Comportamento

Medicina alternativa: conheça as principais terapias bancadas pelo SUS

Sistema público de saúde oferece 29 práticas complementares à população, como meditação, ioga e cromoterapia, mas tratamentos não são tão inofensivos quanto parecem e não podem substituir convencionais

Crédito: Rogério Albuquerque

Janete Melendez diz ter curado o filho com práticas energéticas, como a cromoterapia e imposição de mãos, que aplica no espaço que abriu em Cotia (SP), onde realiza atendimentos (Crédito: Rogério Albuquerque)

Por Luiz Cesar Pimentel

“A medicina tradicional chinesa retrata simbolicamente as leis da natureza e valoriza a inter-relação harmônica entre as partes visando a integridade. Tem como fundamento a teoria do yin-yang, divisão do mundo em duas forças ou princípios fundamentais, interpretando todos os fenômenos em opostos complementares. Também inclui a teoria dos cinco movimentos, que atribui a todos os fenômenos, na natureza e no corpo, uma das cinco energias (madeira, fogo, terra, metal e água).” O trecho parece ter sido extraído de folder de consultório de tratamento alternativo, mas na verdade foi produzido pelo Ministério da Saúde, no documento que define as 29 práticas terapêuticas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).

As técnicas oferecidas à população contemplam:
• ioga,
• meditação,
• homeopatia,
• acupuntura,
• constelação familiar,
• hipnoterapia,
• dança circular,
• e crenoterapia (usa água como agente).

Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) foi o nome adotado para o que popularmente se conhece como “terapias alternativas”, as técnicas que não são enquadradas na medicina convencional. Elas são mais caracterizadas por atestados de sucesso empíricos do que por comprovação científica de efetividade.

Mesmo assim, desde o final dos anos 1970, foram incorporadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como Práticas de Medicinas Tradicionais. Começaram a ser institucionalizadas em 2006 pelo SUS como abordagens terapêuticas, pois “não substituem o tratamento tradicional, já que são complementares no tratamento e indicadas por profissionais específicos, conforme a necessidade de cada caso”, segundo o ministério.

Edna de Miranda utiliza técnicas complementares, como o martelo da prática japonesa New Seitai, dentro da própria terapia complementar de massagem (Crédito:Rogério Albuquerque)

Pela característica complementar, as práticas acabam naturalmente com encaixe grande nas questões de saúde mental, já que ambas atuam na base da integralidade, com objetivo de agirem tanto no problema localizado como em seus efeitos no restante do organismo.

No caso brasileiro, ainda mais, dada a consideração da Organização Pan-Americana da Saúde de que em países como o nosso a taxa de pessoas com transtornos mentais, como ansiedade e depressão, que não recebem tratamento adequado, gira entre 76% e 85%.

Procura por Práticas Integrativas e Complementares dobrou nos recentes anos, mas possuem contraindicação

“As terapias podem contribuir de maneira contundente tanto no tratamento quanto na prevenção de inúmeras doenças. Nós lideramos os rankings de ansiedade e depressão, condições que podem levar a inúmeras outras doenças. Diante desse contexto, torna-se incontestável a necessidade de que tais práticas sejam oferecidas pelo SUS. A sua utilização, em conjunto com os tratamentos médicos tradicionais, pode apresentar resultados bastante eficazes para a saúde e o bem-estar da população”, defende Cintia Oliveira, especialista em neurociências e comportamento, e autora de O Papel da Inteligência Espiritual na Saúde Mental.

Proliferação

Dessa forma, a demanda terapêutica cresceu significativamente durante a pandemia. No mais recente monitoramento de procura pelos tratamentos, o número de consultas realizadas cresceu 85% entre 2019 e 2022 — passou de 250 mil atendimentos realizados para 465 mil.

Em 2020, segundo a pesquisa PICCovid — Uso de Práticas Integrativas e Complementares no Contexto da Covid-19, desenvolvida pela Oswaldo Cruz (Fiocruz), 6 em cada 10 brasileiros recorreram a algum dos procedimentos oferecidos pelo SUS.

As práticas integrativas mais utilizadas no primeiro ano de confinamento foram:
plantas medicinais e fitoterapia (28%),
• meditação (28%),
• reiki (21,6%),
• aromaterapia (16,4%),
• homeopatia (14,5%),
• terapia de florais (14%),
• ioga (13%),
• apiterapia (11%),
• imposição de mãos (10%),
• e acupuntura (7,8%).

