257 tiros podem ser legítima defesa?

Por Antonio Carlos Prado

O Superior Tribunal Militar (STM) perdeu a chance de alterar o conceito que brasileiros democráticos têm sobre ele, considerando-o corporativista, parcial e historicamente anacrônico. Chance jogada fora, mantida fica a pecha. Eis os fatos. Em abril de 2019 o músico Evaldo Rosa dos Santos ia com a família em seu carro a um chá de bebê. Passou por um comando do Exército que procurava um carro branco roubado. Branco era o carro de Evaldo. Os militares dispararam contra ele 257 tiros. O inocente Evaldo morreu na hora, o inocente catador de reciclável Luciano Macedo, que tentou ajudá-lo, morreu dias depois. Agora, o STM julga recurso a favor de oito militares condenados em primeira instância a penas em torno de trinta anos de prisão — todos estão em liberdade. Pleiteia-se no STM três anos de punição em regime aberto. Dois ministros votaram pela absolvição – um deles argumentou que os militares agiram em legítima defesa pois ainda trocavam tiros com o ladrão do outro carro branco. O julgamento foi interrompido com pedido de vista de uma ministra da Corte. O Brasil vive hoje no Estado Democrático de Direito. É hora de mudar a legislação: casos como esse devem ser julgados pela Justiça Civil.

FRANÇA
Primeiro país a garantir o aborto na Constituição

A França, sempre a França, a cuidar com pioneirismo das liberdades individuais, do direito à privacidade e das garantias fundamentais de suas cidadãs e seus cidadãos. Desde o início da semana passada, é ela, a França, o primeiro país do planeta a incluir na Constituição a liberdade da mulher de abortar. Em sessão conjunta das Casas Legislativas, a Assembleia Nacional e o Senado aprovaram a iniciativa de cobrir o aborto com a proteção do texto constitucional. Segundo o jornal Le Monde, “uma explosão de alegria saudou o anúncio em frente à Torre Eiffel” – nela foi projetada a frase “meu corpo, minhas regras”. A vitória da proposta de tornar o direito ao aborto parte do texto constitucional, na votação legislativa, foi acachapante: setecentos e oitenta votos favoráveis, ante setenta e dois contrários. Em diversos pontos de Paris foram instalados telões e alto falantes para que a população pudesse acompanhar os trabalhos parlamentares. Às 18h49 (horário francês) as luzes da Torre brilharam. Dos alto falantes começou a sair, na voz de Beyoncé, Run the World (Girls). Na semana que terminaria com as comemorações do Dia Internacional da Mulher, a população francesa tinha plena consciência de que o país estava entrando para a história – mais uma vez. Em diversas nações europeias o aborto foi descriminalizado. Mas o direito pleno da mulher a ele jamais constou de uma constituição.

BRASIL
Instituto Moreira Salles salva o acervo de Elton Medeiros

Um País é feito de pessoas – portanto, a memória cultural de um País depende do quanto essas pessoas têm de saudáveis neurônios. No Brasil, no campo da preservação da historiografia da música nascida nas comunidades, os neurônios acesos são raros. Prova disso é que, vergonhosamente, foi encontrado no lixo considerável parte do acervo de um dos melhores compositores que o Brasil já teve, falecido em 2019. Trata-se de documentos que se referem não somente à sua obra, o que já seria um crime estar em monturos, mas também de registros referentes à história do Rio de Janeiro, sobretudo a partir dos anos 1930. Fala-se, aqui, de Elton Medeiros, parceiro, dentre outros, de Carola, Candeia, Nelson Cavaquinho e Monarco. A sua música (com Cartola) O sol nascerá tornou-se um hino: “A sorrir eu pretendo levar a vida/ pois chorando eu vi a mocidade perdida/ fim da tempestade/ o Sol nascerá/ fim dessa saudade/ hei de ter outro alguém para amar”. Felizmente, há vida inteligente no País: atende pelo nome de Instituto Moreira Salles, que já anunciou o armazenamento e catalogação do material localizado em lixeira.