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Londres: prefeito ‘verde’ pode implodir conservadores no 2º semestre; entenda

Prefeito que defende soluções verdes para a capital inglesa, Sadiq Khan é a estrela do Partido Trabalhista, que deve varrer os conservadores do poder, nas eleições gerais do Reino Unido

Crédito: Carl Court

Sadik Khan, o prefeito de Londres, com a mulher Saadyia e a cadela Luna: por uma cidade mais inclusiva e verde (Crédito: Carl Court)

Por Denise Mirás

Para os trabalhistas britânicos, foi como o chantilly da taça de morango: Sadiq Khan, o prefeito da capital inglesa, alcançou um inédito terceiro mandato nas eleições locais do dia 2, que fulminaram os adversários conservadores. E com resultados tão significantes que ainda abriram a perspectiva de derrocada total dos tories nas eleições gerais no segundo semestre, depois de 14 anos no poder, com a queda anunciada do primeiro-ministro Rishi Sunak.

A “maldição” do Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) agora atinge em cheio o Partido Conservador, que encampou a proposta aprovada por referendo em 2016 — o ano em que o trabalhista Sadik Khan chegou à prefeitura de Londres, assumindo o lugar desocupado pelo conservador Boris Johnson.

• O prefeito de 53 anos, que recebeu 43,8% dos votos sobre os 32,7% da conservadora Susan Hall, é filho de imigrantes indianos que primeiro passaram pelo Paquistão antes da mudança para a Inglaterra em 1968.

Ele é o quinto de oito irmãos (sete homens e uma mulher), que cresceram em Tooting, distrito de Londres, com o pai Amanullah, motorista de ônibus, e mãe Sehrun, costureira, como uma família muçulmana sunita.

• Estudou Direito, por sugestão de um professor que detectou sua “personalidade argumentativa”, e se especializou em Direitos Humanos. Em 2005, Sadiq Khan chegou ao Parlamento, onde era visto como de centro-esquerda (ou “esquerda suave”) e “verde” do Partido Trabalhista.

“Todos temos múltiplas camadas de identidade e é isso que nos torna quem somos.”
Sadiq Khan, prefeito de Londres

Casado com a advogada Saadiya Ahmed, tem duas filhas na casa dos 20 anos (Anisah e Ammarah), se autodeclara feminista. E também contra qualquer tipo de preconceito, que conta ter sofrido, assim como sua família, desde que começou a trabalhar ainda adolescente.

Uma de suas primeiras ações como prefeito foi vetar anúncios que usavam uma modelo fitness de biquíni, espalhados pelo metrô londrino (e que perguntavam: “Já está com o corpo pronto para o verão?”). Ele se disse “extremamente preocupado com esse tipo de publicidade que degrada as pessoas — no caso, as mulheres”.

Fã de críquete e futebol (torce pelo Liverpool), pratica boxe e pode ser visto caminhando com a cadela Luna, pedalando pelas ruas da capital e andando de metrô.

Como prefeito de Londres, sua marca têm sido as questões inclusivas e ambientais — a Zona de Emissões Ultrabaixas (ULEZ, na sigla em inglês), instituída na capital em 2019, vem sendo expandida a cada dois anos, com a redução de veículos poluentes no centro da cidade.

Mas também se faz presente, por exemplo, nos manifestos pelo cessar-fogo em Gaza. Por seu trabalho, mesmo com críticas acirradas pela violência que afeta a cidade, Sadiq Khan foi reconhecido pela revista Time em 2018 como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

Mas também se tornou famoso pelas brigas pelas redes sociais com Donald Trump, o ex-presidente americano de extrema-direita, a quem chama de “ditador ao estilo dos anos 1940”.

O primeiro-ministro Rishi Sunak prometeu chamar eleições gerais no segundo semestre — que deverão tirar seu Partido Conservador do poder (Crédito:Ian Forsyth)

À época do referendo sobre a questão do Reino Unido na União Europeia (“Leave or Remain”, “Sair ou Permanecer”), Sadiq Khan se colocou como defensor do “Remain”. Venceu o “Leave” e o prefeito apelou ao país por “uma pausa para reflexão” contra um “clima de ódio, veneno, negação, cinismo”. Endossou uma campanha “We Stand Together”, da Polícia Metropolitana, em combate ao racismo depois do referendo, e também a “London is Open”, que chamava empresários e artistas para trabalhar na cidade, apesar da saída da União Europeia.

Na pandemia, se opôs ao ministro Matt Hancock, da Saúde, e chegou a fechar 40 estações de metrô, que funcionou com serviços reduzidos para evitar risco de contágio. Foi o primeiro político britânico a pedir uso de máscaras e apelou ao primeiro-ministro conservador Boris Johnson — sem ser ouvido — por apoio a trabalhadores que ficariam desempregados.

No ano passado, pregou a necessidade de um debate para minimizar todos os danos sofridos pelo país com a saída da União Europeia, acrescentados os prejuízos da pandemia da Covid-19 e da guerra na Ucrânia (estudo da Cambridge Econometrics avalia que o Brexit já custou 140 bilhões de libras esterlinas (R$ 887 bilhões) à economia do Reino Unido, prejuízo que na próxima década chegará a 311 milhões de libras esterlinas, (R$ 1,97 trilhão).

Sobe e desce

Para o prefeito Sadiq Khan, a aliança com a União Europeia, ou ao menos uma reaproximação comercial, deveria estar na mesa em 2025, quando o acordo de saída da UE será revisto. Mesmo porque desde 2016, quando Teresa May era primeira-ministra; depois Boris Johnson, envolvido em escândalos durante a pandemia; Liz Truss, que renunciou com um mês e meio de mandato, ou agora, com o bilionário Rishi Sunak, os conservadores não conseguem segurar a degradação britânica e muito menos a consequente queda livre de seu partido.

Enquanto Sadiq Khan garante prestígio cada vez maior ao Partido Trabalhista, o Conservador desaba. No dia 2, quando foram preenchidos 2.600 assentos de vereadores, mais 107 conselhos e 11 prefeitos, os trabalhistas empurraram os tradicionais adversários para o terceiro lugar nessas eleições locais, atrás do Liberal Democrata. Foi uma das piores derrotas dos tories em 40 anos — senão a pior de sua história.

E, segundo o grupo de pesquisas e análises YouGov, o Partido Conservador teria apenas 23,5% dos votos contra 43,8% do Trabalhista nas eleições gerais, que terão de ser convocadas até janeiro de 2025 pelo primeiro-ministro Rishi Sunak, que, assim, ironicamente, determinaria o fim da dinastia de 14 anos de seu próprio partido no Reino Unido.