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Imagem de Lula sai arranhada ao tentar interferir na Petrobras e na Vale; entenda

Ingerência política na distribuição de lucros na Petrobras fez a empresa perder R$ 55 bilhões do seu valor: Lula prefere que a distribuição dos bilionários dividendos extraordinários sejam transformados em investimentos para alavancar o desenvolvimento, mas acionistas veem risco político da interferência na estatal

Crédito: Ricardo Stuckert

Lula cobra função social da empresa, enquanto Prates tenta se equilibrar no cargo entre demandas dos acionistas e dos conselheiros da estatal (Crédito: Ricardo Stuckert)

Por Marcelo Moreira

RESUMO

• Conselho da Petrobras rejeitou distribuição de dividendos extraordinários para acionistas
• Mercado entrou em turbulência, alarmado com incertezas sobre o futuro da empresa
• Presidente da Petrobras declarou em rede social que ordem de não pagar dividendos seguiu orientação de Lula
• Lula vê Petrobras, empresa de economia mista, como instrumento de política econômica
• Valor de mercado da companhia despencou

Uma disputa política na Petrobras se revelou desgastante para o governo Lula, além de resgatar fantasmas de um passado nem tão recente, como o uso da empresa como mecanismo de política econômica. No meio da desvalorização enorme de seu valor de mercado, e do tiroteio entre as autoridades do setor, estão os acionistas, alarmados quanto ao futuro de uma das maiores estatais brasileiras.

A crise é tão perturbadora que muitos agentes do mercado chegaram até mesmo a apostar na queda do presidente da empresa, Jean Paul Prates, que acabou se segurando no cargo depois da intervenção dos ministros Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil) a seu favor.

Eles desarmaram a bomba de intenções de Alexandre Silveira (Minas e Energia), que, segundo se informa nos bastidores do Planalto, estaria interessado na demissão do executivo.

“A Petrobras não pode pensar só em lucro, nos acionistas, tem de fazer investimentos.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

A disputa política entre Silveira e Prates é apenas um dos lances de um cenário que envolve diretamente o presidente da República e sua visão particular de como gerenciar a estatal, como cansou de declarar nos palanques da campanha eleitoral de 2022.

Lula sempre se disse inconformado com o fato de a empresa, da qual o governo é sócio majoritário com 37% das ações, ser obrigada a “distribuir lucros bilionários” aos acionistas, “enquanto o Brasil precisa de investimentos para o crescimento, já que ainda tem muita gente passando fome”.

E o mandatário petista continua pensando hoje exatamente igual pensava antes. Os atuais conselheiros da empresa, nomeados por Lula, entendem que metade dos dividendos extraordinários da companhia deveriaa ser retida para investimentos.

Na quarta-feira, 13, à noite, Prates declarou numa rede social que a ordem de não pagar os dividendos seguiu orientação de Lula.

“Sem pagar os dividendos extras aos acionistas, poderia se derrubar o valor de mercado da empresa.”
Jean Paul Prates, presidente da Petrobrás

Ao contrário do que fez Jair Bolsonaro, interferindo na definição dos preços dos combustíveis para baixar a inflação artificialmente e tentar, com isso, vencer as eleições, além de Dilma Rousseff, que endividou a companhia e quase a quebrou em 2016, Lula mudou as diretrizes da estatal e passou a seguir o valor da cotação internacional do barril de petróleo para a fixação dos preços.

Isso levou a Petrobras a um lucro líquido de R$ 124,6 bilhões em 2023, contra os R$ 188,3 bilhões obtidos em 2022, no governo anterior (a alta no preço internacional do petróleo, ocorrida em função da guerra na Ucrânia, elevou o faturamento da companhia brasileira).

O problema agora, no entanto, foi a forma com que o governo agiu na distribuição dos lucros, recuperando comportamentos muito criticados por sua postura em seus dois primeiros mandatos: a interferência direta na gestão da empresa, algo que também aconteceu no governo de Dilma.

Quando o conselho da Petrobras rejeitou na quinta-feira,7, a distribuição de dividendos extraordinários para os acionistas, o mundo desabou no mercado.

As ações da empresa tiveram uma queda de 11% na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. O tombo foi de uma perda de valor de mercado estimada em R$ 55 bilhões, desagradando os acionistas minoritários e acendendo a luz vermelha.

Outros números abaixo do esperado também ajudaram a azedar o clima:
uma queda de 66% na distribuição de dividendos em 2023 na comparação com o ano anterior;
e queda de 33,8% no lucro líquido, apesar de os resultados terem sido considerados bons.

Apagar incêndio

O governo tentou agir rápido para contornar a crise e o próprio Lula chamou a Brasília na terça-feira, 11, todos os conselheiros da estatal, Prates e os principais ministros da área econômica, capitaneados por Haddad, Rui Costa e Silveira.

Coube a Haddad, o principal bombeiro do governo, tentar desatar o nó da confusão. Ao final da reunião, declarou aos jornalistas que o conselho não fechou a questão definitivamente sobre o pagamento de dividendos extraordinários, por mais que Lula continuasse a bombardear a distribuição de lucros.

