Geral

Sucessão de Lula: saiba quem está no páreo

Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Gleisi Hoffmann subiu o tom contra Fernando Haddad e criticou o “austericídio” (Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Por Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Articulações pelo legado do presidente correm soltas nos bastidores
• Briga pública entre Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann é representativa dessa disputa
• Outros nomes ganham destaque: Janja e Guilherme Boulos

A sucessão do presidente Lula é uma preocupação que não sai da cabeça dos dirigentes dos 11 partidos com ministros na Esplanada. Raríssimos são os políticos que a abordam com sinceridade. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é um deles. Na troca de farpas sobre os rumos da economia com a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), Haddad afirmou com naturalidade que em algum momento será necessário discutir a sucessão de Lula e, apesar de ter se tornado alvo de fogo amigo, trouxe à tona discretas articulações de bastidor que envolvem pelo menos seis presidenciáveis que se movimentam no centro da federação partidária que apoia o governo.

O próprio Haddad é um deles. Mas diante da disposição do presidente de disputar a reeleição em 2026 e das articulações para ampliar as alianças e a coalizão, ele sabe que a concorrência em 2010 será forte e começará dentro de seu próprio partido.

Ex-ministro da Educação nos dois primeiros governos Lula, prefeito da capital paulista e candidato do PT duas vezes derrotado nas últimas eleições que disputou, uma para Jair Bolsonaro em 2018 e outra em 2022 para Tarcísio de Freitas, Haddad seria um herdeiro natural do capital político de Lula em 2030. Mas ele enfrenta dificuldades com o partido na condução da economia.

Num manifesto com a chancela do diretório nacional da legenda, divulgado durante uma conferência em dezembro para debater a estratégia petista e as alianças para as eleições municipais deste ano, a política econômica posta em prática pelo ministro foi classificada como “austericídio fiscal” pelo rigor no controle dos gastos públicos.

Haddad respondeu que havia alguma coisa errada no comportamento do PT que, segundo ele, celebra os bons resultados da economia ao mesmo tempo que o chama de “austericida”.

Ao invés de contemporizar com o rival, Gleisi (que também sonha em concorrer ao Planalto) partiu para o ataque: disse que é um direito e tradição do partido “alertar” através das críticas e alfinetou o ministro afirmando que era extemporânea a declaração sobre a sucessão do presidente.

Fernando Haddad não gostou das críticas à sua gestão (Crédito:Evaristo Sa)

O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, foi um dos poucos que saíram em defesa do ministro.

Disse à ISTOÉ que Haddad é um bom nome do PT para a sucessão de Lula e que ele tem razão quando reclamou das críticas públicas de correligionários.

“E vou além: é uma minoria no PT que tem críticas a ele e até à política econômica. Não vejo este sentimento nas bases e na militância. O que vejo é muita confiança e aprovação. Na bancada também não existe essa avaliação crítica da economia. Pelo contrário, a imensa maioria apoiou e ajudou aprovar todas iniciativas do Haddad.”

Zeca Dirceu ainda deu um puxão de orelhas nos correligionários: “Eu acho importante criticar, mas tenho defendido que elas não sejam públicas, pois somos governo. Roupa suja se lava em casa, já dizia minha avó Helena”.

Outro nome que “preocupava” a legenda do presidente aparentemente saiu da corrida.

• Com a nomeação de Flávio Dino para o STF, o PT tirou do caminho um presidenciável de peso, mas isso está longe de resolver a disputa com outra sigla de esquerda, o PSB, que passou a investir suas fichas no vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.

• Governador de São Paulo por quatro vezes, Alckmin abandonou o ninho tucano e, no PSB, ajudou a melhorar a imagem e desempenho de Lula no eleitorado de centro. Foi bem recebido e plenamente assimilado até pela ala mais à esquerda do partido, que o chama de companheiro.

• Alckmin dá sinais discretíssimos, como é de seu feitio, de que não abrirá mão de fortalecer seu novo partido e manter-se como nome viável, mas seus correligionários são cuidadosos.

• O deputado pessebista Pedro Campos acha que quem vai liderar a sucessão em 2030 é o próprio Lula, mas observa que a provável manutenção da polarização tornará o vice de Lula uma alternativa consistente.

“A aliança com o PT e a frente ampla permanece para 2026 e a sucessão de Lula é um desafio contra a extrema direita, que também está posta. Alckmin faz um trabalho relevante no Ministério do Desenvolvimento e é um candidato com capacidade de unir PT, PSB e toda frente ampla, que também se sente bem representada nele. Alckmin e Lula representam muito essa união.”

Guilherme Boulos: mais moderado (Crédito:Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Janja

Todos os partidos que integram o governo dão como certo que Lula disputará a reeleição em 2026 e no término de um eventual quarto mandato terá influência decisiva na escolha de seu sucessor.

A regra numa coalizão partidária seria, é claro, a posição de cada pretendente na preferência dos eleitores, conforme indicarem as pesquisas de opinião no momento adequado.

Mas ninguém, nem mesmo no PT, ignora que ao lado do presidente dorme uma militante partidária com uma longa estrada de atividades políticas percorrida. Janja dá poucas entrevistas, mas acaba se destacando por gestos e pela fala de alguns correligionários, como o prefeito de Araraquara, Edinho Silva.

Pouca gente tem dúvidas de que a mulher do presidente sonha em repetir no Brasil o que já é uma tradição na vizinha Argentina: suceder o marido, embora isso não dependa só da vontade de Lula ou do PT, como alerta a deputada Alice Portugal (PCdoB).

“Temos uma federação de partidos e o que o PCdoB pensa é que todas as decisões terão de passar também por esse instrumento. Só que não há dúvida de que o Lula foi o nosso trunfo numa eleição dificílima. Espero que o presidente tenha vigor e saúde para mais um mandato, mas há nomes que se destacam no cenário, como Haddad, Gleisi e o próprio Dino, que já demonstrou não ter apego a cargos.”

Outro pré-candidato que não pode ser descartado é o deputado Guilherme Boulos, do PSOL, que teve bom desempenho na última eleição paulistana e sonha em se firmar como líder do campo da esquerda.

Para isso, tenta se descolar da imagem de sem-teto radical e se aproxima das forças de centro. O próprio Lula bancou seu nome para concorrer à Prefeitura em São Paulo, desagradando o próprio partido. Mas fez isso garantindo o espaço do PT na vice.

O presidente foi buscar de volta, para formar chapa com Boulos, a “ovelha desgarrada” Marta Suplicy, que deve se refiliar ao PT. O movimento é considerado um “duplo insulto” para a ala à esquerda do partido que torce o nariz para Marta — ela defendeu abertamente o impeachment de Dilma Rousseff. Mas mostra a habilidade de Lula em costurar alianças inusitadas, disciplinando os companheiros. Como será em 2030?