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“Precisamos resgatar nossas polícias”, diz Mario Sarrubbo, secretário Nacional de Segurança Pública

Crédito: Brenno Carvalho

Mario Sarrubbo: “Alterar a lei não mudará a situação da criminalidade” (Crédito: Brenno Carvalho)

Por Germano Oliveira

Aos 60 anos, Mario Sarrubbo, secretário Nacional de Segurança Pública, um dos principais auxiliares do ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública), é considerado “linha dura”, com base nos 34 anos de experiência no Ministério Público de São Paulo, onde coordenou os mais tenazes promotores que combatem o crime organizado no maior estado da União. Ele é próximo do ministro Alexandre de Moraes (STF e TSE), o que teria contribuído para a sua nomeação para o cargo mais espinhoso do Ministério de Lula: combater as facções criminosas que já adotaram caráter de máfias internacionais, colocando o Brasil na principal rota de distribuição de drogas para a Europa e Estados Unidos. Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e com mestrado na PUC-SP, Sarrubbo é intransigente defensor no combate à violência, entendendo que o Brasil tem uma elevada letalidade policial, que precisa ser reduzida. Para ele, as policiais precisam ser melhor equipadas.

O governo estuda apresentar uma PEC ao Congresso na qual o Ministério da Justiça e Segurança Pública formulará a política de Segurança para todo o País, com medidas que seriam seguidas por estados e municípios. Qual que é o objetivo dessa centralização?
Não há o objetivo de centralizar. Os mecanismos de formulação de política nessa área por parte da União são muitos restritos, fundamentalmente a partir do Fundo Nacional de Segurança Pública. A ideia é que se possa trabalhar mais a questão da Integração. Que a União possa participar e ser um agente de integração entre as forças policiais, seja no âmbito federal ou estadual. Que possa auxiliar no combate ao crime organizado com a Receita Federal, com o Coaf. É algo ainda muito preliminar, que precisa ser discutido com a sociedade civil e com todas as partes interessadas, inclusive os governadores. Não devemos nos precipitar. É algo que ainda está sendo gestado com muita cautela.

“Tem de haver integração das forças de Segurança. Essa é a diretriz principal do ministro Lewandowski” (Crédito:Mateus Bonomi)

O sr. acha que isso pode ser entendido por parte de governadores como uma espécie de intervenção da União?
Em um primeiro momento pode dar essa ideia, mas não é a intenção. Queremos é criar uma oportunidade para a gente trazer diretrizes apenas. De forma alguma haverá intervenção na autonomia dos estados. Não queremos romper o pacto federativo, muito pelo contrário. É apenas a União fazendo seu papel de formuladora de políticas. Intervenção, nunca. Integração, sempre.

Que tipo de integração dá para fazer? A gente sabe, por exemplo, que o preso que foge da Paraíba não está inserido em um cadastro nacional. Falta esse cadastro?
Tem de haver a integração das forças de Segurança. Estamos deflagrando no Brasil todo uma grande operação contra tráfico de drogas. É nessa linha que queremos trabalhar, envolvendo Polícia Federal, polícias estaduais, polícias rodoviárias, agentes financeiros, tributários, com a Receita e o Coaf. Essa é a diretriz principal do ministro Ricardo Lewandowski. E também trabalhar bastante com dois aspectos fundamentais, que são a inteligência e a lavagem de dinheiro.

O sr. falou, logo no início da gestão, em criar um Gaeco a nível nacional como o de São Paulo, mas houve reação negativa. Ainda é possível pôr em prática essa ideia?
A gente pensou no modelo de trabalho dos Gaecos, que é um trabalho integrado em alguns estados. Ele é constituído por Polícia Civil, Militar e Ministérios Públicos por lei. No estado de São Paulo, o Gaeco do Ministério Público não conta com a Polícia Civil ou Militar, só faz operações com as polícias. É muito mais a ideia do modelo do que propriamente montar um Gaeco nacional. Seria um modelo para enfrentar a criminalidade organizada com redes de atuação nas nossas fronteiras, que inclui também as Forças Armadas. Queremos na verdade atuar nos modelos de integração que existem nos vários estados.

O sr. disse, quando assumiu, que uma das prioridades seria o combate ao crime organizado. Ele já tomou conta de todo o País?
Não diria que tomou conta, mas cresceu mais do que gostaríamos. Atingiu um estágio grande, avançado. Está interferindo em serviços públicos, com infiltração, lavando dinheiro de forma escancarada, presente em empresas financeiras, as fintechs. Temos de combater o crime organizado. Eles estão muito fortes, nos quatro cantos do País, que é rota de tráfico de drogas. Os vizinhos são produtores de drogas e viramos um corredor de tráfico para a Europa, África e Estados Unidos. Tem de ser prioridade absoluta.

O PCC e o Comando Vermelho dominam os grandes centros, mas no Brasil inteiro existem dezenas de outras facções. Há no Amazonas, no Nordeste. Há um trabalho de inteligência para mapear onde atuam essas facções?
Sem dúvida alguma. Sabemos quem são, onde atuam e quais são os termos de cooperações entre as facções, porque elas trabalham sempre por acordo. Temos essas informações e trabalhamos sempre em cima delas com inteligência. Temos que ir atrás da lavagem de dinheiro. Esse tem sido o trabalho a partir da Senasp e do Diop.

