Internacional

A esquerda sob pressão

Pedro Sánchez aposta alto em sua recondução ao comando da Espanha, sem levar em conta seu desgaste e a ascensão de sua vice, Yolanda Diaz. Isso facilita que extremistas de direita tomem o governo do país

Crédito: Javier Soriano

Pedro Sánchez quer apoio da esquerda para voltar ao comando da Espanha, apesar da derrocada nas eleições de domingo (Crédito: Javier Soriano)

Por Denise Mirás

Foi uma aposta bem alta, de Pedro Sánchez, “presidente de governo”, como é conhecido o cargo que ocupa de primeiro-ministro na monarquia presidencialista da Espanha. Constatada a avalanche de votos para a direita adversária, na renovação de executivos municipais e regionais no domingo, 28, o social-democrata dissolveu o Parlamento no dia seguinte e antecipou as eleições legislativas, que seriam em dezembro, para 23 de julho.

A manobra foi vista como uma tática “kamikaze” de Sánchez e seu PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). Ou mesmo “golpe de Estado”, por obrigar a esquerda a se unir a ele, como única cartada possível para impedir extremistas de direita de tomarem o governo.

O prazo para coligações se encerra na próxima sexta-feira (9) e as divergências entre PSOE, Sumar e Podemos entraram pela semana, mesmo depois do claro recado dos eleitores, que deram a vitória aos adversários do governo no último domingo.

Sánchez discursou duro na quarta-feira, 31, destacando que PP e Vox, os partidos vencedores da direita, se equivalem em extremismos, com propósito de “destruir”. Listou conquistas de seu governo, do aumento do salário mínimo a projetos públicos de saúde e educação, e advertiu sobre o inverso que ocorreria com a vitória dos adversários da direita, pronta para revogar o que foi conquistado em direitos sociais.

Falou da “tempestade” que espera até a eleição de 23 de julho, com “cascatas de sujeiras, insultos e mentiras”, que são “os mesmos métodos usados por Trump e Bolsonaro”. Ainda ressaltou que nos próximos quatro anos precisará de “apoio forte e contundente para continuar à frente do Executivo”. Usou o tom pouco humilde que parece ter levado parte dos espanhóis ao “voto antisanchista”.

O Partido Popular, do direitista Alberto Núñez Feijóo, fez maioria nas eleições regionais e municipais (Crédito:Thomas COEX )

Em vez de se recandidatar, parte do eleitorado espanhol esperava que Sánchez apoiasse sua vice, a carismática Yolanda Diaz, estrela em ascensão no cenário político do país. Ministra do Trabalho, na terça-feira, 30, Diaz já havia registrado o movimento Sumar como partido, que qualifica como “canal para convergir todos os representantes da esquerda em torno do europeísmo e da pluralidade”.

Assim, Diaz pode tentar se eleger como primeira mulher a comandar a Espanha, com o apoio de Sánchez. Mesmo certificado o vexame de domingo, protagonizado pelo PSOE de Sánchez, coligado ao Unidas (grupos de esquerda, onde está o Sumar) e ao Podemos de Ione Belarra, de extrema-esquerda, as discussões seguiam tensas.

Yolanda e Ione haviam anunciado início de conversas para resolver divergências, mas foram atropeladas pelo discurso egocentrado de Sánchez.

Ministra do Trabalho, Yolanda Diaz pode ser a primeira mulher a se tornar “presidente de governo” (Crédito:Josep Lago)

A GRANDE VIRADA

7 milhões de votos dos espanhóis foram para o PP, de direita
760 mil votos a mais teve o PP contra o PSOE
7 das dez maiores cidades ficaram com o PP, em clara rejeição ao governo

O fantasma Vox

A aposta da esquerda também passa pela característica da população: conservadora, mas refratária a extremismos – ainda ressentida de marcas da Guerra Civil e da sangrenta ditadura do generalíssimo Franco que perdurou de 1936 até sua morte, em 1975.

Sánchez conta com o medo que os centristas têm do Vox, para repensar votos e impedir a abertura da porta para radicais governarem o país (talvez tenha preferido não ver o tamanho de sua rejeição, estampada nas urnas).

Os esquerdistas se debatem contra o tempo, e os adversários se mostram tranquilos. Alberto Núñez Feijóo, do PP (Partido Popular) e vencedor de domingo passado, reconhece erros cometidos. Santiago Abascal, do ultrarradical Vox (terceira força política na Espanha) é só comemoração pela façanha do partido que, no domingo, dobrou resultados em relação às últimas eleições.

O Vox pulou de 3,5% para 7% dos votos, enquanto o PP chegou a 31,53% sobre o PSOE governista, que ficou nos 28,11%. O empolgado Nuñéz Feijóo, que procurou reverter a guinada ao radicalismo de Pablo Casado, seu antecessor, agora só se mostra dividido entre partir sozinho para o embate de 23 de julho ou se unir ao Vox – o que poderia se reverter contra ele, assustando eleitores mais moderados.


Santiago Abascal viu seu partido Vox, ultrarradical de direita, dobrar votos no domingo (Crédito:Pierre Philippe)

Ana Carolina Marson, doutora em Relações Internacionais e professora da Universidade São Judas Tadeu, observa que, embora reconhecido na União Europeia pelas posições liberais – e a Espanha assume a presidência do Conselho em 1º de julho, antes das eleições –, internamente Pedro Sánchez já não é bem visto e sofre com o desgaste do poder.

“A situação é turva, mas preocupa esse retorno da extrema-direita no mundo, a partir de 2016. E estamos acompanhando a força de sua capilaridade. Essa guinada é significativa. Mesmo tendo o fluxo da história como espelho, ora mais liberal, ora mais conservador, ainda assim o voto em radicais dessa política, que se faz em cima de medo e ódio, é assustador.”