Comportamento

“Devemos mudar a maneira como falamos sobre o clima”, diz ambientalista Timothy Morton

Crédito: Emilija Skarnulyte

Timothy Morton: britânico critica a postura dos cientistas tradicionais (Crédito: Emilija Skarnulyte)

Por Felipe Machado

O britânico Timothy Morton é um ambientalista bastante atípico. Em vez de inundar seus livros com previsões e dados apocalípticos sobre o planeta, prefere recorrer a teorias de filósofos alemães como Immanuel Kant e Martin Heidegger, ou até mesmo a letras de músicas de sua banda favorita, o Talking Heads. Apontado pela revista Prospect como um dos 50 pensadores mais influentes de nosso tempo, ele é professor titular de literatura inglesa na Rice University, em Houston, nos EUA. Suas teorias não trazem menções a acordos climáticos, degelos ou biomas ameaçados. Morton defende que as formas de vida estão interconectadas e o que chamamos de natureza, uma espécie de entidade separada dos outros elementos considerados “artificiais”, não é um conceito real: afinal, tudo que existe é parte de uma coisa só. Morton defende essa tese em livros como Ser Ecológico e O Pensamento Ecológico, obras que se tornaram referência para a nova geração de cientistas e ativistas. Ele conversou com ISTOÉ e falou mais sobre suas controversas ideias, que vão de Charles Darwin a Blade Runner e têm conquistado artistas como a islandesa Bjork.

Ser Ecológico se propõe a ser um livro para pessoas que “não se importam com ecologia”. Por que decidiu escrever algo com esse público em mente?
Porque ninguém nunca faz isso. Pessoas como eu gritam com quem pensa igual, e isso não tem funcionado. Somos piores que fanáticos religiosos, porque não falamos de misericórdia ou perdão, mas de vingança. Todas as pessoas que poderiam ser influenciadas por esse tipo de discurso, já foram. Precisamos agora conversar com os outros, os indivíduos que estão entorpecidos e se enganam, dizendo que não se importam.

É possível conscientizá-los?
Em vez de chocá-los, temos de ser gentis com eles. Ou podemos desistir e apenas assistir ao planeta queimar, fingindo que estamos satisfeitos. O livro propõe mudar os leitores da posição “eu não me importo” para “eu realmente me importo”, mas sem gritar com ninguém. Tentei encontrar uma voz agradável, meio ingênua, no estilo de David Byrne, do Talking Heads. Fico triste que mais norte-americanos não tenham comprado, porque funcionaria bem para eles. É preciso dialogar com as pessoas com misericórdia e compaixão. Sem queimá-las, como o aquecimento global queima a casa delas. Seja gentil.

O livro traz a mensagem de que devemos tirar a natureza da equação quando falamos sobre ecologia. Por quê?
Eu me importo com golfinhos, bactérias intestinais, florestas, oceanos. Eu não me importo com a natureza. A natureza é apenas uma ideia humana. Tratar algo como “natureza” implica em dizer que há coisas antinaturais. Isso está errado.

“O trabalho de jovens líderes como Greta Thunberg é importante porque nos lembra de que somos nós, adultos, quem deveríamos estar fazendo os alertas necessários” (Crédito:Robin Utrecht)

Qual é a importância de citar o pensamento de nomes como Immanuel Kant e Martin Heidegger? A ecologia e a proteção ao meio ambiente são assuntos mais relacionados a filósofos do que a cientistas?
Certamente sim. Conhecemos e amamos a ciência. Meu tio era cientista, um bioquímico famoso. Leio artigos científicos toda semana, mas um cientista na TV ou na revista não é mais um cientista. Ele será visto como uma espécie de sacerdote, alguém que faz você acreditar em algo. E ninguém realmente vai fazer isso. Em vez disso, deveriam colocar filósofos, humanistas e artistas performáticos na TV. Devemos mudar a maneira como falamos sobre o clima. Despejamos dados uns sobre os outros, é horrível. Basicamente, estamos imitando o Livro do Apocalipse, com todos essas mensagens desesperadas. Como posso lidar com um dragão gigante saindo do oceano? Eu não posso. Os cientistas não fizeram cursos suficientes de humanidades ou de artes para compreenderem como devem aparecer na TV.

Seus livros não trazem muitos fatos e números sobre os problemas do planeta. Por quê? Você acha que os dados são um obstáculo para explicar o problema para a pessoa comum?
Sabemos exatamente o que fazer: parar de queimar combustíveis fósseis, punir as petroleiras por nos enganarem, entre outras coisas. Então, por que não estamos fazendo isso? Esse deveria ser nosso sentimento em relação ao problema, a forma como nos dirigimos uns aos outros. Como você fala com alguém cuja mãe acabou de morrer? Você agarra a pessoa e grita com ela? Ou você a ouve? Nossa mãe está morrendo, mas fingimos que ainda não sabemos disso. Se eu gritar no seu ouvido, você apenas ficará bravo e não prestará atenção no que eu disse.

Qual é o objetivo do movimento chamado Ontologia Orientada a Objetos (OOO), do qual você é integrante? Do que se trata?
As ideias brancas ocidentais sobre as coisas são realmente perigosas e tóxicas. São conceitos que continuam existindo como um monitor sem batimentos cardíacos, perdido em um hospital. Essa é a grande razão pela qual o Planeta Terra está em grande perigo. O movimento OOO é uma ótima maneira de descolonizar sua mente.