O PCC já se transformou em organização com características de máfia internacional?
Na medida em que a gente percebe que eles já assumem certas funções de serviços públicos, podemos considerar que há grande infiltração, porque existe de fato uma organização com estrutura muito próxima do Poder, assumindo concessões de serviços públicos, como em São Paulo. Em alguns municípios estão nos Parlamentos, nas Prefeituras. Se isso não configura uma estrutura mafiosa, certamente estamos em uma situação pré-máfia. Estamos muito próximos disso.

O PCC e outras facções trabalhavam basicamente com cocaína e maconha, mas parece que estão ampliando seus negócios para outros tipos de drogas mais pesadas, como a K e o ópio. Para onde estão expandindo?
As facções buscam inovações com custo menor e que o produto ofereça efeitos mais rápidos. Há novas drogas no mercado. Estamos sempre de olho quando surgem “novidades”, atuando para estancar essa movimentação.

Na Amazônia, o crime organizado foi além das drogas, explorando madeira ilegal, invadindo terras de índios e atuando na exploração ilegal de ouro. Como é o combate a esses crimes? Depende do Exército?
Eles entendem que o crime ambiental é de menor potencial ofensivo é um bom caminho para a lavagem de dinheiro. Mas temos como combater. Existe um grande plano de governo para a região Norte, específico para a Amazônia. Estamos criando redes para controlar as nossas fronteiras. A ideia é retomar o controle da floresta com ações no campo da Inteligência, do policiamento das forças e, é claro, sempre integradas. As Forças Armadas têm o dever constitucional de defesa de territórios, tudo isso de forma integrada, trocando informações e com um olhar também para o social. O crime organizado progride onde há a ausência de Estado.

Como o sr. vê os vetos do presidente no projeto que restringe as saidinhas de presos? Podem ser revertidos no Congresso? O ministro Lewandowski já disse que, se isso acontecer, haverá rebeliões de detentos. Acredita nessa possibilidade?
Respeitamos as decisões do Congresso. Entretanto, temos nossas convicções. Quando você veda a saída de alguém do regime semiaberto, por exemplo, está impedindo a saída de alguém que está indo quase todos os dias trabalhar e estudar. É preciso cuidado nesta análise, pois a gente acaba muitas vezes punindo uma grande massa de sentenciados que está cumprindo as regras, está a caminho da ressocialização e, por conta do erro de alguns, ou às vezes até do erro de algum julgamento de uma autorização errada, acaba prejudicando um sistema que funciona adequadamente.

“O Congresso, por meio da PEC do senador Rodrigo Pacheco, determina a criminalização das drogas. Não discutiria esse tema neste momento” (Crédito:Jefferson Rudy)

O sr. defende leis mais rígidas contra a criminalidade?
Um ajuste ou outro em caráter absolutamente pontual talvez seja necessário. Mas, no geral, precisamos é resgatar e aparelhar as nossas polícias. Precisamos aumentar o número de esclarecimentos de crimes no Brasil, e isso não tem acontecido por falta de investimento, de efetivo, por falta de polícia científica. Não creio que a lei será a responsável por mudar a situação da criminalidade. Claro, sem deixar de lado a importância de diminuirmos a desigualdade social. Isso tem sido trabalhado pelo governo, com a renda mínima, por exemplo. O nó é a desigualdade social. Isso é o grande celeiro para a criminalidade.

Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas instituiu a Operação Escudo para conter a violência na Baixada Santista e foi acusado de repressão desmedida. Criticado, disse que não “tá nem aí”. O sr. acha que os policiais estão agindo com muito rigor, desrespeitando os direitos humanos?
Entendo que a letalidade policial no Brasil é muito alta. E isso claramente não vai resolver a Segurança Pública. Temos que dar condições para fazer Segurança Pública com uma baixa letalidade – inclusive de policiais, que também morrem. O mundo ideal que a gente imagina são operações com inteligência e, se possível, sem nenhuma vítima, seja de lesões ou perda de vidas. É nessa linha que queremos trabalhar sempre.

Como o sr. vê a discussão da PEC de criminalização das drogas, do senador Rodrigo Pacheco? O STF, por outro lado, quer descriminalizar o uso da maconha estabelecendo 60g de maconha para consumo próprio.
O STF não está descriminalizando, na verdade. Ele está dizendo que o porte de determinada quantidade não configura dano à saúde pública, que é o objeto jurídico da lei de drogas. Portanto, não haveria crime abaixo de uma certa quantidade. Por outro lado, o Congresso, por meio da PEC do senador Rodrigo Pacheco, determina a criminalização. Não discutiria esse tema neste momento. Enquanto houver o grande mercado consumidor, seja aqui no Brasil ou exterior, não vamos diminuir o tráfico de entorpecentes. O Brasil é especialista em grandes campanhas, conseguimos diminuir o número de fumantes. Acho que a gente devia trabalhar uma campanha nesse nível para diminuir o consumo a níveis mais aceitáveis. Depois, num debate menos ideologizado e polarizado, a sociedade poderá decidir o que quer.

Como é que o sr. avalia as duas fugas do presídio de Mossoró? Foram casos isolados ou o sr. acha que tem que murar todos os presídios? É necessária uma segurança especial com a Força Nacional?
Mossoró foi um ponto fora da curva que não vai se repetir por causa de falhas procedimentais. É um presídio de segurança máxima, assim como são os demais presídios federais. Então foi de fato algo isolado.