Cultura

A nova versão de Cleópatra: líder corajosa e estrategista militar

Autora norte-americana narra a história da rainha do Egito a partir de um ponto de vista mais equilibrado entre os gêneros, sem o viés que os autores masculinos atribuíram à personagem ao longo dos séculos

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A Morte de Cleópatra (1675), obra de Francesco Cozza: desafio às ideias de sua época (Crédito: Divulgação )

Por Luiz Cesar Pimentel

Cleópatra, uma das mulheres mais famosas e poderosas da história, foi a última rainha do Egito até seu império cair, sob domínio romano, em 30 a.C. Tudo que se sabe sobre sua vida, no entanto, não veio de seus próprios escritos, mas da lenda imortalizada por escritores como William Shakespeare, George Bernard Shaw e Georg Ebers — todos eles, homens.

Embora a primeira imagem que venha à cabeça quando se ouve o seu nome seja o rosto de Elizabeth Taylor, é bom lembrar que o popular filme de 1963 foi dirigido por Joseph L. Mankiewicz — com roteiro adaptado pelo diretor, Ranald MacDougall e Sidney Buchman.

A produção foi baseada no livro Vida e Época de Cleópatra, de Carlo Maria Franzero, inspirado por histórias de Plutarco, Suetónio e Apiano. Ou seja: mais uma vez, apenas homens receberam a missão de eternizar a rainha.

Essa visão masculina fez de Cleópatra um arquétipo da astúcia, sedução e manipulação. A escritora norte-americana Francine Prose tenta consertar esse traço tendencioso em Cleópatra: seu Mito, sua História. Na obra, narra como ela ameaçou o reinado masculino e despertou o desejo e a ira dos políticos e militares mais poderosos de seu tempo.

A autora utiliza fontes históricas egípcias, gregas e romanas, assim como representações modernas da arte, do teatro e do cinema, para elaborar uma crítica às narrativas convencionais.

Prose a descreve como uma líder corajosa e competente, uma estrategista militar que desafiou as ideias da sua época. Traça ainda paralelos entre as versões ficcionais e a figura real, e como isso influenciou os conceitos de beleza e feminilidade contemporâneos.

Poderosa estrategista militar, ela sempre foi retratada como um arquétipo de sedução, astúcia e manipulação

Francine Prose: “Precisamos hoje de alguém como ela” (Crédito:Divulgação )

“Eu votaria em Cleópatra para presidente dos EUA”
ISTOÉ entrevistou Francine Prose, autora da nova biografia

Quanto da Cleópatra, sobre a qual estamos acostumados a ouvir falar, reproduz a figura real?
A dimensão da beleza, de usar métodos femininos para alcançar o poder, de ser manipuladora, isso se destaca. Ao longo do tempo, historiadores usaram muitos artíficios para não admitir o fato de que uma mulher governou por décadas um país complicado e difícil.

Ela recebe crédito por tudo que realmente realizou?
Não, há pouco crédito e atenção. Parece haver mais interesse por seus relacionamentos amorosos. Quem assiste aos filmes de Hollywood se pergunta: “Mas afinal, o que ela fez para se tornar rainha?”. Parece que a única coisa que ela sabia fazer era seduzir poderosos romanos.

Quais foram os seus principais achados sobre a rainha egípcia?
Não há novidades factuais. O que foquei, principalmente, foi a representação feita dela, e o que me pareceu ser imprecisões e injustiças. Quis eliminar a visão sexista e racista sobre a forma como ela e seu governo foram retratados.

A beleza de Cleópatra sempre foi muito idealizada. Sabemos como ela era fisicamente?
A única evidência que temos são as moedas com sua efígie. De todas as imagens, livros e filmes, não há nenhuma versão em que Cleópatra tenha sido retratada como uma mulher acolhedora. Ela sempre foi definida como uma beldade, como se isso fosse necessário e essencial para que chegasse ao poder.

Ela era realmente poderosa?
Seu poder é subestimado. Tinha diversas habilidades e talentos. Imagine governar um país em crise por tanto tempo, como ela fez, além de mantê-lo unido e protegido. Além disso, ela entendia de arquitetura, ajudou a construir a cidade de Alexandria e a estabelecer sua famosa e extraordinária biblioteca. Ela, que falava diversas línguas, foi reduzida a alguém que brigou com Marco Antônio. É uma subestimação grosseira de quem ela foi e do que fez.

Se vivesse nos dias de hoje, que tipo de líder ela seria?
Precisamos desesperadamente de uma Cleópatra atualmente. Se estivesse viva e quisesse se candidatar à Presidência dos EUA, seria ótimo. Eu votaria nela, sem dúvida.