Alexandre Silveira, ministro das Minas e Energia, descartou a possibilidade de demissão de Prates (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Silveira mudou o tom também depois da reunião. Ele disse que a decisão do Conselho de Administração da Petrobras, de não distribuir os dividendos extraordinários, associados ao lucro do quarto trimestre, poderá ser reavaliada, “em momento oportuno”.

Também descartou a saída de Prates da presidência da Petrobras, embora rumores de Brasília apontassem para a substituição do executivo. No mercado, difundiu-se a tese de que Lula foi induzido a erro por Silveira na questão do pagamento aos acionistas, já que os valores a serem distribuídos não poderiam ser utilizados em investimentos, por exemplo, como deseja o presidente.

O ministro de Minas e Energia ressaltou que a decisão sobre a distribuição ou não dos dividendos é “dinâmica” e reforçou que os dividendos ordinários, estabelecidos pela Lei das Sociedades Anônimas, foram distribuídos corretamente.

“O governo é controlador da Petrobras, mas trabalhamos para torná-la atrativa a investidores. Em nenhum momento, o governo perdeu a visão de dar previsibilidade aos investidores”, afirmou Silveira.

O presidente, por sua vez, sem citar a grande confusão causada na estatal, postou nas redes sociais que o encontro foi produtivo. “Boa reunião com o presidente da Petrobras Jean Paul Prates, com os ministros Fernando Haddad, Alexandre Silveira e Rui Costa e a diretoria da empresa. Conversamos sobre investimentos em fertilizantes, transição energética, enfim, no futuro do nosso país”, desconversou o presidente na rede social X, antigo Twitter.

Na foto distribuída pelo Planalto sobre o encontro, todos aparecem sorrindo como se nada tivesse acontecido.

“A questão do pagamento dos dividendos não está fechada, pode ocorrer no futuro” Fernando Haddad, ministro da Fazenda

 

Argumentos técnicos

Além dos aspectos políticos da briga entre Silveira e Prates, há também argumentos técnicos.

• O presidente da Petrobras defendia a proposta de distribuir aos acionistas 50% dos recursos que sobraram livres no caixa após o pagamento dos dividendos regulares, um valor que chegava a R$ 43,9 bilhões.

• Silveira defendia reter esse dinheiro em um fundo de reserva.

• O governo tem maioria no Conselho de Administração da empresa, com 6 dos 11 conselheiros.

• Lula arbitrou a disputa e acabou decidindo que empresa não deveria pagar dividendos extras.

• O grupo de conselheiros acredita que a retenção desse recurso preserva o fluxo de caixa da Petrobras, sem abrir mão do compromisso da companhia de pagar os dividendos futuramente.

Prates, que na assembleia dos conselheiros que decidiu por reter os recursos, se absteve de votar. Ele alertou que, se não se pagar o extra aos acionistas poderia se derrubar o valor de mercado da companhia. Sentindo-se um pouco isolado, o presidente da empresa tem buscado apoio de Haddad, que também defende o pagamento de dividendos.

Para os analistas de mercado, a sinalização do governo de que os gestores públicos podem interferir na administração da empresa e na política dos prelos de combustíveis “é uma volta ao passado, quando houve prejuízos bilionários”, como explica Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.

Ele destaca que o risco político na Petrobrás provoca uma série de desconfianças. “A disciplina de capital parece que está sendo abandonada, afetando a qualidade da gestão da Petrobras. Isso afasta investidores”, disse.

A reunião de Lula com o alto escalão do governo para tratar da crise na Petrobras começou tensa, mas acabou com todo mundo sorrindo (Crédito:Ricardo Stuckert)

Vale: um precedente perigoso

O governo foi atingido também por uma outra crise, desta vez envolvendo a gestão da Vale, empresa privada onde o governo é acionista minoritário.

Desde o ano passado, Lula vinha tentando tirar do cargo o CEO Eduardo Bartolomeo para colocar em seu lugar Guido Mantega. Os conselheiros da mineradora acabaram mantendo Bartolomeo no posto até o final do ano, quando então será eleito o novo presidente.

O mercado suspeita que seja reflexo da interferência do petista. As investidas do mandatário contra a administração da empresa também fizeram as ações da Vale despencar nas bolsas. Estima-se perdas de R$ 60 bilhões.

“A Vale não pode pensar que é maior do que o Brasil. Não pagou as desgraças que eles causaram em Brumadinho, não construiu as casas que prometeram. Criaram uma fundação para cuidar e agora a Vale fica fazendo a propaganda como se fosse a empresa que mais cuida desse país”, declarou o presidente em pronunciamento.

A repercussão negativa fez Lula recuar, mas apenas de forma estratégica, o que motivou o pedido de renúncia de um dos conselheiros da empresa.

José Luciano Duarte Penino divulgou sua carta de demissão na terça-feira, 12, e fez duras críticas. Chamou de “processo manipulado na condução da escolha de um novo CEO da Vale”, citando, ainda, a “nefasta influência política” do governo.

“Não acredito mais na honestidade de propósitos de acionistas relevantes no objetivo de elevar a governança corporativa da empresa”, disse Penido. A credibilidade do governo saiu bastante arranhada dos dois episódios.