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O rombo da Caixa

Jair Bolsonaro colocou o centenário banco público a serviço de seu projeto pessoal de poder, ao abrir linhas de crédito para beneficiários do Auxílio Brasil e para devedores. De olho nos votos dessa parcela da população, o ex-presidente causou um prejuízo bilionário à instituição

O rombo da Caixa

As MPs que possibilitaram os empréstimos foram enviadas ao Congresso em março do ano passado, durante o governo Bolsonaro, quando o banco era comandado por Pedro Guimarães (à esq.)

Por Gabriela Rölke

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passou metade de seu governo prometendo abrir a tal da “caixa-preta do BNDES”, cuja inexistência ele acabaria por reconhecer em 2021. A promessa foi uma de suas bandeiras eleitorais em 2018 – ele dizia que iria “desmascarar a corrupção” de governos anteriores no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Pois bem, agora surgem indícios de que o capitão tinha sua própria caixa-preta, também em um banco estatal: a Caixa Econômica Federal.

Começam a vir à tona dados que confirmam a suspeita de uso eleitoral do banco, no ano passado, quando o então presidente tentava a reeleição. Por determinação de Bolsonaro, a estatal abriu os cofres para arriscados empréstimos consignados a beneficiários do Auxílio Brasil e também garantiu um microcrédito para pessoas com nome sujo, por meio do programa de Microfinanças chamado SIM Digital.

De acordo com o UOL, até a eleição, as duas linhas de crédito liberaram R$ 10,6 bilhões para 6,8 milhões de pessoas. Foram R$ 7,6 bilhões para 2,97 milhões de beneficiários do Auxílio Brasil, que voltou a se chamar Bolsa Família, e outros R$ 3 bilhões para 3,86 milhões de negativados. No Twitter, a presidente da Caixa, Rita Serrano, disse que a inadimplência do consignado do Auxílio Brasil “ainda se mantém sob controle, visto que os pagamentos são descontados na fonte”.

Ocorre que mais de 100 mil devedores foram excluídos do Bolsa Família neste ano, por irregularidades cadastrais, e a dívida com o banco permanece em caso de perda de direito ao benefício social. Já em relação ao programa de microfinanças, Serrano admitiu que o calote “ultrapassou 80%”.

Em última análise, quem vai arcar com o prejuízo é o trabalhador, já que as perdas serão cobertas com recursos do FGTS. As medidas eleitoreiras de Bolsonaro resultaram também na queima de parte das reservas da Caixa, o que afetou a liquidez do banco, que chegou ao menor nível já registrado.

O TAMANHO DO ROMBO

R$ 10,6 bilhões 
R$ 7,6 bi: consignado do auxílio emergencial para 2,97 milhões de clientes
R$ 3 bi: SIM Digital — microcrédito para pessoas com nome sujo para 3,86 milhões de clientes

O SIM Digital começou a ser ofertado no final de março do ano passado. Naquele mês, pesquisa Datafolha sobre intenção de voto para a eleição presidencial apontava Lula em primeiro lugar, com 43%, e Bolsonaro em segundo, com 26%. O programa emprestava até R$ 1 mil para quem tinha dívidas de até R$ 3 mil. “É a primeira vez que a Caixa empresta para negativados”, comemorou na época o então presidente da Caixa, Pedro Guimarães.

Já a modalidade do consignado para beneficiários do Auxílio Brasil foi liberada no dia 11 de outubro, entre o primeiro e o segundo turno das eleições. Nove dias depois, no entanto, em 20 de outubro, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou a suspensão dos empréstimos.

De acordo com a área técnica da Corte, a oferta de crédito nessa modalidade poderia “interferir politicamente nas eleições presidenciais”. A recomendação da suspensão do serviço foi uma resposta a uma representação do Ministério Público de Contas. “Com as dificuldades enfrentadas pelo presidente nas pesquisas, tudo indica tratar-se de medida destinada a atender prioritariamente interesses político-eleitorais”, anotou na época o subprocurador Lucas Rocha Furtado.

O caso deve repercutir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a declaração da de inelegibilidade de Bolsonaro pela Justiça Eleitoral passa a ser questão de tempo.

Rita Serrano, presidente da Caixa Econômica Federal: “Tanto o Consignado do Auxílio Emergencial quanto o programa de Microfinanças estão sendo investigados pelos órgãos de controle, fiscalização e pela auditoria interna” (Crédito:Pedro Ladeira)

Caminho

As Medidas Provisórias (MPs) que abriram caminho para que a Caixa passasse a oferecer as duas linhas de crédito foram enviadas ao Congresso no início do ano passado, quando o banco era presidido por Pedro Guimarães. O economista era um dos integrantes do governo mais próximos de Bolsonaro – os dois inclusive pescavam juntos.

Em alguns momentos de crise protagonizados pelo então ministro Paulo Guedes, Guimarães foi cogitado para substituí-lo no Ministério da Economia. Também chegou a sonhar com a vaga de vice na chapa de Bolsonaro, com quem demonstrava ter profunda identificação ideológica.

Deixou o cargo em junho do ano passado, quando vieram a público denúncias de assédio sexual contra servidoras do banco.

A amigos, o economista nega qualquer irregularidade durante o período em que presidiu a instituição bancária. Ainda segundo relatos de pessoas próximas, Pedro Guimarães diz ser vítima de uma campanha de difamação cujo objetivo seria atingir Bolsonaro.