Internacional

Entenda como a dengue ameaça a Europa e o risco de a Olimpíada piorar o quadro

Com o calor favorecendo os mosquitos já instalados em 13 países, o foco é Paris, em alerta pelos 10 milhões de turistas esperados para a Olimpíada e a Paralimpíada, entre julho e setembro

Crédito: Miguel Medina

O mosquito Aedes albopictus já está sendo caçado pelos organizadores olímpicos nas ‘praias’ do rio Sena (à dir.) e nos locais de competição de Paris (Crédito: Miguel Medina)

Por Denise Mirás

Diante das drásticas mudanças climáticas que o mundo está vivendo, doenças antes conhecidas como “tropicais” se alastram por regiões onde habitantes raramente se deparavam com mosquitos — como na Europa. Mas há alguns anos esses “invasores” vêm alcançando áreas que sofrem com clima cada vez mais quente e muitas vezes mais úmido. Naquele continente, que já teve temperaturas mais amenas, o maior responsável pela escalada de casos de dengue (e ainda de chikungunya e zica) — que se tornou alarmante no ano passado — é o Aedes albopictus.

Conhecido como “mosquito tigre asiático”, está definitivamente instalado em 13 países da União Europeia e presente em outros sete agora em 2024. E a preocupação pela volta dos ziguezagues de navios mercantes transportando cargas internacionais e pelo grande número de voos no pós-pandemia se acentua com a aproximação da Olimpíada de Paris: a capital francesa será o epicentro desse fluxo gigantesco de turistas entre julho e agosto.

Mas a situação é ainda mais crítica.
Em setembro passado, não havia pessoas com viagens recentes, ou contato com outras de fora, entre os vários casos de dengue registrados principalmente ao norte de Paris: o mosquito já estava na área.
Daí a expectativa da França pelos dez milhões de visitantes, entre atletas e turistas à sua capital, para os Jogos Olímpicos (26 de julho a 11 de agosto) e Paralímpicos (28 de agosto a 8 de setembro).
Governo e organizadores checam regularmente locais mais propícios à proliferação dos mosquitos e monitoram o entorno de todos os locais de competição — mas também se preparam para tratar dos doentes.

(Alberto Ghizzi Panizza / Biosphoto / Biosphoto via AFP)

Por trás, o clima

Esse Aedes albopictus — a espécie mais invasora do mundo — saiu de sua base no sul da Europa e hoje, além da França, é considerado “instalado” nestes países:
Áustria,
Bulgária,
Croácia,
Alemanha,
Grécia,
Hungria,
Itália,
Malta,
Portugal,
Romênia,
Eslovênia,
e Espanha.

Também é visto na Bélgica, República Checa, Holanda, Liechtenstein, Eslováquia, Suécia e Chipre (ilha ao leste do Mar Mediterrâneo, que é o viveiro europeu do Aedes aegypti, mais conhecido dos brasileiros).

Daí o alerta do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) com relação à necessidade de atuação conjunta, porque mesmo países tidos como “ricos” enfrentam um aumento acentuado dos casos de dengue, chikungunya, zica e mesmo febre do Nilo Ocidental, devido aos mosquitos invasores.

“Esses vetores urbanos são muito difíceis de serem eliminados, porque sua propagação é enorme. E o meio ambiente está, sim, por trás de tudo isso”, afirma o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP. “Há uma relação do fenômeno El Niño (quando águas do Pacífico se aquecem de maneira anormal ‘e há mais desequilíbrio ecológico temporário’) com o aumento da dengue no Brasil”.

Na Europa, que enfrenta ondas de calor menos passageiras do que o seu “normal”, a proliferação se dá por ônibus, aviões e navios, e as recomendações do ECDC são as mesmas de qualquer parte do mundo:
vigilância de águas paradas,
colocação de telas e uso de repelentes,
além de laboratórios e hospitais equipados para enfrentar os casos da doença.

“Mas é enorme a dificuldade de a população verificar larvas do mosquito no quintal, pneus e vasos de plantas toda vez que chove”, diz o professor. “Ainda mais porque podem estar se reproduzindo também em ralos, calhas entupidas, caixas d’água com tampas mal-encaixadas e até em pés de geladeiras.”

(Divulgação)

“A proliferação é tão intensa que não se consegue eliminar totalmente os mosquitos.”
Marcos Boulos, médico infectologista

Neste primeiro semestre de 2024, países europeus passaram das dezenas de casos de dengue para centenas e até milhares — mostrando a tendência de “ascendência contínua” no número de infectados. O alerta é total, mas nem há como o Brasil prestar qualquer tipo de apoio pela “experiência” com a dengue (apenas em 2024, são mais de 5 milhões de doentes e 4 mil mortos). “A proliferação é tão intensa que nem países mais desenvolvidos conseguem eliminar totalmente os mosquitos. Em Singapura, o Ministério da Saúde desistiu do controle e passou a se preparar para cuidar dos doentes quatro meses antes das épocas mais críticas. EUA e Japão também optaram por focar no tratamento.”

O que se aguarda agora é a vacina do Butantã contra a dengue, conclui o professor, que será em dose única e deverá responder melhor à imunidade, pelos “resultados fantásticos já publicados em duas revistas científicas importantes”. O início de produção está previsto para 2025. Enquanto isso, é usar repelente em locais mais propícios ao mosquito. Aqui ou na Europa.

Sob ataque do invasor

Um bilhão
São os casos já registrados no mundo de dengue, chikungunya, zika, malária e febre do Nilo ocidental

Alvos
Mosquitos como o Aedes albopictus estão por toda a Europa; o Aedes aegypti está instalado no Chipre e na costa do Mar Negro

Carona
No caso do Aedes albopictus, sua proliferação principal é pelos navios cargueiros

França
É o país com maior número de casos de dengue; a Itália tem o maior número de regiões afetadas