“O meio ambiente toma mais tempo do que minha carreira artística”, diz ator Sergio Marone
Por Luiz Cesar Pimentel
Sergio Marone teve projeção nacional ao atuar em novelas como O Clone, Malhação e Os Dez Mandamentos. Desde 2021, quando participou do longa Jesus Kid, ele aparece nas telas esporadicamente em seu canal no YouTube. Só que diz que nunca trabalhou tanto na vida, pois foi na mesma época em que sua carreira artística ganhou o meio ambiente como concorrente de peso igual. Marone passou, além de atuar na defesa da natureza, a empresário do setor, quando lançou a marca de cosméticos totalmente sustentável Tukano. De um hub de escritórios afins com a missão ambiental, em prédio que só aceita negócios que atendam condições ESG (dentro de parâmetros Ambiental, Social e de Governança), próximo à Avenida Paulista, um dos símbolos urbanísticos paulistanos e nacionais, ele falou à Istoé sobre a “causa de vida”, em sua própria definição.
Você possui duas carreiras: como ator e como ativista e empreendedor ambiental. Como aconteceu essa abertura profissional?
Nunca me vi fazendo outra coisa além de ser artista. Gosto muito, acho que é meu dom e onde me sinto confortável. Tanto na TV quanto no teatro e até no cinema. Mas sinto necessidade de ter uma certa independência de poder criar oportunidades para não ficar dependendo só de convites e o empreendedorismo vem daí. Sempre tive conexão muito forte com a natureza, é uma fonte de renovação e de energia espiritual. Nada é mais sagrado do que isso.
Qual foi o momento que houve essa virada e sua estrada bifurcou?
Em 2011, criei o Movimento Gota d’água, contra usina hidrelétrica que estava sendo planejada no meio do Rio Xingu, na Amazônia. Um berço de biodiversidade e uma usina são incompatíveis. Era chocante o que estava acontecendo em Altamira (PA), ali perto, onde muita gente chegava para trabalhar na obra, crianças sendo prostituídas. Conseguimos um milhão de assinaturas contra a usina em uma semana, porque fiz um vídeo com 18 colegas de trabalho – Maitê Proença, Juliana Paes, Paulo Gustavo, Ary Fontoura. Um mês depois, eu estava no Palácio do Planalto para entregar um milhão e meio de assinaturas para três ministros. O movimento virou minha vida de cabeça pra baixo porque conseguiu colocar em pauta a discussão da produção de energia.
Passados 13 anos, como você vê a evolução no País sobre o tema ambiental?
Não consigo fazer essa medição porque virou causa de vida. Claro que amo minha carreira artística e nunca vou deixar de lado, mas vivemos em um país bastante complicado em termos de cultura e mercado. Tenho direcionado a minha carreira mais para comunicador, também estou desenvolvendo projetos autorais, buscando bancar esses projetos e vendê-los.
Como surgiu o seu lado empresário na história?
Foi com objetivo de realizar na prática a transformação social que eu sonho. Começou com fraldas. Até o desfralde, uma criança usa cinco mil fraldas descartáveis. Pensa o que representa isso. Ela está poluindo o futuro dela. Ao mesmo tempo, com 24 fraldas reutilizáveis você consegue criar um bebê e ainda poderão ser doadas, sem que vire lixo. Esse tipo de desafio sempre me fascinou, então resolvi criar uma marca para isso. Com todo desafio de empreender no Brasil tivemos que reformatar a proposta original, sem que perdesse o propósito. Virou empresa de cosméticos éticos, conscientes e o mais sustentáveis possível, pois infelizmente não dá para ser 100% — é difícil que seja 60%; imagina 100%. Hoje a empresa toma mais tempo da minha vida do que minha carreira artística.
É possível ser 100% sustentável na vida?
Não sei se é possível, mas é uma busca, um exercício. Eu já me peguei jogando plástico sujo no lixo reciclável, por exemplo, e isso não é sustentável. O importante é que as pessoas tenham a consciência de que é um exercício não para salvar o planeta mas para salvarmos a nós mesmos. Se você não está nem aí para a natureza, faça pelo seu filho ou filha, porque, do contrário, o futuro será assustador.
Você falou que ativismo e empreendimento ambiental tomam mais tempo do que a arte na sua vida. Qual é mais difícil?
Empreender é o papel mais difícil que já vivi em toda a minha vida. Nós vivemos em um país em que as pessoas não estão preocupadas com a embalagem do produto que compram. A gente precisa criar toda uma conscientização de público, governo. Eu pago cinco vezes mais do que se usasse embalagem de plástico, porque não existe incentivo ou benefício para uma economia mais verde, mais responsável.
Em alguns setores, como de energia solar, existem benefícios. O que falta é incentivo maior para toda cadeia. Concorda?
O mercado em que atuamos, da beleza, por exemplo, existe pouco olhar, pois beleza é muito concorrido. Mesmo a questão solar no Brasil também demorou muito para acontecer. Se você for olhar para a Alemanha, por exemplo, ao sobrevoar o país é incomparável o que tem de telhados com instalações de energia solar, sendo que o Brasil tem muito mais sol. Eles estão muito mais avançados. também não funciona só reclamar. Que bom que agora isso vem acontecendo no Brasil, de você poder absorver energia e fornecer o excesso até para benefício econômico.
