Brasil

Agrishow mostra a resiliente polarização no agro

A maior feira de agropecuária da América Latina virou palco de ferrenha disputa política entre lulopetistas e bolsonaristas visando as eleições de 2026. Inconciliáveis, as visões estratégias dos dois lados em confronto ameaçam travar o desenvolvimento do setor

Crédito: Divulgação

Alckmin vai à abertura da Agrishow e evita se encontrar com Bolsonaro, que visitou a mostra um dia depois (Crédito: Divulgação )

Por Marcelo Moreira

“Viemos aqui para falar sobre o agronegócio, mas as lideranças querem politizar o tema”. A frase de um parlamentar dita durante a festa de abertura da Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola), realizada em Ribeirão Preto no domingo, 28, resume o pensamento de grupos importantes presentes na festa de abertura oficial da maior exposição agropecuária da América Latina. A politização foi tão intensa que os organizadores do evento precisaram fazer duas “aberturas” da mostra.

• No domingo, foi a vez do vice-presidente Geraldo Alckmin, acompanhado pelo ministro Carlos Fávaro (Agricultura), comparecerem a Ribeirão Preto para inaugurarem a feira.
• No dia seguinte, segunda-feira, 29, os promotores da exposição realizaram nova “inauguração” com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro, acompanhado pelo governador Tarcísio de Freitas.

O objetivo era evitar que os dois grupos se encontrassem na mesma festa e houvesse confronto entre eles.

Foi praticamente o que aconteceu na Agrishow do ano passado, em que a politização do evento dominou o cenário, com as disputas ideológicas latentes entre defensores de Lula e os partidários de Bolsonaro. Era inevitável, diante da proeminência que o agronegócio adquiriu na economia nacional, que o setor passasse a ser objeto do desejo dos dois grupos antagônicos que dominam a política brasileira. “Devíamos estar falando de perspectivas do setor e de suas inovações para gerar riquezas. Só que todo mundo quer faturar políticamente”, reclamou o parlamentar, que preferiu ficar no anonimato.

Assim como o segmento religioso, notadamente o evangélico, o agronegócio é considerado um território vital para as aspirações político-eleitorais dos espectros antagônicos da vida brasileira.

Lula está incomodado com a perda de popularidade e tenta se aproximar dos empresários do agro para diminuir a rejeição no segmento, que é historicamente conservador e ligado ao bolsonarismo.
Já os grupos ligados ao ex-presidente enxergam no agronegócio a sua boia de salvação para recuperar a relevância política e mobilizar seus apoiadores diante dos cada vez mais complicados problemas judiciais, com a plausível ameaça de prisão por estimular um golpe de Estado, entre outras coisas.

Com Tarcísio de Freitas a tiracolo, Bolsonaro tentou mostrar poder ao ser aclamado pelos empresários do agro, seus apoiadores (Crédito: Joel Silva/Fotoarena/AgÍncia O Globo)

O governo federal tomou a dianteira do ataque neste jogo ao marcar presença na abertura oficial do evento no domingo, em sinal de que os episódios do ano passado pudessem estar superados.

Em 2023, o ministro Carlos Favaro (Agricultura) foi “desconvidado” pelos diretores do evento porque decidiram privilegiar a presença de Bolsonaro. A retaliação foi imediata, com o boicote do governo ao evento e o anúncio de suspensão do patrocínio da Agrishow pelo Banco do Brasil.

A tentativa de evitar a polarização este ano acabou também não dando muito certo. Afinal, pela primeira vez, em 30 anos, a abertura do Agrishow ocorreu sem público no domingo, com a presença de Geraldo Alckmin, de Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Fávaro. Sem perder tempo, Alckmin anunciou uma linha de crédito para micros, pequenos, médios e cooperativas rurais com dinheiro do BNDES (Banco nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). “O agro é uma mola propulsora da economia e o diálogo com o setor é fundamental”, disse Alckmin no evento.

Apoio do agronegócio

No dia seguinte, 28, com a abertura dos portões ao público, Bolsonaro visitou à feira com as bênçãos dos organizadores e ciceroneado pelo governador de São Paulo, acompanhado ainda pelo governador Ronaldo Caiado (Goiás), que pretende ser candidato a presidente com o apoio do agronegócio.

Tarcísio discursou para uma multidão de apoiadores e também anunciou a liberação de recursos para os produtores rurais paulistas, além de disparar críticas ao governo Lula. Mesmo sem o confronto entre as “torcidas”, isso mostrou como o setor está dividido.

Se depender da oposição ao governo federal, a tendência é de que o abismo seja ampliado. As lideranças políticas do agronegócio continuam descontentes com o apoio do governo às atividades do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que continuam promovendo invasões e ocupações de terras.

“O mesmo governo que fala que quer se aproximar do setor é o que tira dinheiro do ProAgro para colocar os recursos no MST. Assim não tem como criar pontes”, disse o deputado Pedro Lupion (PL-PR), líder da Frente Parlamentar da Agropecuária, um bloco que reúne hoje 324 deputados e 50 senadores no Congresso.