Editorial

O pragmatismo de Haddad

Crédito: Brenno Carvalho

Carlos José Marques: "Haddad tem sido essa voz da consciência, o alter ego dos alertas, o grilo falante a gritar sobre os perigos que todos contribuem para construir" (Crédito: Brenno Carvalho)

Por Carlos José Marques

Muita gente tem estranhado e até questionado a nova postura, digamos mais belicosa, um tanto de confronto, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, seja em sua relação com os parlamentares ou mesmo em diálogos com a classe empresarial. E nada há de anormal nisso, a não ser a luta, quase que solitária dele, para contenção de despesas e na busca por um orçamento menos engessado. Haddad tem feito limonada dos limões que recebe. Setores da produção se queixam dos juros altos, do eventual repique inflacionário, das contas frouxas rumo ao descontrole fiscal, mas pregam e reclamam vorazmente a permanência de benefícios, querem a perpetuação das desonerações e exigem tributos menores, com uma carga que pouco ou quase nada comprometa o investimento. Não estão errados, embora saibam que são, digamos, incentivos ou alentos espetados diretamente na equação final do orçamento. Do mesmo modo gritam os congressistas, sedentos por emendas sem fim, apologistas do inchaço da máquina com suas indicações políticas para controle de guetos estratégicos, que não hesitam em levantar o dedo para apontar o que interpretam como esbórnia do governo. Exclusivamente do governo. Seria assim mesmo? Um pouco mais de honestidade intelectual se faz necessária, com o reconhecimento do papel e culpa efetiva de cada um nessa pajelança com os recursos públicos. A banca financeira gosta de falar em “desancoragem das expectativas”. Tratam do que entendem ser um atentado à credibilidade do País, o fim do teto fiscal. Novamente, não há equívoco no temor. Mas falta muito de consciência de como o País acabou chegando até aqui. E Haddad tem sido essa voz da consciência, o alter ego dos alertas, o grilo falante a gritar sobre os perigos que todos contribuem para construir. E ninguém quer ouvir que é culpado. Apenas apontar a responsabilidade do outro. Haddad foi ao Congresso, dia desses, para responder sobre os caminhos da economia. A casa tomada pelos deputados de oposição, que invariavelmente dominam os trabalhos e as comissões de análise, tentou enquadrá-lo e imputar-lhe a culpa por todos os males. A extrema-direita, liderada pelo bolsonarismo que parece um câncer a contaminar e comprometer a lógica e a sensatez de ideias em prol do desenvolvimento, esmerou-se nos confrontos. O ministro não se fez de rogado, colocou o dedo na ferida e, exibindo uma bonomia irônica, se pôs a responder na mesma linguagem, lembrando – ou melhor, reiterando – que o pai da criança “rombo de gastos” tinha nome e sobrenome bem conhecidos: Jair Messias Bolsonaro, o “mito”, lider dos que estavam ali, agora, a reclamar justamente do tal descontrole. A desfaçatez, o desrespeito e deboche dos interlocutores têm mesmo de ser revidados no tom adequado. Ao que tudo indica, certas figuras somente entendem a linguagem da violência e Haddad parece saber usá-la muito bem quando necessária e conveniente. Dessa vez demonstrou um pragmatismo que delimita fronteiras nas relações. A estética linguística do bateu-levou tem eficácia, ainda mais quando aplicada com parcimônia, reservando tempo, espaço e esforços para aquilo que realmente importa. Haddad busca fazer uma manobra de perfeito equilíbrio entre os polos de reação. Tenta, por exemplo, focar atenção no resgate empresarial daquelas corporações fortemente atingidas pela tragedia do Rio Grande do Sul. Sabe que, custe o que custar, serão ali os desembolsos inevitáveis e necessários. O desmonte fiscal não pode servir de alegação para desconsiderar o inevitável. A saída é procurar soluções, alternativas, recomposições possíveis. Haddad quer e batalha pela tributação dos super-ricos. Está mobilizando até o fórum do G20 nesse sentido e colhendo eventuais adeptos. A taxação de bilionários, por meio da iniciativa direta do ministro, que levanta essa bandeira desde que assumiu a pasta, ganhou simpatizantes inclusive intramuros do Planalto. O próprio Lula se convenceu das vantagens. Mérito de Haddad, mais uma vez, que como cavaleiro solitário faz as vezes de Dom Quixote a avançar sobre os moinhos. Não tem sido uma trilha fácil a dele. Encontra invariavelmente pelos becos o que chama de “fantasminhas” a assombrar seus planos. Mas não sai da rota. O Haddad que almeja recolocar o Brasil no prumo também tem o traquejo para afugentar os fantasmas que estão à sua frente.