Internacional

Índia tem a maior eleição da história, mas democracia corre risco, diz oposição

Com a esperada vitória de seu partido, o BJP, Narendra Modi teria um terceiro mandato como primeiro-ministro da Índia, o que coloca a democracia em perigo, segundo a oposição

Crédito: Noah Seelam

Narendra Modi quer percorrer 15 estados, somando 6.713 quilômetros em 67 dias (Crédito: Noah Seelam)

Por Denise Mirás

Com 1,45 bilhão de habitantes, a Índia promove entre o dia 19 deste mês e 1º de junho a maior eleição da história da humanidade. Para tanto, a mobilização é gigantesca. São 15 milhões de funcionários, incluindo as forças nacionais de segurança, fora os candidatos em campanha, em deslocamentos por milhares de quilômetros. Em caminhões, carros, trens, ônibus, barcos, helicópteros, camelos e elefantes, percorrem da neve no Himalaia ao deserto, das selvas às ilhas, de povoados a megalópoles, para convencer os 969 milhões de eleitores inscritos — mais que toda a população da Europa somada.

Serão eleitos 543 representantes na Lok Sabha, a Câmara Baixa, a que se somarão mais dois indicados pela presidente Draupadi Murmu. O resultado será divulgado em 4 de junho.

E, em meio a tamanha complexidade, a expectativa é pela vitória majoritária dos candidatos do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP), que lidera uma coligação com 30 outros e assim garantiria a reeleição de Narendra Modi como primeiro-ministro, com poderes até para mudar a Constituição e derrubar aquela que é conhecida como “a maior democracia do mundo”.

No cargo desde 2014, Modi acredita que o BJP assuma 370 cadeiras, 67 a mais do que em 2019, e até passe de 400, do total de 545. Aos 73 anos e sustentado por sua política assistencialista, mais cinco anos de mandato arrepiam seus adversários. Ele garantiria ainda mais poder sobre uma oposição fragmentada, que teme a imposição de uma autocracia plena e religiosa.

Exacerbada em um nacionalismo hindu com ataques crescentes e repressão ainda mais aberta a minorias, principalmente a de muçulmanos, a Índia descambaria de vez para a extrema-direita, com censura à imprensa e a tribunais que julguem casos de corrupção de governantes.

Funcionária que trabalhará nas eleições vota antes, por correspondência, em Chennai, cidade no golfo de Bengala (Crédito:Satish Babu)

No fim de 2023, uma aliança da oposição derreteu com desentendimentos ideológicos e pessoais. Hoje, está basicamente nas mãos do Partido do Congresso, que tem 24 coligações e Rahul Gandhi como maior rival do atual premiê. Ele é neto de Indira Gandhi, que governou durante 15 anos e 11 meses como sucessora do pai, Jawaharlal Nehru.

No comando do país “unido na diversidade” por 16 anos e nove meses (a partir da independência), a ele se deve a democracia parlamentar implantada para uma Índia moderna e aberta a trocas com o Ocidente. Modi é o avesso: tem raízes na Rashtriya Swayamsevak Sangh, organização paramilitar de direita, que relega minorias a uma “segunda classe” (em março, ganhou ainda mais apoio eleitoral ao inaugurar um templo hindu na cidade de Ayodhya, construído sobre uma mesquita derrubada). Em meio a esse retrocesso ideológico, Modi lidera uma das economias que mais crescem no mundo, com uma população jovem e maior capacidade de produção, em contraposição à China. Os grandes desafios continuam sendo a miséria imensa e a alta taxa de desemprego.

Na índia, números que assustam

2.660
são os partidos registrados no país

8 mil candidatos,
pelo menos, devem concorrer à Câmara Baixa

 

82 dias
de votação, divididos em sete fases

 

5,5 milhões
de urnas eletrônicas serão usadas

 

US$ 5,5 bilhões
é o custo das eleições na Índia em 2024 (mais que dos EUA)

Avanço tecnológico

E se a eleição é avassaladora em embates internos, na política externa a situação da Índia é delicada, porque inflamável: como potência nuclear, tem fronteiras com Paquistão, Rússia e China, todos detentores da tecnologia da bomba atômica.

O professor Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, destaca a preocupação quanto à segurança regional. O país mantêm relações com os vizinhos (e com os EUA), mas há conflitos como na Caxemira. Foi significativa, diz, a ausência do líder chinês Xi Jinping na última reunião no G20, na Índia, que também fez questão de emitir convites usando sob o nome “Bharat”, em vez de “Índia”.

Enquanto isso, o país segue administrando sua reforma econômica neoliberal com característica própria: voltada a interesses nacionais, com alto protecionismo agrícola e se mantendo nos BRICS, mesmo flertando com a extrema-direita. “A Índia avança em áreas estratégicas, como ciência e tecnologia, com destaque para o setor farmacêutico, de medicamentos e vacinas, e TI”, observa o professor.

E procura diversificar produção, como é o caso do Tata, conglomerado de Mumbai com negócios que envolvem aço, energia, chá, hotelaria, TI, carros populares e de luxo, gerando milhares de empregos. “O ritmo de crescimento do PIB da Índia é maior do que o da China. Em 2022, cresceu 7,2% contra 5% ou 6%, e deve fechar 2023 em 7%”, diz. Para 2024, a projeção está em 6,5%%, ainda acima da chinesa, de 4,6%.

Mas o especialista ainda lembra que o sistema de castas, abolido em 1990, continua operando e concentrando o poder — daí a percepção de que em seu terceiro mandato Modi será ainda mais conservador, hinduísta e nacionalista, marginalizando minorias.

Ainda com relação às eleições, há peculiaridades e estratégias, como a cabine de votação que reafirma a soberania nacional, em Arunachal, estado com terras reivindicadas pela China. Números extraordinários aparecem no comércio alucinado de badulaques eleitorais, com fábricas transformando tecidos para sáris em banners e gerando até 10 milhões de empregos temporários.

O que não apenas assombra, mas assusta, são ataques altamente agressivos espalhados por influencers contratados (1.900 deles pelo BJP, o partido de Modi, só no estado de Uttar) para atingir os 560 milhões de usuários de redes sociais — 460 milhões deles ligados a canais do Youtube intencionalmente voltados a desinformação e islamofobia. O Relatório de Risco Global de 2024 já alertou que hoje o maior risco que a Índia corre virá das consequências da propagação de fakenews.