Cultura

Pesquisador narra a história das cidades, esses “laboratórios da humanidade”

'Métropole', obra do pesquisador britânico Ben Wilson, explica como ocorreu a evolução das organizações urbanas em todo o mundo, desde a Antiguidade até os dias atuais

Crédito: William Volcov

Arranha-céus e poluição visual: poderio econômico moldou a gigante norte-americana (Crédito: William Volcov)

Por Felipe Machado

Uma parte importante da nossa história como a civilização vem das relações que estabelecemos no local onde convivemos. Desde os primeiros assentamentos na Mesopotâmia, há cerca de seis mil anos, as cidades têm funcionado como centros de operação e informação, lugares onde nos reunimos e criamos interações dinâmicas que determinam os caminhos seguidos pela sociedade.

Foi a partir dessa ideia que o pesquisador Ben Wilson, mestre pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, deu início ao projeto lierário que resultaria na sensacional Metrópole — A História das Cidades, a Maior Invenção Humana.

O autor descreve como a organização desses grupos de seres humanos moldou a história ao longo do tempo. O pesquisador observa que, antes de 1800, menos de 5% da população mundial vivia em “áreas urbanas de tamanho considerável”. A projeção dos demógrafos é que até 2050, as cidades serão o lar de dois terços da população mundial.

Segundo Wilson, as cidades são “um laboratório de humanidade”, espaços onde a história se desenrola e se acelera. Para contextualizar cada fase desse desenvolvimento, seus capítulos são dedicados a locais e épocas específicas.

Começa em Uruk, o lugar mais densamente povoado do planeta no auge de seu esplendor, há cinco mil anos. Uma população entre 50 e 80 mil habitantes se espalhava por oito quilômetros quadrados. O local era guardado por muros e tinha um sistema de esgoto feito com tubos de argila. O labirinto de ruas estreitas, com pequenas casas sem janelas, tinha um objetivo: criar um ambiente para que a sombra e a brisa tornassem mais aceitável a intensidade do sol mesopotâmico.

De lá Wilson viaja para a Bagdá medieval, que evoca a convergência de tradições culinárias que sempre foi marca registrada das grandes aglomerações.

O autor passeia então pelas ágoras democráticas de Atenas, pela arquitetura ambiciosa da imperial Roma, pela sociabilidade inteligente de Londres.

Êxodo urbano

Chegando ao século 19, ele não poupa os problemas que começam a infestar a belíssima capital francesa. Enquanto Paris encantava o mundo com monumentos deslumbrantes e artistas revolucionários, provocava a ira dos turistas que visitavam a cidade com noções românticas, mas se espantavam diante da sujeira, superpopulação e grosseria local.

Wilson mergulha então na Nova York do início do século XX, ressaltando a corrida para construir “arranha-céus maiores, melhores e mais lucrativos”, mostrando como poder financeiro influenciou no conceito urbano.

Ainda nos EUA, o retrato do pós-Segunda Guerra de Los Angeles mostra como o êxodo para os subúrbios contribuiu para espalhar as moradias por um amplo terreno dominado por carros e avenidas.

Tudo isso até culminar em Lagos, na Nigéria, a problemática megacidade que representa o século 21.

Os polos urbanos, portanto, não são apenas centros de poder e riqueza, mas áreas dinâmicas que impactam as sociedades enquanto são modificadas por elas. É isso que faz de Metrópole um relato fascinante: é um passeio por locais que nos ajudam a compreender melhor por que nos organizamos assim.

Centro de São Paulo na década de 1920: escritores incensados (Crédito:Divulgação )

São Paulo, anos 1920

Nos primeiros dias de 1919, São Paulo vivia um clima de excitação. O ano novo anunciava o fim dos três “gês” que atormentavam os paulistanos.

• O primeiro era a gripe (espanhola), que “chegava quieta e enlutava tudo, tirando o sentido de orientação para qualquer defesa”, na definição de Oswald de Andrade.

O segundo era a geada, que causou perdas nos cafezais.

E o terceiro era um alerta sobre os gafanhotos, cujas “nuvens invasoras” atacaram as lavouras. É nesse contexto que Nicolau Sevcenko apresenta o cenário para a chegada da década de 20 em Orfeu Extático na Metrópole – São Paulo, Sociedade e Cultura nos Frementes Anos 20. A obra narra o nascimento da maior cidade brasileira a partir de uma sofisticada análise sociológica de sua população. Havia, segundo o autor, um “curioso modernismo parisiense, que desprezava a velha Europa moribunda e amava a pujança da América”. Nascia ali a metrópole que combinava a poesia de seus escritores, tão incensados, à prosa cotidiana narrada a partir de uma imprensa cada vez mais presente e valorizada.