Brasil

Emendas, as chaves mágicas que destravam o cofre do governo

Após graves derrotas na Câmara, o governo acelera a liberação da verba a ser destinada às bases eleitorais dos parlamentares. Colheu resultado positivo ao conseguir aprovar urgência para o projeto do arcabouço fiscal. Mas não terá vida fácil: o insaciável Centrão quer comandar o Orçamento

Crédito:  Gabriela Biló

Arthur Lira: sempre que pode, o presidente da Câmara lembra que o Palácio do Planalto falha na articulação política e não tem base sólida no Congresso (Crédito: Gabriela Biló)

No afã de acalmar o Congresso, que lhe vinha sendo hostil desde o início do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu acelerar a liberação de emendas parlamentares para deputados e senadores — e já começa a colher os resultados dessa movimentação.

Conseguiu aprovar na quarta-feira 17 a urgência para a tramitação, na Câmara, do projeto que cria o novo arcabouço fiscal, que, ao lado da reforma tributária, é prioritário para o governo na área econômica. O requerimento de urgência passou com 367 votos, o que só foi possível porque o Centrão votou alinhado com o Palácio do Planalto.

Coincidência ou não, o fato é que o apoio de parlamentares do grupo veio logo depois do empenho, apenas neste mês, de uma bolada de R$ 1,3 bilhão. Foram R$ 700 milhões numa única data, em 9 de maio.

O empenho de uma emenda significa que seu valor está reservado dentro do Orçamento — é, portanto, a garantia de que o dinheiro será enviado à base eleitoral do parlamentar, por meio de ações dos ministérios.

Além disso, o governo também resolveu pagar um valor estimado em R$ 10 bilhões em emendas do orçamento secreto que haviam sido negociadas pelo antecessor, Jair Bolsonaro (PL). São as tais emendas do relator, principal moeda de troca do governo passado. O montante será liberado pelas pastas da Integração Nacional e das Cidades.

Marco fiscal pode custar mais R$ 1 bi ao governo em emendas

O próprio Lula afirmou que passaria a apostar nas articulações no varejo com os partidos — ou seja, caso a caso — sempre que estiverem em jogo votações de interesse do governo. Como o próximo passo em relação ao projeto do novo marco fiscal é submetê-lo ao plenário da Câmara, o Planalto já se mobiliza para liberar mais R$ 1 bilhão em emendas, que devem contemplar especialmente os aliados políticos do presidente e parlamentares que se dispuserem a votar a favor dos projetos do Executivo.

Antes da recente vitória no Congresso, com a aprovação da urgência para o projeto do novo marco fiscal, o Planalto sofrera duas graves derrotas na Câmara: a tentativa fracassada de votar o projeto da Lei das Fake News e a derrubada de mudanças feitas pelo governo no Marco Legal do Saneamento.

Os episódios acenderam o sinal de alerta que fez com que o governo se apressasse a destravar a verba para emendas. Até o momento, foram liberados R$ 1,4 bilhão, menos da metade dos R$ 3,5 bilhões do primeiro quadrimestre de 2022. “Vitória do governo, vitória do Brasil”, comemorou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), logo após o triunfo do governo.

Até então, o Planalto vinha sendo criticado por dificuldades na articulação política, inclusive por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.

Responsável pelas negociações com o Congresso, Padilha nega que o governo esteja acelerando a liberação das emendas. “O ritmo do empenho está seguindo absolutamente o que estabelece a Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovado pelo Congresso em 2022”, tuitou ele.

Alexandre Padilha: responsável pelas negociações com o Congresso, o ministro das Relações Institucionais garante que a liberação das emendas segue ritmo normal (Crédito:Ton Molina)

Centrão está cheio de apetite, mas segue insatisfeito

A simples abertura do cofre, no entanto, não é garantia de tranquilidade para o governo. Isso porque, com as emendas do relator implementadas quando o inquilino do Planalto era Bolsonaro, o Centrão ficou mal-acostumado com o mecanismo, que Lula definiu durante a campanha eleitoral como o “maior esquema de corrupção da história”.

O modelo, que também ficou conhecido como “orçamento secreto” e “bolsolão”, pecava na transparência e dispensava critérios técnicos para a aplicação dos recursos. Na prática, terceirizou para o Centrão a administração das emendas.

Acabou derrubado pelo Supremo Tribunal Federal no final do ano passado, mas a decisão da Corte não diminuiu o apetite dessa ala fisiológica do parlamento, que se articula para reaver a chave do caixa.

Além de impor dificuldades nas votações de interesse do governo, o grupo que dominou o Orçamento nos últimos três anos aposta no uso de CPIs para pressionar o Planalto. Enquanto não encontrar uma alternativa de distribuição do poder que possa satisfazer o Centrão, o Palácio do Planalto deve seguir acuado.