato cheio para a oposição e para setores do mercado financeiro que desconfiam, desde sempre, do compromisso fiscal e da estabilidade econômica do governo Lula.

Com evidente exagero, propalou-se a mensagem de que Haddad estava frágil e que só não tinha perdido o cargo porque o próprio mercado lhe deram força para evitar o agravamento de sua posição no governo, que, a essa altura, estava na corda bamba. O mercado temia que o presidente nomeasse para o posto alguém mais desenvolvimentista e com menos apreço pela estabilidade fiscal.

• Alguns analistas do mercado dizem que a situação de Haddad começou a se complicar dois meses atrás, quando houve a alteração na meta de déficit primário para 2025.

• Um movimento que já era esperado, mas que coincidiu com uma mudança de ventos no exterior.

• Ficou mais claro que os EUA cortariam menos os juros, tirando capital dos países emergentes.

• Com menos dólares sobrando, o mercado ficou mais atento ao tamanho do problema fiscal.

• Os investidores se deram conta de que o arcabouço fiscal de Haddad ficou instável, já que está baseado, sobretudo, no aumento de receitas.

• As eleições municipais se aproximam e o Congresso dá sinais de que não aprovará aumentos de tributação.

Para piorar, o governo Lula não para de dar sinais de que não pretende mesmo cortar gastos, cedendo cada vez mais à ala do PT e do Palácio do Planalto que enxergam que um pouco de inflação a mais não é necessariamente ruim, já que faz a roda da economia girar, aumentando a arrecadação de impostos e proporcionando aumento do nível de emprego.

O problema é que o Congresso e o mercado pensam bem diferente. Querem corte de despesas.

Espinhosa missão

A equipe do Ministério da Fazenda, assim, foi obrigada a uma mudança de planos e a falar seriamente em medidas para cortar gastos, em consonância com os levantamentos Ministério do Planejamento.

Um esboço dessa mudança foi tentado na segunda-feira, 17, na reunião da Junta de Execução Orçamentária no Palácio do Planalto, integrada por ministros da área econômica. Haddad e Simone Tebet (Planejamento) mostraram a Lula o tamanho dos subsídios aplicados pela União a vários setores da economia, algo em torno de R$ 600 bilhões. “O presidente ficou estarrecido com o volume de renúncia fiscal e determinou estudos para que façamos cortes de gastos para combater o déficit fiscal”, disse Haddad ao final da reunião.

Enquanto Haddad e Tebet receberam mais uma espinhosa missão, Lula se municiou de informações para aplicar bravatas políticas. Em entrevista à rádio CBN na terça-feira, 18, aproveitou para atacar empresários dos setores beneficiados pelos subsídios aplicados pelo governo. “São oportunistas que trabalham com esse privilégio, e são os mesmos que reclamam das regras de compensação do PIS/Cofins e querem a manutenção da desoneração da folha de pagamento. Ou seja, querem ainda mais benefícios.”

O cálculo político de Lula inclui uma série de elogios públicos para defender o seu principal ministro – “Haddad é um ministro extraordinário” –, mas evidencia que cabe ao auxiliar a dura tarefa de encontrar uma saída para que o governo não afunde nas discussões sobe o eventual fracasso do arcabouço fiscal – e não sucumba na areia movediça dos necessários cortes de gastos que ele, no fundo, não quer realizar.