(In)segurança pública: gastos de bilhões de reais não aliviam sentimento de pavor
O aumento de gastos em segurança, que chegam a 5,9% do PIB, maiores que investimentos na educação, não alteram os índices de percepção da população, que continua assustada com a violência: especialistas cobram papel mais forte do governo federal

Empresas privadas gastaram R$ 171 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB (Crédito: Divulgação )
Por Vasconcelo Quadros
Em 2022, os gastos totais com segurança pública, que vinham aumentando ano a ano, alcançaram R$ 595 bilhões, o equivalente a 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB), impulsionaram a redução de algumas modalidades de crime, como os homicídios, mas não alteraram a percepção da população. O brasileiro, especialmente o que mora nas grandes cidades, continua se sentindo inseguro, vê sua capacidade de mobilidade e de trabalho reduzidas, o patrimônio ameaçado e o bem-estar afetado.
Há, ainda um agravante: as novas tecnologias que surgiram para facilitar a vida das pessoas encontraram terreno fértil para a perpetração de golpes que tornaram o país um dos mais visados para fraudes virtuais. Embora não existam ainda estimativas, o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), diz que, pelos relatos analisados pelos especialistas, os crimes virtuais representam, em volume financeiro, prejuízos bem superiores aos tradicionais crimes contra o patrimônio. “Golpes na internet e furto de celulares rendem mais que ataques a caixas eletrônicos, assaltos a banco ou outras modalidades criminosas”. As fraudes virtuais se expandiram com a pandemia e, em 2022, chegaram a 8,5 milhões de ocorrências, segundo instituições financeiras e entidades de proteção ao crédito.
Dados da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República, apontam que, em 2022, só a iniciativa privada gastou com segurança R$ 171 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB.
Os dois principais indicadores de violência, o Anuário do FBSP e o Atlas da Violência 2023, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostram que, depois que estados e municípios passaram a adotar programas de ação e prevenção, os homicídios diminuíram.
• Pelo Anuário, de 2021 para 2022, as mortes violentas com dolo caíram de 40.336 para 39.629.
• Já pelo Atlas, que incorpora também informações do Ministério da Saúde, em 2021 foram 47.487 homicídios, 4,1% a menos do que 2020, quando foram registrados 49.868 casos.
• Na década analisada, entre 2011 e 2021, a queda foi de 9,4%. Ainda assim, segundo Lima, a sensação de insegurança não foi alterada.
“Mesmo com os homicídios em queda, o brasileiro se sente apavorado”.
O roubo e furto de veículos aumentaram 8% de 2021 (334.715) a 2022 (373.225) e o elevado número de roubos em geral contra o patrimônio subiu de 926.423 para uma freqüência de 2.538 casos por dia.
As espetaculosas operações que resultam em confronto em morros ou favelas entre polícia e bandidos, que frequentemente terminam em execuções ou em mortes com os moradores em meio ao fogo cruzado, também contribuem para aumentar a insegurança nas grandes cidades. Em 2022 foram 6.429 mortes por intervenção policial, representando 13,5% dos homicídios em geral.
Custos da violência
• Em 2022 os gastos públicos e privados com segurança pública alcançaram R$ 595 bilhões ou algo em torno de 5,9% do PIB brasileiro
• Apenas as empresas gastaram R$ 171 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB*
* Dados da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República
• O total de roubos em 2022 foi de 962.423 casos, taxa de 456,2 por 100 mil habitantes;
238 roubos contra instituições financeiras, com taxa de 0,4 por 100 instituições; e, 13.032 roubos de cargas, com taxa de 6,5 por 100 mil habitantes**
**Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O jornalista Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que a proliferação das facções criminosas que se articulam a partir dos presídios e a disputa por territórios entre o tráfico e as milícias revelam-se um agravante no cenário da violência.
“São mais de 70 facções no país. Duas delas, o Comando Vermelho o PCC, atuam no comércio atacadista internacional da cocaína, articulados com gangues dos países produtores e ganham em dólar. Mesmo com o crescimento dos investimentos em segurança, a polícia repete vícios, apostando em operações ostensivas, quando é necessária a ação de planejamento e inteligência, compreensão do crime nos aspectos financeiros e de infiltração da política entre os criminosos.”

É consenso entre os especialistas que a diminuição da violência que assusta e inibe a população passa, necessariamente, pelo protagonismo do governo federal na coordenação de ações integradas com estado e municípios por meio de um plano nacional de segurança a longo prazo.
Renato Sérgio de Lima acha que, como o combate a crimes violentos ou contra o patrimônio não produzirá resultados imediatos, o governo deveria agir como o gestor que investe em obras de saneamento básico que ninguém vê, até que os indicadores apontem as mudanças.
Lima acha que a troca do ministro Flávio Dino pelo ex-ministro do STF, Ricardo Lewandowski, no Ministério de Justiça e Segurança Pública, reduziu a articulação com os estados a ponto de parecer que o governo federal quer coordenar mais a segurança, que não é só dinheiro. “O país tem 1.600 agências de segurança, 86 delas policiais que deveriam agir com protocolos comuns. Falta coordenação do sistema, capacidade de governança e integração.”