Comportamento

Gastonomia: chefs querem trazer a Ásia profunda para a mesa brasileira

Crédito: Nani Rodrigues

Os chefs Victor Valadão e Caio Yokota, e o chef de bar Maurício Barbosa (atrás, à dir.), do Mapu e Aiô: pratos e drinques surpreendentes, como a torta de queijo que leva leite, tapioca e goiaba, presentes em Taiwan (Crédito: Nani Rodrigues)

Por Ana Mosquera

RESUMO

• Além da comida japonesa, chefs colocam outras culinárias asiáticas em cena, mesclando tradição a técnicas contemporâneas
• Com cardápios autorais e ampliados, projetos propõem novos pratos e sabores para representarem a diversidade do continente

Dorama, k-pop, pad thai, bao e pho já não são termos estranhos ao vocabulário brasileiro, sobretudo entre o público mais jovem. Se o Japão deixou de ser lembrado apenas pelo sushi e sashimi, e passou a ser associado ao lámen, às conservas dos bares conhecidos como izakayas e bebidas além do saquê – no filme Todos Nós Desconhecidos é um destilado japonês que o personagem de Paul Mescal oferece àquele vivido por Andrew Scott –, as outras culinárias do continente vêm cavando espaço no cenário gastronômico.

Em São Paulo, há um aplicativo dedicado exclusivamente à entrega de comida oriental, o Vou de Nekô, com 60 estabelecimentos cadastrados. “A ideia é fazer com que as pessoas que não conhecem a Ásia se sintam acolhidas”, diz a empreendedora Marisol Kiyoko Guevara.

É com o mesmo ímpeto que chefs de cozinha ampliam o leque de receitas de tais culturas alimentares, rompendo com a noção de homogeneidade — entre os países asiáticos e também no interior de cada um deles.

(Divulgação)

“Os baos, que são uma tendência mundial, muito encontrados em centros como Londres e Nova York, sempre foram o caminho para expor Taiwan, mas é hora de trazer outra perspectiva sobre a ilha”, diz Caio Yokota, chef do Mapu e do Aiô, ambos em São Paulo.

Se o primeiro abriu as portas com foco na comida de rua, o segundo tem a intenção de ser mais autoral, ainda que pautado na origem política e histórica daquela culinária. “As principais influências vêm do sudeste da China, com a presença do adocicado e da base de proteínas vegetais e temperos, e dos anos de domínio japonês, com o uso de ingredientes como umê, missô, óleo de gergelim e saquê mirin”, diz o sócio e descendente de taiwaneses Duilio Lin.

O chef Daniel Park, do Komah, diz que é hora de apresentar os itens de café, confeitaria e padaria da Coreia, como o shokupan recheado de salada típica com ovo (Crédito:Laís Acsa)
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Apesar da justa fama do bao, o pão cozido no vapor, elementos como flores, frutas, ervas para chá, especiarias, vegetais fermentados e a própria tapioca se destacam das entradas às sobremesas e drinques. “Falar sobre texturas, principalmente a ‘Q’, traz o desafio de propor sensações pouco exploradas na cultura e paladar dos brasileiros”, diz o chef Victor Valadão. Ele se refere a uma das principais características da alimentação daquele país: a mastigabilidade (“Q”), muito representada pelo pobá, que são as bolinhas feitas da goma da mandioca.

Sabores e texturas

Sem abandonar a tradição, coreanos e vietnamitas miram nas técnicas contemporâneas: é o caso do Bia Hoi, que foca no movimento da Cuisine Mó’i, a nova cozinha vietnamita.

Também em São Paulo, o restaurante Komah abriu uma padaria que combina produtos e preparos típicos com influências brasileiras e europeias, já presente na confeitaria coreana. “Se nos inspiramos com certo produto, técnica ou execução, sejam eles de base francesa, espanhola ou brasileira, os incorporamos ao cardápio”, diz o chef Daniel Park.

Na Komah Bakery, entre as criações das chefs Gabrielly Azevedo e Lorraine Pestana estão queijo quente, pães e bolos com recheios reconhecíveis, como mirtilos, mas também com doce de abóbora, uma salada típica ou conserva de acelga, o kimchi. “Temos pão de fermentação natural, mas quero que as pessoas venham comer pães macios. Há recheio de creme de alho, mas espero que elas provem o de doce de feijão.”

O chef Maurício Santi, do Ping Yang: folha de chaplu, açúcar de palmeira, pasta de tamarindo e de camarão fermentado compõem prato de DNA thai (Crédito:Pedro Ferrarezzi)
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Os novos projetos são ousados. No Ping Yang, na capital paulista, o chef Maurício Santi se recusa a servir o pad thai — prato tailandês mais consumido fora do país, fruto de um programa de governo para promover aquela cultura. “Com uma das cozinhas mais regionais e sazonais do mundo, não dá para ficar preso ao estigma desse macarrão de arroz.”

E os preparos podem ser mais confortáveis ao gosto brasileiro, mesmo com a profusão de texturas, sabores e picância nem sempre usual ao nosso cotidiano. “Noventa por cento do cardápio gira em torno da brasa e até o nome do restaurante significa ‘espetinho grelhado’. Há algo no nível da ‘aventura’, mas, regra geral, o produto principal de cada prato é fácil de acessar.”

Ele acredita que a facilidade para viajar, o conhecimento de novas culturas e a difusão de conteúdos na internet – antes disponível apenas para quem podia comprar livros – contribuíram para o mergulho na Ásia profunda. “As pessoas passaram a ter fome de tudo isso.”