Cultura

A volta dos que não foram: artistas clássicos do rock brasileiro saem em turnê

Nomes consagrados nos anos 1980 e 1990 caem na estrada e conquistam novas gerações com shows repletos de hits do passado

Crédito: Eduardo Firmo

Lobão: retrospectiva com cinco décadas de carreira (Crédito: Eduardo Firmo)

Por Felipe Machado

A rapidez com que os Titãs venderam ingressos para estádios lotados em todo o País chamou a atenção do mercado e deu a impressão de que “os anos 1980 estavam de volta”. A verdade, no entanto, é que muitos artistas que conquistaram a fama nas décadas passadas nunca chegaram a interromper suas carreiras, nem precisaram apelar para a nostalgia para se manter na atividade. O que o “fenômeno titânico” fez foi recalibrar os holofotes da mídia — e a atenção das plateias — sobre os músicos e bandas que hoje são considerados nomes clássicos do rock nacional. No resto do mundo isso não é nenhuma novidade: faz tempo que entre as turnês mais disputadas há sempre medalhões como Rolling Stones, Aerosmith e Bruce Springsteen. Em tempos de streaming e redes sociais, é natural prestigiar artistas consagrados e de trajetórias menos fugazes, aqueles que os fãs gostam de acompanhar de perto, sem as recomendações dos algoritmos.

“Esses shows são uma renovação. Não cedo à tentação de cair na nostalgia.”
Lobão, músico

Imagine gravar um disco triplo pouco antes de comemorar cinquenta anos de carreira. Pois foi o que fez o inquieto Lobão, que abandonou definitivamente as polêmicas na política para se dedicar ao que faz de melhor: rock and roll. Um dos mais prolíficos artistas do País, o carioca de 66 anos lançou Canções de Quarentena, onde homenageia nomes que o influenciaram no Brasil e no exterior, entre eles Raul Seixas, Chico Buarque, Jimi Hendrix e Led Zeppelin. Lobão está viajando pelo País na turnê 50 Anos de Vida Bandida, retrospectiva da sua obra apresentada em um minimalista formato de power-trio, ao lado do baixista Guto Passos e do baterista Armando Cardoso. O músico garante que, embora toque hits dos anos 1980 como “Cena de Cinema” e “Me Chama”, não adota o tom saudosista. “Esses shows são uma renovação. Não cedo à tentação de cair na nostalgia”, garante. Como “mora no estúdio”, já prepara material para um novo trabalho, a ópera-rock O Vale da Estranheza. “Será inspirada por essa síndrome de drones e androides que vivemos hoje, robôs humanizados cada vez mais parecidos com os seres humanos”, afirma. Segundo ele, o estilo musical já está definido: “Será pesado, alto e violento”.

Megahits (da esq. à dir.): Kiko Zambianchi, Mauricio Gasperini, Alec Haiat, Sérgio Hinds e Guilherme Isnard (Crédito:Divulgação )

All-stars nacionais

De olho no sucesso dos clássicos, o produtor MRossi montou uma superbanda com artistas dos anos 1980 e 1990 para o show MegaHits, que acontece em 4 de agosto no Vibra, em São Paulo. “As pessoas querem ouvir ao vivo canções que marcaram época, pois são trilhas sonoras que embalam diversas gerações. Quando foram compostas o objetivo era agradar o público, não aos algoritmos”, afirma. Espécie de All-Stars do rock brasileiro, a superbanda será formada por Guilherme Isnard, do Zero, Sérgio Hinds, do Terço, Maurício Gasperini, do Rádio Táxi, Alec Haiat, do Metrô, e Kiko Zambianchi, entre outros. Para incrementar os arranjos, a produção convidou um diretor musical de peso: Paul Pesco, que já trabalhou com Madonna, George Benson e Cindy Lauper. MRossi acredita que essa valorização é merecida. “Está na hora de fazermos como os fãs no exterior. Temos de chamar os nossos roqueiros veteranos do que eles realmente são: clássicos.”

Ritchie: “há um interesse renovado por artistas daquela época” (Crédito:Divulgação )

ENTREVISTA
Ritchie, cantor e compositor

“O sucesso hoje é um atestado de qualidade dessas canções”

Um improvável encontro com músicos brasileiros em Londres mudou a vida do garoto inglês de 20 anos. Depois de conhecer Rita Lee e Os Mutantes, não pensou duas vezes em vir ao Brasil em 1972 — mal imaginava que ficaria aqui pelos 50 anos seguintes. Richard Court, mais conhecido como Ritchie, celebra 40 anos do lançamento do sucesso “Menina Veneno” com apresentações esgotadas e público renovado.

Uma série de shows lotados e o público jovem cantando suas músicas. É uma surpresa?
É ótimo perceber a boa acolhida hoje de músicas lançadas há quarenta anos. O sucesso hoje é um atestado de qualidade dessas canções e da importância da nossa mensagem. O interesse renovado por artistas daquela época e pelas músicas que se tornaram emblemáticas não é só nostalgia, é o resgate de algo marcante na cultura brasileira.

Por que essas músicas ainda têm apelo?
Creio que foi o surgimento de algo diferente numa época em que as pessoas ansiavam por mudanças. Era o fim da ditadura militar e nascia uma cultura que olhava o jovem como alguém que queria ser ouvido. Os anos 1980 no Brasil foram como a década de 60 na Inglaterra, e as músicas do período retrataram essas mudanças. Era diferente, uma linguagem mais direta que conversava com o jovem. Fugiam do padrão da MPB, era uma estética mais moderna.

O público atual se interessa por esse período?
A realidade em que o rock nacional dos anos 1980 surgiu era fascinante porque era tudo novo. Saí da Inglaterra para fazer música porque lá estava tudo saturado, não havia perspectiva de crescimento. Aqui havia espaço para novos nomes e coisas diferentes. Tudo conspirava para o surgimento de uma cena importante, após anos de censura. Isso ainda é fascinante e atrai, sim, um interesse grande. As canções dos anos 80, em sua maioria, são atemporais e não envelhecem. (Marcelo Moreira)