Foi por um problema familiar que a psicóloga Janete Melendez abriu, em 2016, clínica que realiza atualmente entre 5.000 e 8.000 consultas e tratamentos incluídos entre as modalidades ofertadas pelo SUS. Ela não teve resultado positivo com a medicina convencional para os problemas respiratórios e alérgicos que o filho, na primeira infância, apresentava.

Iniciou tratamento com homeopatia, adicionou práticas dentro do universo enérgético, como imposição de mãos, e diz ter alcançado a melhora absoluta.

Naquele ano, 2006, abriu um centro espírita — Casa dos Irmãos Samaritanos (Cisa) —, que uma década depois cresceu do viés espiritual para o científico com a abertura da clínica De Corpo e Alma, em chácara em Cotia, na Grande São Paulo. “Não se tratam mais de terapias alternativas, pois são estudadas de forma séria em universidades. Há médicos que fazem parte do nosso grupo e recebemos muitos casos de crises psicológicas em pacientes encaminhados por psiquiatras”, diz Melendez.

Técnicas para alívio de estresse, como meditação e ioga ao ar livre (na foto), estão entre as mais buscadas, somando 40% dos pacientes (Crédito:Divulgação)

Dos milhares de procedimentos realizados lá, a imensa maioria é gratuita para o paciente, mesmo que ainda não esteja integrada ao SUS. “É o próximo passo agora atender pelo sistema. Mais de 90% das nossas consultas são gratuitas”, diz.

No espaço, um corpo formado por psicólogos e terapeutas realiza a anamnese e direciona o paciente para o tratamento adequado, com aplicação de cromoterapia e imposição de mãos em todos os casos.

A atitude positiva é componente imprescindível segundo os especialistas consultados. “Quem recebe precisa estar 100% comprometido com o processo terapêutico para ter sucesso. Não existe pílula mágica capaz de melhorar a nossa saúde e qualidade de vida. O nosso comprometimento com mudanças necessárias, muitas delas de dentro para fora, é tão fundamental quanto o comprometimento do profissional que estiver conduzindo o processo”, afirma a especialista em Neurociência Cintia Oliveira.

Contraindicação

O aspecto inofensivo da maioria das terapias não deve confundir quem as busca, no entanto. Estudos foram conduzidos ao longo das décadas e grande parte não é livre de efeitos colaterais nem contraindicações. Elas não devem substituir, por exemplo, os tratamentos convencionais.

O Cancer Therapy Advisor realizou pesquisa nos EUA e constatou que pacientes que adotaram somente a Medicina Complementar e Alternativa (CAM), como chamam por lá, têm taxa de sobrevivência de cinco anos menor do que aqueles que passam por tratamento convencional para a doença.

Os estudos realizaram avaliações cuidadosas e constataram que a maioria, como acupuntura, ioga e meditação, é segura e eficaz. A taxa média de eficácia percebida foi de 49,7%, sendo que algumas práticas se mostraram tão positivas quanto os tratamentos regulares.

Para enfermidades sem cura descoberta, como o câncer, não foi encontrada nenhuma evidência de prevenção ou recuperação plena.

A OMS estima que 80% da população global utiliza medicamentos fitoterápicos e não faz restrição aos mesmos, já que há comprovação de eficiência de determinadas ervas em tratamentos de saúde como:
alergias,
asma,
síndrome pré-menstrual,
enxaqueca,
sintomas da menopausa,
e síndrome do intestino irritável.

Divulgação

Pelo SUS, os Pics são oferecidos em 41.952 unidades básicas pelo País, segundo Relatório de Monitoramento Nacional das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, do segundo semestre de 2021.

A distribuição por regiões apontava o Nordeste na liderança, com 36%, seguido pelo Sudeste (30%), Sul (15%), Norte (12%) e Centro Oeste (6%). O levantamento indica que 92% dos municípios brasileiros ofereciam pelo menos uma prática.

A justificativa da proliferação pelo Ministério da Saúde: “Ao atuar nos campos da prevenção de agravos e da promoção, manutenção e recuperação da saúde baseada em modelo de atenção humanizada e centrada na integralidade do indivíduo, a Política de Práticas Integrativas contribui para o fortalecimento dos princípios fundamentais do SUS. Considerando o indivíduo na sua dimensão global, corrobora para a integralidade da atenção à saúde”.

Para ter acesso a alguma terapia oferecida que seja de interesse, as portas de entrada são as Unidades Básicas de Saúde (UBSs). De posse do cartão do SUS, o paciente recebe atendimento médico na Atenção Básica e é encaminhado para o tratamento complementar.