Cultura

Fotos da Revolução dos Cravos exibem os primórdios do estilo de Sebastião Salgado

Em cartaz no MIS, em São Paulo, mostra 50 Anos da Revolução dos Cravos em Portugal reúne trabalhos inéditos do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado

Crédito: Divulgação

Crianças e tropas na cidade do Porto: civis e militares unidos contra o governo (Crédito: Divulgação )

Por Felipe Machado

Quem acompanha a trajetória do fotógrafo Sebastião Salgado está acostumado tanto às imagens deslumbrantes da natureza quanto aos intensos dramas do ser humano, sempre registrados em seu marcante estilo em preto e branco ­— um contraponto artístico à realidade, de tantas matizes e complexidades. Mas quando teria surgido esse estilo, tão identificado com seu nome, que o tornou um dos artistas visuais mais reconhecidos do planeta? Radicado na Europa há décadas, Salgado está no Brasil para inaugurar a exposição 50 Anos da Revolução dos Cravos em Portugal, onde é possível ver a formação de seu olhar.

Composta por cerca de 50 imagens inéditas do início de sua carreira, a mostra revela os primeiros cliques do que viria a ser uma combinação única de militância política, denúncia social e beleza estética.

Sebastião Salgado mudou-se para a França com a mulher, Lélia, em 1969, quando saíram do País após o aumento da repressão promovida pela ditadura militar. Ambos eram conhecidos militantes de esquerda e, com receio de serem presos e torturados, decidiram exiliar-se em Paris.

Ele era fotógrafo havia apenas um ano quando viu eclodir em Lisboa um momento que lhe pareceu histórico. Estava certo. Embora o Brasil ainda vivesse sob as duras rédeas do regime militar, a situação tinha mudado em Portugal: estava em curso a Revolução dos Cravos, movimento que surgiu para depor o Estado Novo, a ditadura mais longeva da Europa, que já durava 41 anos. Era o último suspiro do regime herdado do ditador Antônio Salazar, que tomara o poder em 1933, mas que se afastara em 1968 por problemas de saúde — ao se preparar para ser atendido por um calista, caíra da cadeira e batera a cabeça no chão, o que lhe custou o equílbrio e a sanidade.

Soldados leem jornal em Lisboa enquanto rebeldes tomam o poder em Moçambique (abaixo): cotidiano do conflito (Crédito:Divulgação )
(Divulgação)

Salgado e Lélia rumaram para Portugal e fotografaram a população nas ruas distribuindo aos soldados cravos vermelhos, que eram colocados nos canos de seus fuzis. Com seu olhar privilegiado, o brasileiro não precisou sequer mostrar a cor vibrante das flores para produzir registros espetaculares.

Mas é justo reconhecer também que havia um sentimento especial no ar. Os portugueses estavam tão cansados da ditadura que a revolução, curiosamente, unia civis e militares contra o governo. Os ventos de liberdade se espalharam e chegaram também às colônias portuguesas na África, entre elas Angola e Moçambique, que aproveitaram o momento para pegar em armas e conquistar suas independências. Salgado viajou para lá e documentou em imagens o bem sucedido levante africano contra as tropas portuguesas.

Maio no MIS

As fotos de Sebastião Salgado fazem parte do festival Maio Fotografia, evento que volta ao Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Há séries individuais de outros fotógrafos, entre eles Sergio Poroger, que faz um resgate dos cinemas de rua do Brasil e do mundo. “Passei por cenários diversos, dos grandes centros a pequenas localidades, ao redor do mundo, onde aprendi sobre os costumes dos povos a partir do que vemos e preservamos. Cada qual à sua maneira, os cinemas de rua ilustram dinâmicas sociais das cidades onde estão”, afirma Poroger.

Há ainda trabalhos de Thereza Eugênia, fotógrafa baiana que registrou de forma íntima o convívio de artistas brasileiros no Rio de Janeiro das décadas de 1960 a 1980; Gabriel Chaim, experiente fotojornalista paraense, que cobriu diversas guerras, em registro dos seus últimos dez anos na linha de frente; e Bruno Mathias, voltado para as paisagens tradicionais ­­— diversos olhares brasileiros sobre um mundo em transformação.

Sebastião Salgado, especial para ISTOÉ
“Fotos marcam meu início de carreira”

“Essa exposição é muito importante para mim porque ela mostra o início da minha trajetória. Estão expostos trabalhos feitos em 1974, e eu havia começado a fotografar no ano anterior. Tinha, portanto, apenas um ano de carreira quando realizei essas imagens. Elas contam a história de um povo, de uma revolução, da instalação da democracia em Portugal. Mas também do fim do colonialismo na África e da instalação de um novo poder africano nessas novas nações, que acabavam de deixar de ser colônias. Eu fico feliz de finalmente apresentar essa mostra no Brasil, porque Portugal e Brasil são países muito próximos. E a grande maioria das pessoas que abandonaram as colônias portuguesas naquela época não voltaram para Portugal, mas vieram para o Brasil. Então, para mim, é um prazer imenso apresentar essa exposição aqui em São Paulo.”

(Sebastião Salgado; BENJAMIN CREMEL/AFP)