A Semana

O novo paraíso do Rei dos Ônibus

Preso três vezes pela Lava Jato, Jacob Barata Filho mantém empresa em nome das quatro filhas em Luxemburgo e volta a operar em Brasília em favor do oligopólio do setor de transportes

Crédito: Clever Felix

Jacob Barata foi preso por pagar propina para manter privilégios, mas agora está voltando a operar manobras no setor (Crédito: Clever Felix)

Por Germano Oliveira

Em um prédio comercial situado na Boulevard Royal 25A, em Luxemburgo, um dos principais paraísos fiscais do mundo, funciona desde outubro do ano passado a empresa W&W Corporation. O edifício, localizado em frente ao hotel cinco estrelas Le Royal, é o segundo abrigo da autodenominada “holding financeira”, segundo comprovam documentos oficiais aos quais ISTOÉ teve acesso. Quando criada, em novembro de 2019, a empresa operava num modesto prediozinho de três andares na Val Saint-Croix 1 do mesmo grão-ducado – provavelmente para não chamar atenção, como quase tudo em Luxemburgo. O discreto país para quem se atreve a arriscar a sorte com empreendimentos financeiros sempre se notabilizou pela ausência de transparência que, por décadas e décadas, serviu de terreno fértil para negociatas de toda natureza, envolvendo personagens associados ao crime organizado e à corrupção mundial.

Não seria diferente no caso da W&W Corporation. O figurão por trás da holding é o empresário Jacob Barata Filho, dono do Grupo Guanabara, célebre integrante do atual oligopólio do setor de transportes de passageiros no país.

Conhecido como rei do ônibus, Barata – que ainda responde a várias ações criminais na Justiça – chegou a ser condenado a 28 anos e 8 meses de prisão pelo juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, em novembro de 2020.

A condenação foi referente à Operação Ponto Final, um desdobramento da Lava Jato que investigou o pagamento de propina a políticos por empresários do setor de transporte público, para obter vantagens no valor das tarifas e outras benesses.

Em depoimento, Barata confessou que o esquema do qual fez parte no Rio de Janeiro pagou R$ 145 milhões em propina a agentes públicos do governo Sérgio Cabral.

Filhas como sócias

Um simples scanner na W&W realizado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro revela que Barata não parou de fazer operações para lá de suspeitas. Segundo contrato social mais recente obtido por ISTOÉ, a empresa luxemburguesa está hoje em nome de suas quatro filhas: Ana Carolina Perissé Barata, de 46 anos; Sílvia Perissé Barata, de 43 anos; Beatriz Barata Feitosa, 37 anos; e Maria da Glória Barata Rothier, 36 anos.

O cenário em que a holding foi aberta, no final de 2019, era tenebroso para a família: Barata cumpria prisão domiciliar, seus advogados argumentaram à época que o bloqueio de bens determinados pela Justiça podiam “levá-lo à bancarrota” e sua filha Beatriz dizia, em conversas interceptadas pela Lava Jato, temer “ficar pobre”.

E foi justamente de uma receosa Beatriz quanto ao seu futuro financeiro a iniciativa de constituir a empresa em Luxemburgo. Fundada em 25 de novembro de 2019 na rua Val Saint-Croix 1, a W&W ostentava em seu quadro societário, além de Beatriz Barata, a irmã Sílvia. Somente em 23 de julho de 2020 é que apareceriam na sociedade as demais filhas do rei do ônibus.

Juiz Marcelo Bretas condenou Barata a 28 anos de cadeia por subornar agentes públicos do governo Cabral (Crédito:Divulgação)

A simples abertura de uma empresa em Luxemburgo não configura necessariamente uma ilegalidade. Desde que tudo esteja devidamente declarado. Ocorre que, segundo material em poder do Ministério Público do Rio de Janeiro, desde que a empresa foi fundada, seus balancetes financeiros são omitidos das autoridades do país. De dezembro de 2019 para cá, a holding só divulga eventuais alterações societárias.

Uma dessas alterações em especial chamou a atenção do MPRJ. É que as filhas de Jacob Barata incluíram na sociedade outra empresa da família: a Baratz, que se autointitula uma companhia de “investimento em ativos imobiliários”.

Detalhe: a empresa fica localizada na Rua Clotilde, em Lisboa, mesmo endereço residencial declarado por Beatriz Barata, que também já figurou em seu quadro de sócios. Em janeiro deste ano, uma modificação contratual transferiu a propriedade da Baratz para a caçula Maria da Glória Barata.

Em operações recentes, foram relacionadas financeiramente à Baratz outras empresas da família:
a Nutmeg S.A, antiga Guanabara Sociedade Gestora de Participações Sociais S.A,
e a Royal Itinerary e Gogipsy Tecnologia, que se fundiram à Guanaurb Investimentos Imobiliários e Transportes.

Ou seja, os Barata penduraram outras empresas de sua propriedade na mesma W&W de Luxemburgo, atualmente em nome das quatro filhas. A Nutmeg possui o próprio Jacob Barata como sócio.

Embora ainda responda a diversas ações na Justiça justamente por suas transações ilegais junto a agentes públicos, e justamente por isso ainda siga no radar do Ministério Público Federal, Barata não se constrange em continuar a operar com o poder público, sabe-se lá com base em quais métodos.

No ano passado, causou estranheza nos investigadores do MP a celebração de um contrato entre a prefeitura do Rio e a Guanabara Diesel, controlada por Barata, para o fornecimento de 300 coletivos ao sistema BRT até março de 2024 por R$ 867 milhões.

Monopólio do setor

O MPRJ também colocou uma lupa sobre as movimentações do CEO da Guanabara, o empresário cearense Paulo Porto Lima, em Brasília. Porto é hoje quem mais exerce pressão para aprovação do novo marco regulatório da Agência Nacional de Transportes Terrestres, a ANTT, que vai restringir ainda mais o mercado já oligopolizado.

Porto tem dupla militância. Além de CEO da Guanabara, ele preside a Abrati, Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros, que defende dia sim e outro também as companhias que dominam o setor e movimentam R$ 30 bilhões anuais e que, claro, não querem saber de concorrência.

CEO da empresa de Jacob Barata, Paulo Porto chegou a ser flagrado pelo MPRJ em trocas de conversa por whatsapp em que o rei do ônibus, seu chefe, diz textualmente que eles precisavam trabalhar para que “o G7 (grupo das empresas que monopolizam o setor de transportes) tenha um pacto de não agressão” porque seria “a única forma de combatermos os novos entrantes e garantirmos uma licitação tranquila”.

Àquela altura, o MP não sabia quem era Paulo Porto e tinha apenas uma vaga ideia sobre o que eles tratavam naquelas conversas. Hoje, com Jacob Barata voltando a operar em Brasília e no exterior, as mensagens ganharam um novo – e escandaloso – sentido.