Comportamento

Vergonha na alfabetização

Ministério da Educação encara dura realidade: no 2º ano, 56% das crianças não sabem ler e escrever. Há seis meses no poder, governo Lula promete lançar pacto com estados e municípios, mas até agora não há uma mudança sequer visível no ensino

Crédito: Gabriel Reis

Governo define o que é ser alfabetizado: aos 7 anos, alunos devem saber escrever bilhetes e ler textos simples, como quadrinhos (Crédito: Gabriel Reis)

Por Elba Kriss

O que se espera da leitura e escrita de uma criança do 2º ano do Ensino Fundamental? Essa foi a pergunta da pesquisa Alfabetiza Brasil, feita pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em nota, o MEC informa que essas crianças têm que “realizar leitura e processos básicos de interpretação de texto, com base na articulação entre texto verbal e não verbal, como em tirinhas e histórias em quadrinhos”.

Mais: “Precisam ser capazes de escrever (ainda com desvios ortográficos) textos que remetam a situações do cotidiano como um convite ou um lembrete”. Para Camilo Santana, ministro da Educação, a pesquisa é parte crucial do prometido por Lula: “O compromisso do presidente é um grande programa de alfabetização na idade certa”.

No entanto, a análise trouxe uma situação desagradável: 56,4 % dos estudantes do 2º ano não estavam alfabetizados em 2021. Isso confirma um dado recente do Estudo Internacional de Progresso em Leitura, que avalia os estudantes do 4º ano. O Brasil ficou na 52ª posição nesse levantamento, em uma lista com 57 países.

“Essa realidade nos envergonha. É triste ver um número prejudicado pela pandemia: praticamente 60% das nossas crianças não aprenderam a ler e escrever na idade certa”, lamentou Santana. “Isso precisa se reverter, pois gera evasão, reprovação e abandono. Temos que fechar essa torneira e, para isso, é preciso ter escola atrativa, acolhedora, e política de apoio.”

Pesquisa Alfabetiza Brasil, do MEC: crianças têm que “realizar leitura e processos básicos de interpretação de texto, com base na articulação entre texto verbal e não verbal, como em tirinhas e histórias em quadrinhos” (Crédito:Gabriel Reis)

De fato, agora é hora de arregaçar as mangas. Com a averiguação burocrática feita, é chegado o momento de sair da imobilidade — no âmbito prático — e viabilizar uma política de alfabetização.Discussões foram iniciadas ainda após a eleição, desde novembro do ano passado. Mas, hoje, não há nada além de constatação de problemas. O ensino tem sequelas da era Jair Bolsonaro (PL), mas a gestão atual deve se atentar de que lamentar o retrocesso herdado é jogar pedra na vidraça na qual está hoje.

Após meses de observações, fica a pergunta: o que muda nas escolas? “O MEC não pode parar por aí. Ainda é necessário qualificar a medida dando precisão de quais são as habilidades necessárias para que um estudante seja considerado alfabetizado”, observa Natália Fregonesi, analista de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação. “O que seriam, por exemplo, pequenos textos? Quais tipos de erros ortográficos podem ser cometidos? Isso precisa estar definido.”

Mônica Maria Fogagnolli, diretora da E.E. Major José Marcelino da Fonseca, no Parque Mandaqui, em São Paulo: 98% dos estudantes do 2º ano alfabetizados (Crédito:Gabriel Reis)

Dados alarmantes

56% dos estudantes do 2º ano não estavam alfabetizados em 2021
2,4 milhões de crianças entre 6 e 7 anos não sabem ler e escrever

Na próxima semana, Lula anunciará as diretrizes do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, programa de articulação e pactuação do MEC junto a estados e municípios. “Vamos apoiar, não só na indução técnica, mas também no aspecto financeiro e de governança, o que inclui o fortalecimento da formação e qualificação dos professores, o material didático, entre outros fatores”, explicou Santana.

Formar tanto educadores quanto crianças é incontestável para Loretana Paolieri Pancera, presidente do Centro do Professorado Paulista: “Os professores e demais profissionais precisam ser valorizados e as escolas necessitam ter estrutura”.

Vale lembrar que o PEC da Transição liberou R$ 145 bilhões, sendo que a fatia prevista para Educação é de R$ 12 bilhões. Na fase de reconstrução, há o bom exemplo do Ceará, que promoveu Santana ao Governo Federal. Lá, o município de Sobral ocupa o 1º lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, sendo exemplar pelo ensino em tempo integral.

Camilo Santana, ministro da Educação: “É triste ver um número prejudicado pela pandemia: praticamente 60% das nossas crianças não aprenderam a ler e escrever na idade certa” (Crédito:Wallace Martins/Futura Press)

Em São Paulo, a reportagem da ISTOÉ visitou outra referência: a E.E .Major José Marcelino da Fonseca, no Parque Mandaqui. A diretora Mônica Maria Fogagnolli se orgulha dos esforços da instituição. Segundo ela, “98% das crianças no 2º ano da escola estão alfabetizadas pelo trabalho intenso e de acompanhamento diário dos avanços com apoio das famílias”.

O MEC pretende realizar nova medição da alfabetização até o fim de 2023. Segundo a professora Celia Cristina Cantagalo, que instrui os pequenos do Mandaqui, ainda dá tempo para obter resultados animadores. “Vamos continuar os esforços para que a criança tenha fluência leitora, com o apoio da sala de leitura e intensificando o ‘projeto leitura’, que é prática por aqui.”