Cretinice só acabará a golpes de livros

Cretinice só acabará a golpes de livros

Luiz Cesar Pimentel: "Pela primeira vez, a geração a que pertencem meus filhos é menos inteligente do que a anterior, a minha"

Por Luiz Cesar Pimentel

A obsolescência programada, o crime mais hediondo de que a tecnologia era capaz até meados dos 1990, me obrigou a trocar de aparelho celular. A vendedora contou sobre um modelo com Inteligência Artificial embutida que permite a tradução simultânea em voz de até 17 línguas. Quando ela virou as costas, minha mulher comentou: “Só faltava essa. Até quando vão nos emburrecer?”. Confesso que estou tão cretinizado com as possibilidades tecnológicas que minha reação inicial fora a de considerar uma bela ferramenta a que havia sido oferecida. Só que não.

Vivemos por décadas o Efeito Flynn, fenômeno em que o quociente de inteligência de uma geração era superado pela seguinte, até a geração de nativos digitais entortar para baixo o gráfico. Ou seja, pela primeira vez, a geração a que pertencem meus filhos é menos inteligente do que a anterior, a minha.

Alguns fatores influenciam a capacidade intelectual, como sistema educacional, de saúde e nutrição. Só que a baixa vinha mesmo em países em que esses vetores não mudaram. Portanto, a resposta está no emburrecimento por sedentarismo mental – na falta ou diminuição de atividades desafiadoras, como aprender língua diferente ou instrumento musical.

Isso não é achismo ou tecnofobia, mas constatação científica. Aprender uma segunda língua revigora o córtex pré-frontal, área associada à capacidade de realização de múltiplas tarefas, resolução de problemas e tomada de decisões. Estudos constataram capacidade média de reduzir demência senil em quatro anos. Aprender um instrumento musical é como realizar um treino físico de corpo inteiro, só que para o cérebro – traz melhora no processo multissensorial e pode aumentar o QI do praticante em sete pontos.

Aprender instrumento musical é como realizar treino físico de corpo inteiro e pode aumentar QI do praticante em sete pontos

Se há botão à disposição que te livra de alguma tarefa, quem irá despender tempo para aprender o que quer que seja? Eleve a condição por se tratar de geração baseada em recompensas imediatas, com quase tudo à disposição aqui e agora. Vamos cortando tanto as sementes quanto o terreno fértil para que seja semeada.

Para não ficar totalmente na constatação sem proposição, sugiro livro que li recentemente e que oferece resposta: Faça-os ler, Para não criar cretinos digitais (ou Como a leitura estimula a inteligência das nossas crianças), do neurocientista francês Michel Desmurget. Vale para todos nós, que não lembramos de cabeça telefone do nosso melhor amigo nem conseguimos fechar a porta de casa sem ligar o Waze.