Internacional

Conflito em Gaza põe mais pressão sobre destino de Netanyahu

O primeiro-ministro sofre dura derrota na Suprema Corte, que barra sua tentativa de limitar o poder do Judiciário. Agora, precisa vencer o Hamas para se manter no poder, mas o conflito não tem solução à vista e ameaça se espalhar pela região

Crédito: Menahem Kahana

Pesquisas mostram que popularidade do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o “Rei Bibi”, cai dia a dia (Crédito: Menahem Kahana)

Por Denise Mirás

Com a situação cada vez mais explosiva em Gaza e o conflito com o Hamas ameaçando se espalhar pelo Oriente Médio, ao menos a democracia se manteve em Israel. Foi por pouco: 8 dos 15 juízes da Suprema Corte de Israel garantiram uma barreira à pretensão de poder ilimitado dos extremistas de direita, que são maioria no Parlamento (o “Knesset”).

E, por extensão, também ficou travada a imunidade judicial que Benjamin Netanyahu pretendia assegurar, para si e seus aliados, evitando julgamentos por corrupção e permanecendo por tempo indeterminado como primeiro- ministro.

Divulgada no dia 1º deste ano, a votação mantém o Judiciário com poder de veto a medidas governamentais que firam a chamada Lei da Razoabilidade — consagrada como forma de controle sobre abusos do Estado — em vez de limitá-lo, como queriam os radicais.

Mas, ao mesmo tempo, faz com que Netanyahu se empenhe em manter o conflito com o Hamas como única forma de permanecer no cargo — pesquisas mostram a queda acentuada, dia a dia, de sua popularidade e de seu partido, o Likud.

Coincidência ou não, nos últimos dias ocorreu uma escalada que ameaça espalhar o conflito para o Oriente Médio. Se nos últimos meses o Exército israelense já vinha alvejando postos do Hezbollah (grupo terrorista aliado ao Hamas) no Líbano, outros bombardeios lançados pelos houthis, do Iêmen (que agem com apoio do Irã), se iniciaram em dezembro passado, com drones e mísseis atingindo navios mercantes no Mar Vermelho.

Um dia depois da decisão da Suprema Corte, um ataque, também de drones, a um prédio em Beirute foi atribuído a Israel pelo governo libanês (o atentado resultou na morte de Saleh al-Arouri, vice-líder do Hamas).

No dia seguinte, mais de 100 pessoas foram mortas e 200 ficaram feridas em Kerman, no Irã, quando caminhavam em homenagem a Qassem Soleimani, chefe da Guarda Revolucionária morto no Iraque em 2020 por drone americano.

No mesmo dia 3, foi a vez do governo do Irã divulgar que, por meio de seu Exército, promoveu bombardeio de posições israelenses no sul de Gaza, em ação conjunta com o braço armado do Hamas. Na região, os EUA seguem em alerta com tropas e navios distribuídos em pontos estratégicos.

A Suprema Corte de Israel barrou pretensão do governo de colocar o Judiciário de joelhos diante do Parlamento (Crédito:Menahem Kahana)

Custo da guerra

A reforma proposta por Netanyahu em julho de 2023 derrubava o ponto central da Lei da Razoabilidade, que atua para equilibrar os Poderes no país — em resposta, a oposição destacou como falta de “razoabilidade” a nomeação de Aryeh Deri, condenado por evasão fiscal, como vice-primeiro-ministro.

Manifestantes tomaram as ruas em protesto por meses, até que o foco da opinião pública se voltou para o conflito com o Hamas, depois do atentado de 7 de outubro passado, quando 1.200 pessoas foram assassinadas dentro de Israel e cerca de 200 levadas como reféns. A resposta se deu de imediato, e esse conflito já soma 22 mil palestinos mortos e 75% da população de Gaza deslocada de casa.

Enquanto o confronto se expandia, a Suprema Corte de Israel se debatia para não ser subjugada pelo Parlamento. Sua ex-presidente, Esther Hayut, e a também juíza Anat Baron haviam se manifestado contra a proposta de reforma judiciária, mas estavam em processo de aposentadoria — o que se daria agora, em meados de janeiro.

Assim, o voto das duas foi crucial para impedir a pretensão judicial de Netanyahu, que tem a maioria do Legislativo e poderia passar quaisquer propostas — inclusive impedindo a própria prisão, por corrupção.

Assassinato de vice-líder do Hamas em Beirute e atentado no Irã com mais de cem mortos amplia a tensão no Oriente Médio

Para Karina Stange Calandrin, doutora em Relações Internacionais, “no momento que o conflito terminar, com um cessar-fogo duradouro, Netanyahu será deposto com certeza”.

Sua popularidade cai dia a dia, diz a professora do Insper, também é assessora acadêmica do Instituto Brasil- Israel. O primeiro-ministro até poderia “reverter o que lhe foi tirado”, pela maioria que tem no Parlamento, mas “o Likud já afastou a ideia de recurso”, como diz Karina.

“Se fossem chamadas novas eleições, a coalizão dele não venceria. Ele sabe disso. Então, busca prorrogar o conflito ao máximo que conseguir. Pode diminuir um pouco a intensidade de ações, pela forte pressão internacional e mesmo por aspectos econômicos, porque qualquer guerra é custosa, mas precisa manter o conflito para se manter no poder.”

Um ataque com drone em Beirute matou o vice-líder do Hamas Saleh al-Arouri, dia 2: Israel não assumiu a autoria da ação (Crédito:Marwan Tahtah)

Aos 74 anos, Benjamin Netanyahu — o “Rei Bibi” — está em seu terceiro período como primeiro-ministro, entre 1996 e a reeleição de dezembro de 2022, quando se coligou com outros líderes de partidos extremistas: Itamar Be-Gvir e Bezalel Smotrich.

O primeiro tornou-se ministro da Segurança Nacional; o segundo, das Finanças. Os dois defendem a expulsão total dos palestinos da Faixa de Gaza, com a implantação de assentamentos israelenses no território, como se dá na Cisjordânia — o que é proibido pela Convenção de Genebra e pelos estatutos do Tribunal Penal Internacional.

Netanyahu ainda quer “em nossas mãos e fechado” o Corredor Philadelhi, que são os 14 quilômetros de fronteira estendidos entre Gaza e Egito — e por onde passa ajuda humanitária.