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Eleições: o que a nova presidente do TSE, Cármen Lúcia, pode fazer para salvar o País

Crédito: Mateus Bonomi

Cármen Lúcia terá de dialogar bastante com os parlamentares em seu mandato de dois anos (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Marcelo Moreira

RESUMO

• Ministra assume com a missão de conter a desinformação e o provável uso massivo de inteligência artificial para produzir fake news
• É dela também a árdua tarefa de atenuar os atritos com o Congresso
• Estruturar as eleições municipais de outubro não será fácil: 450 cidades do RS pedem adiamento do pleito

 

Uma missão tão árdua quanto a de seu antecessor, e com a mesma responsabilidade, que é enorme: conter o avanço das fake news no processo eleitoral. Esse é o prognóstico feito por um experiente deputado federal a respeito do mandato da nova presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra Cármen Lúcia, que é também integrante do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela toma posse nesta segunda-feira, 3, sucedendo Alexandre de Moraes, que conduziu com mão de ferro as eleições de 2022 em meio a uma polarização extrema, com profusão de desinformação e uma séria ameaça de golpe de Estado. E nada indica que a nova presidente terá uma gestão menos complicada.

A menos de cinco meses de uma eleição municipal que promete ser tão polarizada quanto a presidencial de dois anos antes, Cármen Lúcia assume com alguns desafios no horizonte que indicam tempos turbulentos. O maior deles é o avanço da tecnologia que oferece uma miríade de possibilidades de espalhar desinformação e afetar de forma criminosa o pleito de outubro, tudo isso agravado pela inteligência artificial ao alcance de todos, uma ferramenta sofisticada que está sendo usada para ludibriar o eleitor sem que ele tenha capacidade de identificar a desinformação.

“É o maior desafio da atualidade para um magistrado que conduzirá o processo eleitoral”, diz João Fernando Lopes, advogado especializado em direito eleitoral e integrante do escritório de Alberto Rollo Advogados Associados. “Conter a proliferação das fake news e o uso ilegal da inteligência artificial será uma tarefa gigantesca que Alexandre de Moraes começou a enfrentar com determinação e que Cármen Lúcia terá que dar continuidade. Afinal, esses instrumentos são capazes de iludir o eleitorado com manipulação da informação”.

Alexandre de Moraes mostrou determinação ao combater fake news e
tentativa de golpe de Estado (Crédito:Eraldo Peres)

A mesma preocupação é manifestada pelo professor Leonardo Nascimento, coordenador do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia. Para ele, a questão da manipulação da voz por inteligência artificial representará o principal desafio nas próximas eleições. “Dois anos atrás a questão das fake news era o mais grave, mas agora a manipulação da voz é um desafio a mais, pois a dificuldade de identificar fraudes é muito grande. Além disso, a legislação atual é insuficiente para conter essa torrente de desinformação.”

A gestão de Alexandre de Moraes estabeleceu regras para disciplinar a eleição no quesito do combate às fake news.
O TSE proíbe o uso de “deepfakes” (criação de vídeos realistas com o uso de inteligência artificial).
A ferramenta só poderá ser usada se ficar claro, nos comerciais da propaganda na TV, que o conteúdo foi gerado por esse recurso.
O abuso no uso da inteligência artificial acarretará na cassação do registro das candidaturas e do mandato eletivo de quem abusar do programa digital.

O advogado João Fernando Lopes explica que a ministra precisará ter habilidade para equilibrar o combate à desinformação com a preservação da liberdade de expressão, algo que a própria Cármen Lúcia demonstrou estar ciente e tratou de garantir que a Justiça Eleitoral estivesse preparada para garantir este direito básico.

“A liberdade de expressão vem sendo capturada, nos últimos tempos, por aqueles que a usam para fazer o mal. Entretanto, ela está garantida. É um instrumento válido para qualquer um de nós, mas se eu o usar para fazer mal às pessoas, ele se torna instrumento de um crime”, disse Cármen Lúcia em evento sobre o tema realizado em 7 de maio em São Paulo.

Pacificação

Na esfera eleitoral, a ministra terá de transpor obstáculos mais urgentes, como os insistentes pedidos de parlamentares para que as eleições municipais em mais de 450 cidades do Rio Grande do Sul sejam adiadas por conta da tragédia das chuvas.

Há um consenso no estado de que nenhuma cidade terá condições mínimas de realizar o pleito, mas a ideia não teve boa acolhida no TSE. Em uma de suas últimas declarações como presidente, Alexandre de Moraes disse que a hipótese não foi discutida na Corte. O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), no entanto, pretende insistir no adiamento junto à nova presidente.

Cármen Lúcia também precisará se envolver no processo de pacificação das relações entre Congresso e o Poder Judiciário. Há tensão com o Senado, por exemplo, em relação aos processos de cassação que tramitam no TSE, como é o caso de Jorge Seif (PL-SC), acusado de abuso de poder econômico nas eleições de 2022 ­— mesmo caso de Sergio Moro (União Brasil-PR), que foi absolvido na semana passada.

Alexandre de Moraes e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, conversaram bastante na últimas semanas, com o senador pedindo para que os dois processados no TSE fossem tratados como senadores eleitos e não como “militantes bolsonaristas”.

A situação parece controlada, com Moro absolvido e o processo contra Seif suspenso. Mas ainda existe uma certa tensão entre os Poderes porque é forte a pressão de parlamentares, principalmente no Senado, para que sejam votados e aprovados projetos que restrinjam a atuação de ministros do STF, bem como limites aos mandatos dos ministros, algo que causa grande temor nas Cortes superiores.

Para alguns observadores políticos, a atuação de Cármen Lúcia será fundamental para acalmar os ânimos entre Senado e os Tribunais Superiores.