Perspectivas 2024

Por que a economia deve crescer menos que em 2023

A intensa discussão sobre a política monetária marcou 2023 com resultados positivos na economia, como o recuo da inflação e um PIB em torno de 3%, que surpreendeu positivamente: 2024, contudo, promete ser mais desafiador

Crédito: Porto Do Paraná/Divulgação

Brasil em 2024 sofrerá queda na exportação e aumento na importação (Crédito: Porto Do Paraná/Divulgação)

Perspectivas 2024: Economia

Por Mirela Luiz

RESUMO

• Analistas preveem queda no crescimento por conta de fenômenos climáticos, desaceleração da China, tensões geopolíticas e falta de produtividade
• Agro, que contribuiu com quase 50% para o PIB de 2023, pode não crescer em 2024
• A inflação é tomada como o lado positivo da economia para para o próximo ano: dados começam a emitir sinais de melhoria para os investidores

Enquanto o ano de 2023 encerrou positivamente com a surpresa de uma economia em crescimento, os ventos para 2024 sinalizam desafios para o Brasil e para a economia mundial. Uma desaceleração econômica global, impulsionada pelas políticas de controle da inflação, pode ser um obstáculo difícil de superar. Um dos principais entraves será a desaceleração das principais economias, reflexo das políticas de contenção de preços. No entanto, até o momento o Brasil tem se beneficiado desse processo de desaceleração econômica global. A performance das exportações brasileiras fecha o ano com superávit na balança comercial em torno de US$ 75 a 80 bilhões, notadamente devido aos setores de energia e alimentação. Mas de acordo com José Antônio Silvestre Curti Júnior, gestor financeiro e de riscos, a expectativa é que, no próximo ano, ocorra uma acomodação desses preços, juntamente com uma queda no crescimento, devido aos fenômenos climáticos.

As tensões geopolíticas decorrentes da guerra na Ucrânia e dos conflitos na Faixa de Gaza, juntamente com as taxas de inflação globais, devem gerar, de maneira geral, uma retração ou uma recuperação lenta da economia mundial em 2024.

Estima-se que o crescimento global seja de 3%, com os Estados Unidos, China e Zona do Euro apresentando taxas de crescimento de 2,2%, 5% e 2%, respectivamente, no próximo ano.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), haverá uma desaceleração da atividade econômica em 2024 e o crescimento do PIB brasileiro será de apenas 1,7%, número mais pessimista, enquanto que a estimativa do governo, mais otimista, chega a 2,2%.

A CNI argumenta que o crescimento baseado em “fatores excepcionais” e sem aumento do investimento em 2023, não cria bases sólidas para uma melhora no desempenho econômico no próximo ano.

Ricardo Alban, presidente da entidade, destaca que 2024 traz muitas incertezas e desafios, principalmente em relação à Reforma Tributária, que foi aprovada pela Câmara. Alban considera a alíquota estimada de 27,5% como alta e preocupante.

Sérgio Vale, da MB Associados (Crédito:Gustavo Lourencao)

“Essa dificuldade fiscal será a tônica dos próximos anos, com consequências relevantes, especialmente para os juros.”
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados

Outro setor que também enfrenta desafios é o agronegócio. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) projeta um crescimento de apenas 0,94% no PIB do setor em 2023, devido ao aumento dos custos de produção e à queda nos preços das commodities agrícolas no mercado internacional.

Para 2024, a expectativa é de que o resultado varie entre crescimento zero e uma queda de 2%.

De acordo com Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA, este ano foi caracterizado por uma safra de alto volume, mas com margens de lucro muito baixas. Apesar de uma produção recorde de 321 milhões de toneladas, os preços dos produtos agropecuários caíram significativamente, entre 20% e 30%.

Além disso, o custo de plantio também foi um dos mais altos da história, resultando em margens estreitas para os produtores.

Apesar dessas dificuldades, o agronegócio teve um crescimento significativo, contribuindo quase 50% para o PIB brasileiro, que deve fechar com 2,8%.

As perspectivas para 2024 são desafiadoras para o agro, principalmente devido aos problemas climáticos. “Para o próximo ano, a perspectiva é desafiadora, principalmente devido às questões climáticas, como o El Niño, que tem causado calor intenso e obrigado os produtores a fazer replantio em algumas regiões, diminuindo a janela de plantio da segunda safra, que é essencial para a produção de milho. As expectativas de preço não são boas, tanto para os grãos quanto para a pecuária, devido à economia estagnada no Brasil e no mundo, o que resultará em um aumento nos estoques internacionais”, explica Bruno Lucchi, da CNA.

Inflação em baixa e juros altos, mercado financeiro prevê um ano de boas oportunidades (Crédito:Divulgação)

Retração

Isso significa que as margens de rentabilidade dos produtores tendem a diminuir e, em alguns casos, até mesmo a se tornarem negativas, intensificando as perdas no próximo ano.

