Brasil

Retrocesso na Eletrobras

A batalha aberta pelo PT contra a privatização da estatal do setor elétrico tornou-se mais uma fonte de atrito do governo com o Congresso e com os partidos da própria base aliada que não aceitam a revisão do processo de desestatização. Para eles, Lula gera insegurança jurídica

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Governo abre mais uma frente de desgaste no Congresso ao mover ação contra a desestatização da Eletrobras (Crédito: Shutterstock)

Por Gabriela Rölke

Como se já não bastassem ao governo as notórias dificuldades para consolidar uma base de apoio no Congresso, o Palácio do Planalto está enfrentado agora uma crise com as principais lideranças na Câmara, inclusive com integrantes de partidos de sua base aliada, como o União Brasil, em razão de sua insensata decisão de questionar na Justiça a privatização da Eletrobras, aprovada pelo Parlamento no ano passado.

O embate se intensificou após um dos principais ministros do governo, Rui Costa, da Casa Civil, ter dito que o governo havia recorrido à Justiça para “ajustar aquilo que tem cheiro ruim de falta de moralidade”, insinuando que houve irregularidades no processo de desestatização da empresa de distribuição de energia elétrica, o que irritou os parlamentares.

O mal-estar aumentou depois que o próprio presidente Lula disse que a venda da estatal foi uma “sacanagem” e “quase uma bandidagem”. Para mostrar inconformismo com o governo, deputados deflagraram uma ofensiva para contestar os governistas, sobretudo o ministro da Casa Civil.

Câmara contra o ministro da Casa Civil

A movimentação dos congressistas se dá por meio do deputado Mendonça Filho (União-PE), que, na terça-feira, 16, protocolou um requerimento de convocação para que o ministro compareça à Câmara com o objetivo de explicar quais são as supostas imoralidades apontadas, como forma de constranger o governo.

A retaliação dos congressistas se deu porque Rui Costa, que já não é unanimidade no parlamento, sendo inclusive acusado de não atender os pleitos dos deputados na Casa Civil, atingiu diretamente o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e o líder do União Brasil na Casa, Elmar Nascimento (BA).

É que a votação da Medida Provisória que autorizou a desestatização foi conduzida por Lira, e o relator do projeto foi Nascimento, que é adversário político de Rui Costa na Bahia.

A resposta da Câmara ao ministro da Casa Civil ocorre em meio à discussão que até então estava sendo travada no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o governo apostou suas fichas na tentativa de derrubar parte do processo de privatização.

Na ação, a Advocacia-Geral da União (AGU) tenta que a Justiça devolva ao governo o poder de gestão sobre a empresa por meio do direito a voto proporcional, já que a União segue como maior acionista, com 42% das ações. Para a AGU, os poderes do governo na empresa foram indiretamente “desapropriados”.

JUSTIÇA Lula questiona no STF alguns pontos do modelo de privatização da Eletrobras (Crédito: Ueslei Marcelino) (Crédito:Ueslei Marcelino )

“Rui Costa vai ter que se explicar”, diz Mendonça Filho. Em seu perfil no Twitter, o deputado afirmou que é “absurdo” o governo questionar o processo, que foi “aprovado no Congresso Nacional e auditado pelo Tribunal de Contas da União (TCU)”. Ainda de acordo com o parlamentar, a movimentação do Palácio do Planalto “desrespeita o Parlamento, desestabiliza a economia e gera insegurança jurídica”.

O curioso é que a reação mais forte veio de um deputado do União Brasil, legenda que ocupa nada menos do que três pastas na Esplanada dos Ministérios. São da sigla os ministros Juscelino Filho, das Comunicações; Daniela Carneiro, do Turismo; e Waldez Góes, da Integração Nacional.

O partido, que já era um problema para o governo porque entrega poucos votos, agora capitaneia o ataque ao titular da Casa Civil. Para piorar, o líder do partido, Elmar Nascimento, que também atua como uma espécie de porta-voz do Centrão, atribui a Costa o veto ao seu nome para um ministério de Lula.

As mensagens da liderança da Casa

Embora as negociações com o Congresso para a distribuição de emendas sejam conduzidas pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), é de Rui Costa a responsabilidade por autorizar o pagamento do dinheiro enviado às bases eleitorais dos deputados.

O ministro vem sendo cobrado a dar mais agilidade ao sistema para que os acordos por mais recursos do orçamento sejam cumpridos ­­— e sua convocação é um pretexto para fazer chegar a Lula o recado de que ministérios e cargos não têm sido suficientes para fidelizar uma base que garanta a aprovação de projetos de interesse do governo, como o novo arcabouço fiscal e a Reforma Tributária.

Outra mensagem que Lira e os líderes da Câmara envolvidos na aprovação da desestatização da Eletrobrás deixam clara ao governo petista é que o Congresso não aceitará recuos em temas importantes no Legislativo. “Reverter reformas aprovadas há um ano ou dois anos é um retrocesso”, lembrou Lira em recente evento do Lide realizado em Nova York.

ATRASO “Planalto desrespeita o Parlamento e gera insegurança jurídica”, diz Mendonça Filho (Michel Jesus/Câmara dos Deputados) (Crédito:Michel Jesus/Câmara dos Deputados)