Quando você teve essa virada de vida, influenciou também como artista, na escolha de papéis ou na criação?
Claro, em tudo o que é autoral, principalmente. Este ano pretendo fazer um documentário, um programa de viagens documentando pessoas pelo mundo que estão fazendo diferença. Tenho outro que é um programa de entretenimento com a sustentabilidade como pano de fundo, em que participantes e público entendam que podem aproveitar 100% dos alimentos. No meu canal no YouTube busco sempre personagens legais também. Entrevistei uma mulher no Morro da Providência, no Rio, que faz estrogonofe de casca de melancia, por exemplo. São exemplos que me inspiram.
Seu mais recente trabalho, no filme Jesus Kid, não tem exatamente a ver com sua abordagem da natureza.
Fiz esse filme porque queria fazer uma coisa diferente e que acho que ninguém jamais me chamaria pra fazer, que é um cowboy. As pessoas me botam muito na prateleira do galã, e no filme consegui me colocar como um homem mais rústico. Também porque gosto muito dos textos do (escritor) Lourenço Mutarelli, em que a obra é baseada. Ficou interessante, é uma comédia bem diferente do que a gente vê no cinema nacional. Mas não sei se aceitaria fazer um papel totalmente contrário aos meus princípios. Se for dentro de uma história interessante, que levante a questão de uma forma importante, sim. Até porque eu gosto de fazer um vilão. Mas se for vazio, se não for interessante, por que fazer?
O quanto você leva da conexão com a natureza para seu estilo de vida?
Gosto muito desse estilo de vida, mas sou uma pessoa mais urbana, gosto de cidade, de gente e não sei se saberia viver na beira de um rio pra sempre. Mas poder passar dez dias, acho o máximo. O verdadeiro luxo é você viver em paz nesse ambiente natural e paradisíaco, mas ainda não estou preparado pra isso.
Você acredita que seu posicionamento e sua atitude fazem diferença na questão ambiental? Principalmente por ter projeção pública grande e até algumas atitudes inusitadas, como se declarar ecossexual.
Sem dúvida, pois não existe pequena diferença. A questão do ecossexual foi de caso pensado. Vi esse termo (ecossexual, que só se interessa afetivamente por quem compartilha valores ecológicos), falei em uma entrevista e ficou entre os mais buscados do Google durante uma semana. Precisamos furar a bolha, por isso nós temos que abordar seja por meio do humor, seja deixando a causa sexy, no bom sentido, que é o que tento fazer. Falar sobre ecossexualidade é uma maneira de chegar a mais pessoas, se comunicar com todo mundo ao deixar uma sensação curiosa sobre a sexualidade. E é para valer. Porque não tenho tesão em pessoa que não se preocupa com o básico. Você não recicla, pô, e isso é o básico. É claro que estou levando em tom de brincadeira, mas é um pouco isso mesmo, porque na minha visão uma pessoa que não tem essa consciência mínima, de ser responsável pelo resíduo que produz, é uma pessoa absolutamente desinteressante.
Como participante ativo das discussões como você enxerga nosso futuro?
A gente vai ter problema em relação a água, vai ter problema na questão de alimentos, porque não vai chover da forma como tem que acontecer e está tudo interligado. Enquanto não tivermos a consciência, a compreensão de que precisamos nos salvar, não conseguiremos fazer a transição da forma como ela tem que acontecer, porque temos que ser muito mais rápidos e intensos do que atualmente. O que enxergo é o futuro que estamos cavando para nós mesmos, sabe?
Quais são os outros problemas que você enxerga no País?
Concorro com empresas que existem há 100 anos e que investem milhões em marketing e pouquíssimo na sustentabilidade. Em grande parte das vezes, é lançada coleção de produtos do tipo, para dizer que a empresa é consciente, mas é muito mais um green washing (lavagem verde, quando a prática serve para omitir informações sobre os impactos ambientais das atividades da empresa). Nessa, faturam milhões e continuam fazendo a roda girar como há 100 anos, com leque de meia dúzia de produtos “sustentáveis”. Já para o meu negócio acontecer é muito difícil, porque tento ter o processo o mais ético possível. Agora, por exemplo, estou trazendo da Amazônia óleo de babaçu, só que respeitando as comunidades locais e meios de produção. Era um sonho fazer isso, mas a questão da logística é muito complicada, tanto que é o primeiro que conseguimos. Tudo tem custos, e na ponta final o produto terá que custar o mesmo que de uma empresa que fabrica sem qualquer preocupação.
Você resolveu empreender em causa do meio ambiente justamente durante o governo de Jair Bolsonaro, que foi o maior inimigo desse valor. Isso trouxe incentivo pessoal?
Diante do cenário devastador desse governo anterior, nem pensei nisso. Junto a todo descaso ambiental da época, existe a questão econômica brasileira que é um desafio ainda maior. Difícil é conseguir conscientização sobre o assunto em uma pessoa, que representa a grande maioria da população brasileira, muito mais preocupada em chegar ao final do mês com saldo positivo no banco do que com o tecido, do que com o desodorante que vem embalado em plástico. Entende? Como é que você envolve essas pessoas na causa? Essa é a grande questão.