Como resultado, não se espera um crescimento significativo no PIB agropecuário ou no PIB do agronegócio em 2024, prevendo-se um valor até em torno de zero.

“Isso é preocupante, pois comprime ainda mais as margens dos produtores e desestimula o investimento em tecnologia. Além disso, essa retração no setor agropecuário também afeta o PIB brasileiro como um todo”, declara Lucchi.

“Crescimento da economia brasileira, ainda que modesto, tem sistematicamente superado as estimativas. Creio que em 2024, com a ajuda de juros mais baixos, teremos mais um ano de avanço”, declara Fabio Barbosa, CEO da Natura.

No entanto, a maioria dos especialistas não está tão otimista quanto Barbosa. Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, é um dos que apostam num déficit público bem acima da meta de zero e um crescimento baixo para o próximo ano. “Acho que ficaremos ao redor de um crescimento do PIB na casa de 1,5%”, avalia.

Guilherme Dietze, assessor econômico da FecomercioSP, menciona expectativa de crescimento zero nas vendas do comércio, o que pode ser considerado um resultado positivo, levando em conta o cenário atual.

Dietze explica que esse arrefecimento se deve às condições econômicas globais, como a alta taxa de juros nos Estados Unidos e a desaceleração da China, o que afeta as commodities e, consequentemente, o desempenho do Brasil, que é um grande exportador desses produtos.

Diante disso, o País tende a se voltar mais para o mercado interno. Apesar de alguns aspectos positivos, como a queda da inflação e da taxa de juros, Dietze destaca que a baixa produtividade ainda impede um crescimento mais forte.

“O cenário é de incerteza, mas o Brasil tem capacidade de crescer mais forte dependendo de suas próprias ações”, pondera Guilherme Dietze.

Crise climática e juros altos afetarão o crescimento do comércio no próximo ano (Crédito: Renato S. Cerqueira)

Incertezas

Os desafios seguem também na área monetária. Na área fiscal, o Governo perdeu a oportunidade no primeiro ano de mandato para fazer o ajuste fiscal necessário.

“Difícil acreditar que a reforma tributária seria aprovada sob Bolsonaro. Mas, por outro, Lula, piorou o cenário fiscal. Na verdade, o ciclo de piora começou com Bolsonaro e foi aprofundado com Lula. Tínhamos um superávit primário de 2,4% do PIB em julho de 22 que se transformou, caso entrem os precatórios esse ano, em déficit que pode se aproximar de 2% do PIB. Uma virada de cerca de 4,5 pontos percentuais é essencialmente diferente do aumento da meta de superávit primário em 2003 de 3,75% para 4,25%. Virada tão negativa e rápida assim não víamos acontecer desde o início do Plano Real”, avalia Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

“Essa dificuldade fiscal será a tônica dos próximos anos, com consequências relevantes, especialmente para os juros”, complementa Vale. “Não há cenário internacional favorável e as reformas econômicas para serem feitas hoje são cada vez mais difíceis e profundas. O esforço político deveria ser maior, mas isso não tem sido feito e deve resultar em anos de crescimento menor”, projeta o economista da MB Associados.

Quanto às perspectivas para o mercado financeiro em 2024, Rodrigo Laureano e Marcos Cardone, da Improve Wealth Services, identificam alguns riscos e dúvidas que podem afetar a inflação brasileira e requerem monitoramento.

Eles destacam o impacto negativo que um déficit fiscal acima do esperado pode ter, levando a pressões inflacionárias.

“A valorização do dólar também é uma preocupação, pois a saída de investidores estrangeiros do País pode levar a um aumento na moeda americana e, consequentemente, à inflação”, declara Cardone.

Para evitar esse cenário, Laureano enfatiza a importância de o governo trabalhar para reduzir o déficit fiscal e transmitir confiança ao mercado.

Se por um lado o crescimento econômico será praticamente zero, o lado positivo para o próximo ano fica em relação à inflação, já que os dados começam a mostrar sinais de melhoria para os investidores.

Se o período de pandemia exigiu taxas Selic artificialmente baixas e o período posterior viu a inflação galopando para cima, parece que o cenário está sendo controlado, o que não significa ainda um cenário deflacionário, nem ganho real de aplicações mais ortodoxas.

“O Banco Central tem reduzido a Selic em 0,5 ponto percentual, e esperamos que a taxa chegue a 9% ao ano até o final de 2024”, projeta Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo.

Diante desse cenário, fica evidente a necessidade de atenção e cautela por parte dos agentes econômicos, que devem estar preparados para enfrentar os desafios e buscar soluções para impulsionar o crescimento e a recuperação da economia.