Comportamento

Segurança cibernética: por que o Brasil precisa dos ‘Hackers do Bem’

Setor da tecnologia voltado para a cibersegurança e proteção de dados explode, mas o Brasil ainda carece de especialistas. Governo federal lança programa para reverter déficit atual estimado em cerca de 330 mil profissionais

Crédito: Andre Lessa/Istoe

Rafael Franco, especialista em segurança cibernética: "Todo hacker é do bem, criminosos são denominados crackers" (Crédito: Andre Lessa/Istoe)

Por Elba Kriss

Basta olhar ao redor para ver como a tecnologia está totalmente incorporada a nossa rotina. Embora em diferentes níveis, é possível dizer que todos os setores econômicos dependem de profissionais com conhecimento nessa área. Isso movimenta a economia e cria inúmeras vagas de emprego, mas também faz crescer as ameaças. Com tantas transações realizadas online, a segurança digital tornou-se uma área essencial para a sociedade. A realidade, porém, é que o Brasil carece de especialistas.

A depender da função, a insuficiência é ainda maior. Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o déficit de mão de obra qualificada em cibersegurança e privacidade é de quase 330 mil profissionais.

Há enorme demanda por peritos que identifiquem vulnerabilidades e falhas em sistemas de dados. Essa busca é crescente, uma vez que as tecnologias estão em constante evolução — e a atividade criminal também.

“Isso exige cada vez mais gente preparada para operar as ferramentas de defesa que inibem os ataques dos hackers do mal,”, diz Rubens Souza, coordenador de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Transformação Digital do MCTI.

O especialista em segurança cibernética Rafael Franco, de 41 anos, confirma que há escassez no ramo. “Existe um déficit de mão de obra em todas as áreas relacionadas à tecnologia da informação, e não é diferente no caso da cibersegurança e da privacidade. Nesses pontos pode ser inclusive ainda mais intenso, tendo em vista que as iniciativas educacionais normalmente são direcionadas para hardware e software. Aliás, todo hacker é do bem, criminosos são denominados crackers”, diz o CEO da Alphacode, empresa de projetos mobile.

Para reverter esse cenário, o MCTI anunciou o programa Hackers do Bem, que terá R$ 32,6 milhões em investimentos voltados para a habilitação de especialistas em cibersegurança e privacidade. Em parceria com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, a meta é formar 30 mil pessoas até 2025 em diferentes níveis: básico, avançado, especializado e residência em laboratórios.

Programa de formação de jovens em Recife: dois mil novos diplomados até 2024 (Crédito:Bernardo Dantas)

O projeto conta com a aprovação da classe, e o governo tem dois exemplos de sucesso para se espelhar. Localizado no Recife, o Porto Digital é um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do Brasil.

Com mais de 350 empresas em sua aba, o centro faturou R$ 3,67 bilhões em 2021 e registrou aumento de 29,08%, em 2022, com R$ 4,75 bilhões. Cientes da importância do estímulo e capacitação em tecnologia no geral, o local lançou o Embarque Digital. A ação em parceria com a prefeitura do Recife oferece cursos de graduação para ex-alunos de escolas públicas municipais da capital pernambucana.

“Essa formação superior tem uma oficina dentro do Porto. O nível de empregabilidade aqui é alto. Na metade do curso, 42% já estão empregados”, diz Pierre Lucena, presidente do parque.

A primeira turma se forma em 2023, com 200 alunos. Até o final do programa, em dezembro de 2024, dois mil novos talentos chegarão ao mercado: “Existe carência em todo o setor, mas a cibersegurança exige maior complexidade. Montamos um núcleo voltado para isso”.

Maior parque tecnológico urbano e aberto do Brasil: referência mundial (Crédito:Divulgação)

Outro polo de crescimento é Florianópolis (SC), graças aos incentivos fiscais que tornam o ambiente agradável ao empreendedor. Segundo a Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), a região deve ultrapassar a marca de 100 mil postos de trabalhos ativos até 2025. Apenas na capital do estado, a previsão é de 18,1 mil.

“A área da tecnologia, hoje, envolve profissionais diversos. Existe uma transversalidade nas contratações. É um setor que cresce não apenas em Santa Catarina, mas no Brasil e em todo o mundo”, diz Moacir Marafon, vice-presidente de Talentos da Acate. O estado é hoje o sexto maior polo em Tecnologia da Informação e Comunicação do País, com mais de 21 mil empresas: “Só em 2022, faturou R$ 23,8 bilhões, o que representa mais de 6% do PIB catarinense. Hoje, emprega 76,6 mil pessoas”.

Marafon, porém, garante que ninguém faz nada sozinho: “Muitas variáveis contribuem para esse resultado. Destaco os excelentes centros de formação, a colaboração entre o governo do Estado e prefeituras, além da atuação da Acate e outras entidades que fazem a conexão entre as empresas e todos esses atores”.

Em relação ao programa Hackers do Bem, do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, há o consenso de que qualquer investimento na preparação de experts é bem-vindo. “O Brasil precisa de um grande programa nacional de formação de capital humano em tecnologia. É importante que tenhamos um olhar voltado para isso. De certa forma, a atual gestão está preocupada com isso, o que não tínhamos durante o governo Bolsonaro”, finaliza Lucena.