Internacional

Populistas em queda: direita começa a fraquejar no leste europeu

Há décadas no poder, Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, e Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, veem multidões nas ruas pedindo suas cabeças

Crédito: Chris Mcgrath

Turcos comemoram a vitória da oposição ao presidente Recep Tayyip Erdogan (abaixo) nas eleições municipais (Crédito: Chris Mcgrath)

Por Denise Mirás

Uma combinação de cansaço e falta de perspectiva de eleitores com relação a partidos tradicionais ajudou na expansão do discurso fácil da extrema-direita pelo mundo. Agora, o ciclo político parece se inverter. Uma onda de rejeição atinge populistas como Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia desde 2014, mas no poder desde 2003, quando assumiu como primeiro-ministro. Fundador do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento), ele teve sua reeleição ameaçada em 2023 pelo candidato da oposição Kemal Kiliçdaroglu, do CHP (Partido Popular Republicano), e acaba de receber um recado bem explícito das urnas, calcado na inflação que beira os 70% no país e as denúncias de corrupção: nas eleições municipais realizadas no domingo, 31, o CHP ganhou nas principais cidades do país, com 37,8% dos votos contra 35,% do AKP.

E se milhares de pessoas foram às ruas comemorar a vitória da oposição na Turquia, outros milhares saíram para protestar na Hungria contra Viktor Orbán, premiê que desafia a democracia há 15 anos. Persegue oposição, mídia e minorias — e em 2018 já concedeu asilo político ao macedônio Nikola Gruevski, ajudando na fuga para escapar de cumprimento de pena na cadeia por corrupção.

Para Rodrigo Gallo, coordenador de Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), uma série de questões locais e conjunturais leva ao crescimento da extrema-direita. No caso de alguns países europeus:
 a grande quantidade de refugiados associada à situação econômica convence parte da população a acreditar nas respostas “fáceis” de populistas.
• Mas também pode ocorrer um reflexo pendular da política: “Depois de um tempo, com as medidas não surtindo os efeitos esperados por inúmeras razões, surgem frustrações que podem se converter em crises políticas”.

(Adem Altan)

Protestos

Aos 70 anos e com mandato até 2028, Erdogan se reelegeu por pouco em maio passado, com 52,18% dos votos contra 47,82% de Kiliçdaroglu.

Vinha de críticas pela demora no socorro às vítimas do terremoto que, em fevereiro, havia deixado perto de 45 mil mortos e de acusações de “anistia” ao descumprimento de leis de 2018, sobre padrões de segurança para construções e infraestrutura. A crise econômica se agravou com a guerra na Ucrânia.

Há também o fator religioso, com o AKP conservador e islâmico contra o CHP, defensor do Estado laico e que se apresenta como conciliador, contra a bipolarização “religião versus secularismo”.

Assim, o CHP saiu vitorioso nas eleições das maiores cidades do país como Istambul, a capital Ancara, Izmir e Bursa, estendendo sua base de classe média urbana para a área central do país, mais conservadora. Erdogan chegou ao pior momento de sua vida política em 21 anos no poder. Na Turquia, a oposição comemora.

Denúncias de corrupção sobrevoam Viktor Orbán e todo o governo da Hungria (Crédito:Attila Kisbenedek)

Na Hungria, a oposição protesta. Aos 60 anos, Viktor Orbán foi colocado contra o muro porque vazaram gravações de figuras de seu governo manipulando documentos judiciais para encobrir seu envolvimento em corrupção, divulgadas por seu ex-aliado Peter Magyar.

As acusações começaram ainda no início de fevereiro, quando Katalin Novak, a presidente da Hungria e correligionária da extrema-direita de Orbán, foi exposta pelo perdão concedido a um condenado que encobriu provas de abusos de crianças, como cúmplice do acusado (um diretor de orfanato estatal).

Caiu a presidente e Judit Varga, ministra da Justiça (e ex-mulher de Magyar), que aparece nas gravações “sugerindo” o que deveria ser removido de um processo de corrupção contra o ex-juiz Pal Volner, então secretário de Estado. Tamas Sulyok foi o indicado pelo Parlamento para a Presidência, que assumiu em 5 de março.

Em voo político solo, Peter Magyar foi às ruas de Budapeste discursar em praça pública. Estava aberta a brecha para milhares de húngaros sufocados saírem às ruas contra a corrupção sistêmica, pedindo a cabeça de Viktor Orbán, o amigo de Donald Trump, Vladímir Putin — e da família Bolsonaro.

Líderes rejeitados
Candidatos podem estar inaugurando a era da impopularidade na política dos EUA

Analistas da política americana destacam que nunca houve uma eleição nos EUA com candidatos tão impopulares:
Joe Biden, para 55% dos eleitores,
e Donald Trump, para 53% (segundo dados do site fivethirtyeight.com, que reúne médias de pesquisas).

Também observam eleitores entrincheirados em seus campos partidários, o que talvez anuncie uma era de “candidatos presidenciais perpetuamente impopulares”. E ainda se perguntam: quando há tamanha rejeição, o índice de popularidade (43% para Trump e 40% para Biden) é o fator decisivo? A resposta mais provável: “Não necessariamente”.

A chave para o vencedor da eleição de 5 de novembro seria, sim, a conquista de eleitores que não gostem dele. E talvez esteja aí, na “medida do ódio”, a maior chance de Biden: pelos termômetros de pesquisa, quem odeia Trump “odeia mais” do que aqueles que odeiam Biden.

Joe Biden e seu adversário Donald Trump disputam quem é menos odiado (Crédito:Brendan Smialowski)