Acredita que o trabalho de jovens líderes como Greta Thunberg é importante? Na sua opinião, eles são capazes de influenciar as novas gerações?
Sim, são muito importantes. Eles nos lembram de que somos nós, adultos, quem deveríamos estar fazendo os alertas necessários, não deixando essa missão para crianças vulneráveis que, além de tudo, serão as mais afetadas por tudo isso. Odeio o que a mídia fez com eles. Isso não é culpa de Greta Thunberg, mas nossa, os seres humanos que escolheram como primeiro porta-voz da biosfera em escala planetária uma garota menor de idade, ou que acaba de atingir a maioridade. É horrível, todos querem um pedaço dela. No X (ex-Twitter), há muito tempo, fiz uma promessa em público de que nunca pediria para ser fotografado com ela. Pessoas mais velhas como eu deveriam se manifestar, e não ouvir essas crianças como se elas fossem um coro de anjos na igreja, vozes que nos fazem sentir culpados o suficiente para que possamos voltar a destruir a Terra na segunda-feira. Greta Thunberg não deveria ter de fazer o nosso trabalho, esse deveria ser o nosso papel. É vergonhoso.

O que vem à sua mente quando você pensa na Floresta Amazônica? O Brasil está fazendo um bom trabalho ou atualmente é parte do problema?
Um dos melhores momentos da minha vida foi na Floresta Amazônica. Visitei uma estação de pesquisa biológica perto de Puerto Maldonado, no Peru. Eu tinha dezessete anos e passei uma temporada lá. Dois dias antes, eu tinha visto minha primeira grande catedral católica, em Lima, e ela tinha uma estátua de Jesus com roupas rasgadas, coroa de espinhos, sangrando e sofrendo, carregando a cruz morro acima. Fiquei olhando para ela por três horas, então voei para a Amazônia. A selva me remeteu a Jesus: vi a vida florescendo, tudo crescendo junto, com toda aquela água fluindo ao redor, como sangue. A vida é o universo tendo misericórdia de si mesmo. Foi profundamente comovente, nunca vou esquecer.

“Nos livros encontrei uma voz agradável, meio ingênua, algo no estilo de David Byrne, do grupo Talking Heads. É preciso conversar com as pessoas com misericórdia e compaixão” (Crédito:Cindy Ord)

Como vê o papel dos políticos nessa situação? Eles são realmente os grandes culpados ou há outros?
O Brasil deveria proteger a selva como se fosse o corpo de Cristo. Ou poderia apenas assistir enquanto ela caminha morro acima, para ser crucificada em terra agrícola. Os políticos locais costumam usar a necessidade de proteção social para as pessoas que vivem na Amazônia para justificar alguma destruição da floresta. Como podemos proteger a natureza e cuidar das pessoas que vivem na região simultaneamente? Eu não sei. Eu precisaria pensar como muito cuidado e conversar com todos os envolvidos. Não posso refletir como um filósofo e agir como um soldado, de paraquedas, caindo do céu e fazendo o sinal de positivo. O problema é bem mais complexo que isso.

Em suas obras é comum ver conceitos da cultura pop sendo utilizados para explicar ideias sobre ecologia. É uma maneira de chamar a atenção de um público mais amplo?
Para mim, não. É uma forma de mostrar meu coração. Isso é a arte que eu amo. Não é cultura pop e nem uma “maneira” de fazer nada. Escritores ecológicos frequentemente pensam assim: que a arte, de alguma forma, serve para fazer coisas extremamente desagradáveis parecerem mais saborosas. É constrangedor perceber como essa ideia do que é arte é rudimentar e antiquada. Já não era legal em 1970.

Suas parcerias incluem artistas como Bjork e Olafur Eliasson. Qual é a relação entre arte e ecologia?
Toda arte é ecológica. Você faz música com instrumentos fabricados com coisas que vêm da biosfera, o que inclui plástico, metal e microchips, certo? O som é feito de ondas de pressão no ar, que contém oxigênio, tudo a partir de bactérias que existem há três bilhões de anos. Essa obra vai ocupar espaço numa galeria, onde as luzes elétricas vão consumir a energia da rede. A arte é feita da biosfera, então, mesmo quando não é deliberadamente “sobre” a biosfera, se relaciona com ela. Toda arte também é sobre gênero e raça, mesmo quando não fala diretamente sobre esses temas. A arte é feita por humanos, que se expressam por meio de gênero e raça, e também são formas de vida, por isso a arte é sempre ecológica. Sempre. Algumas das melhores obras de arte nem mesmo sabem que são ecológicas.

Como a pessoa comum, alguém que está lendo esta entrevista, pode ajudar a proteger o meio ambiente? Acredita no poder de uma única pessoa ou, para que isso funcione, é preciso uma ação coletiva importante?
Você já sabe o que fazer. A verdade é que ninguém precisa de mim, o conceito do livro é exatamente sobre isso. Encorajo você a perceber que já tem todo o poder, bondade e consciência para agir. Você não precisa de um único sermão a mais para se sentir mal, nem de uma outra manchete trágica para ficar ainda mais deprimido. Você tem os instrumentos para agir na sua casa, na sua rua, na sua cidade. Qualquer nível de conscientização é positivo, então pare de se preocupar com os detalhes e apenas faça algo. As pessoas ruins querem que você se sinta paralisado, mas qualquer um de nós já é totalmente capaz de realizar algo útil agora. Desde quando os humanos estão entrando em extinção? Não estamos apenas assistindo a tudo isso, como se estivéssemos vendo TV. A melhor parte de um filme é quando o público percebe que é o personagem principal.