Cultura

Documentário conta a história misteriosa de PC Farias

Em estilo de thriller político, o documentário 'Morcego Negro' narra a trajetória do tesoureiro PC Farias, operador do governo Collor, cuja ascensão meteórica terminou em tragédia

Crédito: Agência Istoé.

Paulo César Cavalcante Farias, o PC Farias, falava bem francês e latim, leu os clássicos, gostava de música erudita (Crédito: Agência Istoé.)

Por Felipe Machado

Desvio de milhões de dólares, ligações com a Máfia, fuga cinematográfica, assassinato misterioso. O documentário Morcego Negro, que conta a trajetória do empresário Paulo César Cavalcante Farias, o PC Farias, segue o estilo dos thrillers políticos de Hollywood, mas tem sotaque brasileiro — alagoano, para ser mais exato. Um detalhe, no entanto, subverte os clichês do cinemão norte-americano: a figura do vilão era evidente, mas até hoje ninguém sabe quem foi o herói.

Dirigido por Chaim Litewski e Cleisson Vidal, o filme é um mergulho no Brasil do final dos anos 1980 e o início da década de 1990, época ainda marcada pela redemocratização do País, recém-saído da famigerada ditadura militar.

A história começa com a ascensão do candidato Fernando Collor de Melo, que ganhava a atenção na mídia com o slogan populista e demagógico “caçador de marajás”. Jovem e audacioso, conseguiu se transformar de azarão em favorito na primeira eleição presidencial após a volta da democracia.

Em 1989, o novato alagoano venceu Lula com a ajuda de um personagem que pavimentou, com apoios espúrios e muito dinheiro, seu caminho para o Palácio do Planalto.

Fernando Collor deixa o Palácio do Planalto: acusações de corrupção levaram ao seu afastamento (Crédito:Wilson Pedrosa/Ae )

O empresário PC Farias surge na história como tesoureiro da campanha de Collor. Sua participação, no entanto, ia bem além do simples arrecadador de doações. Era o chamado “operador financeiro”, o homem que “fazia acontecer”, segundo os depoimentos do documentário.

Os lobistas, aqueles que fazem a intermediação entre o capital e os candidatos, sempre existiram na política em todo o mundo. O diferencial aqui é que a última campanha presidencial havia acontecido há décadas, então a função precisava ser reinventada. PC Farias fez isso, mas à sua maneira.

“O que chamava a atenção nele era sua personalidade e carisma”, afirma Chaim Litewski. Para o co-diretor, ele não era como os lobistas tradicionais, do eixo Rio-São Paulo, mas também era diferente da turma ao redor de Collor.

“PC estudou em seminário, sua mãe queria que ele fosse padre. Falava bem francês e latim, leu os clássicos, gostava de música erudita. Era um personagem interessante, por isso sua história nos atraiu. Contar aquele período por meio de sua trajetória enriquece a visão sobre o País.”

Fruto de dez anos entre pesquisa e produção, Morcego Negro — apelido do jatinho favorito de PC Farias, cuja pintura era escura — reúne dezenas de entrevistas, de familiares e seguranças ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Muitos dos personagens retratados, como Fernando Collor e Renan Calheiros, ambos protagonistas na chamada República das Alagoas, surgem envelhecidos e serenos, bem mais contidos do que nos distantes tempos de glória.

Cleissom Vidal e Chaim Litewski: para os diretores, contar a época da redemocratização por meio da trajetória de PC Farias enriquece a visão sobre o País (Crédito:Divulgação )

O documentário exibe ainda uma série de materiais inéditos. A conexão do grupo alagoano com a Máfia, por exemplo, que na época era vista mais como um boato exótico do que uma ligação real, confirma-se na voz de delegados da polícia italiana e inspetores do departamento antidrogas dos EUA. “Havia coisas no ar que precisávamos olhar mais a fundo”, explica Cleisson Vidal. “PC entrou por acaso na mira das autoridades europeias, que estavam atrás do tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e ligações com o submundo do crime. Nessa busca, encontraram uma conta de PC que recebia recursos desse universo.”

O documentário revela que a polícia italiana veio à América do Sul e interrogou o empresário argentino Jorge La Salvia, ligado a PC Farias. “Eles descartaram a ligação do brasileiro com o tráfico de drogas, mas comprovaram que PC Farias e o crime organizado mundial usavam os mesmos esquemas para esconder dinheiro ilegal no Caribe e na Suíça”, afirma o co-diretor.

Duplo assassinato

Litewski e Vidal destacam ainda o papel da imprensa não apenas na cobertura do caso, mas como fonte de informações para o filme. “Era um período áureo para o jornalismo. Com a pesquisa, que teve apoio da Editora Três, entendemos melhor o pensamento da época e compreendemos como havia sido de fato a campanha presidencial”, afirma Vidal.

Segundo ele, era preciso rememorar os fatos, mas com um olhar de afastamento e sem fazer um novo julgamento, do ponto de vista histórico. “Foi muito interessante sentir a temperatura da época. PC Farias era retratado como o vilão da história e pagou um preço alto por isso.” Segundo Livetski, foi importante ter acesso aos arquivos e acervo fotográfico de ISTOÉ. “A postura da revista foi de independência. Em relação ao assassinato de PC, por exemplo, não aceitava a versão de que havia sido crime passional, fato que foi comprovado pela Justiça mais tarde.”


Reportagem de ISTOÉ: entrevista exclusiva com o motorista Eriberto comprovou o esquema de corrupção no governo federal (Crédito:Divulgação )

Assassinado em 1996 ao lado da companheira, a jovem Suzana Marcolino, em uma casa de praia, PC Farias levou consigo segredos não apenas da República das Alagoas, mas de todo o status quo do poder no País. No julgamento de 2013, a Justiça finalmente comprovou que não houve “crime passional seguido de suicídio”, como alguns defendiam à época, mas um duplo assassinato.

Uma terceira pessoa chegou a ser apontada na cena do crime, mas nunca se descobriu quem era. Outrora festejado como o dono do cofre no governo Collor, PC Farias morreu sem glórias, mas seu modus operandi continua presente na política brasileira.