Arrecadação recorde faz governo abrir pacote de bondades
Recolhimento de impostos em janeiro tem alta histórica, o que destrava impasses na agenda governista no Congresso. Mas a meta de déficit zero, pilar da política econômica de Fernando Haddad, ainda é dúvida

Fernando Haddad foi elogiado pela condução política das questões econômicas sensíveis que envolviam o Congresso Nacional (Crédito: Ueslei Marcelino )
Por Marcelo Moreira
RESUMO
• Tributação dos chamados super-ricos e aumento da massa salarial elevaram, a arrecadação de janeiro a recorde histórico
• As contas do governo federal ficaram no azul no primeiro mês do ano
• Folga no caixa permitiu ao governo alívio nas contas e a esperar diminuir a tensão no Congresso
• Retomada da liberação de recursos para emendas vai fazer Fazenda e Planejamento correr atrás de dinheiro
Uma sensação de alívio é a explicação para a profusão de sorrisos entre ministros do governo e os principais líderes do Congresso no mês de fevereiro, período que prenunciava ser particularmente difícil por conta dos embates a respeito de política fiscal, reoneração de folha de pagamento de 17 setores e distribuição de verbas com origem em emendas parlamentares. A mudança de humor influenciou até a caneta presidencial, que assinou medidas que eram vistas como riscos ao equilíbrio das contas do governo.
Há quem exagere e enxergue uma paz um pouco mais duradoura na Esplanada dos Ministérios.
A primeira boa notícia veio da Receita Federal: foi a expansão da arrecadação federal de impostos, que atingiu a marca histórica de R$ 280 bilhões em janeiro, registrando um crescimento real de 6,6% em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Em termos nominais, o salto foi de pouco mais de 11%. Esse resultado representa não apenas o melhor desempenho para um mês de janeiro, mas também o melhor desempenho em toda a série histórica desde 1995.
Esse aumento foi impulsionado pela tributação dos chamados super-ricos e pelo aumento da massa salarial, segundo o Ministério da Fazenda. A tributação dos fundos exclusivos, que alcançou o montante de R$ 4,1 bilhões em janeiro, foi uma das principais contribuições para esse resultado.

Há outras boas notícias. As contas do governo federal ficaram no azul no mês passado. Dados do Ministério da Fazenda divulgados na última quinta-feira mostram que houve um superávit (receitas maiores que despesas) de R$ 79,3 bilhões em janeiro.
O dado é o terceiro melhor da série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 1997, já descontada a inflação. Só perde para os dados de 2022 e 2023.
No ano passado, foi um superávit de R$ 84,9 bilhões. O superávit só foi possível graças ao Tesouro, que contribuiu para o resultado com R$ 96,1 bilhões. O Banco Central e a Previdência tiveram, respectivamente, déficits de R$ 145 milhões e R$ 16,7 bilhões.
Haddad e o G20
Fernando Haddad tem o que comemorar, já que está por trás da taxação dos super-ricos. Essa medida, aprovada pelo Congresso no ano passado, é uma das estratégias do governo para aumentar a arrecadação e eliminar o déficit em 2024.
Também faz parte da marca que o governo Lula quer impor no cenário internacional. No encontro de ministros da Economia e autoridades monetárias do G20 em São Paulo, também na quinta-feira, Haddad ganhou destaque defendendo a tributação global sobre a riqueza, também taxando os super-ricos.
No plano doméstico, a iniciativa já deu resultados. A folga no caixa e as perspectiva de manutenção da arrecadação em bons níveis permitiram ao governo federal um alívio nas contas e a possibilidade de diminuir a tensão no Congresso.
Lá, as duas maiores crises — o veto presidencial à liberação de R$ 5,6 bilhões de emendas parlamentares e a resistência de Lula a aceitar a prorrogação da desoneração da folha de pagamento para os 17 setores que mais empregam — foram aparentemente dirimidas e não se fala mais em guerra entre Executivo e Legislativo.
Entre os governistas o clima é de otimismo, mas sem direito a comemoração.
Para distensionar as disputas com a cúpula do Congresso, Lula assinou a revogação parcial da Medida Provisória que acabava com a desoneração da folha.
A decisão foi vista como um importante recuo para atender a um acordo político com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), pressionado pelos senadores por causa das decisões da Casa ignoradas pelo Planalto que garantiam a desoneração.
A avaliação é de que, com um panorama diferente em relação á arrecadação, é possível equacionar as metas fiscais.

É esse o panorama que explica, por exemplo, a mudança de postura do Planalto em relação à isenção fiscal para igreja e templos, foco de tensão com as bancadas evangélicas.
Bandeira história do PT e de outros paridos de esquerda, a taxação de atividades religiosas era o ponto que mais afastava o setor do governo Lula — mais até do que as pautas de costumes.
Com o aval do Planalto, uma PEC que amplia o nível de isenção fiscal de igrejas e templos avançou em uma Comissão Especial da Câmara.
No plenário, não deverá encontrar resistências. Também entre os governistas, a avaliação é de que os ganhos políticos poderão compensar uma eventual arrecadação de impostos menor em R$ 1 bilhão com a aprovação da medida.
O relator da PEC, Fernando Máximo (União), minimiza a perda de arrecadação. “Os benefícios que as igrejas trazem para a sociedade são incomparáveis.”
Lula também agiu para desarmar os espíritos com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). O líder do Centrão comemorou a retomada do cronograma de liberação de verbas parlamentares.
As emendas devem ser pagas até 30 de junho no valor de R$ 14,5 bilhões para as áreas da Saúde e da Assistência Social. Mas o pacote de bondades oficial não esconde as dificuldades à frente do governo. As áreas da Fazenda e do Planejamento terão que trabalhar mais para conseguir uma espécie de recomposição das receitas, por mais que o aumento da arrecadação em janeiro tenha sido uma grande notícia — e tenha acenado com boas perspectivas para o ano.