A Semana

Governo x Congresso: a aposta na judicialização

O governo Lula comemora decisões do Congresso que favorecem a economia mas, derrotado com a derrubada de vetos, deixará que o STF decida sobre as leis do marco temporal e desoneração da folha de pagamento das empresas

Crédito: Zeca Ribeiro

Sonia Guajajara (à esq.) vai recorrer ao STF para restabelecer a segurança jurídica que já afeta terras indígenas e pode agravar conflitos com ruralistas (Crédito: Zeca Ribeiro)

Por Vasconcelo Quadros

Os políticos reclamam do ativismo e da interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) em decisões que avançam sobre as prerrogativas do Legislativo e do Executivo, mas adoram judicializar as derrotas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou a aprovação da Reforma Tributária como uma vitória histórica num Congresso em que tem minoria, mas agora quer levar para o tapetão o marco temporal e a desoneração da folha de pagamento de 17 setores empresariais, as duas matérias mais polêmicas decididas numa queda de braço vencida por larga margem pelo Centrão.

Aprovadas pelo Legislativo, vetadas pelo governo e, depois, restabelecidas com a derrubada dos vetos na semana passada, as duas matérias pairam sobre os poderes como a crônica de um conflito anunciado que invadirá o segundo ano do terceiro governo Lula.

O fim da desoneração foi derrubado com os votos de 378 dos 513 deputados e 60 dos 81 senadores, uma vitória esmagadora que demonstra o domínio da maioria conservadora do Congresso.

Em decisões dos outros poderes, o STF não age por iniciativa própria, mas será instado mais uma vez a arbitrar. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, já anunciou que pedirá que a Advocacia Geral da União (AGU) ingresse na Corte com uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) para que a Justiça confirme decisão adotada em setembro, determinando que a data da promulgação da Constituição de 1988 não pode ser usada como parâmetro de ocupação originária para efeito de demarcação de terra indígena.

Ao derrubar o veto imposto pelo governo aos trechos da nova lei (foram 321 votos a favor e 137 contra na Câmara, e 53 contra 19 no Senado), o Congresso restabeleceu o marco temporal e jogou o país na insegurança jurídica, decisão que pode acirrar os conflitos em mais de 220 áreas onde indígenas e ruralistas vivem há décadas em conflito, algumas delas em fase de desintrusão.

Como o que ficou valendo para demarcação foi a data de 5 de outubro de 1988, as demarcações entram numa zona de impasse e as comunidades indígenas ficam fragilizadas.

Mesmo que o STF torne inconstitucional a nova lei do marco temporal, ruralistas, evangélicos e bolsonaristas, sob o patrocínio da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que controla 324 votos na Câmara e outros 50 no Senado, anunciaram que aprovarão uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), o que representaria uma nova judicialização.

O deputado Jilmar Tatto (SP), secretário nacional de comunicação do PT diz que a direita tenta avançar sobre direitos dos povos originários para expandir territórios agropecuários e de mineração, quando deveria usar a tecnologia disponível para produzir com mais eficácia. “É uma pauta ideológica. Não tem sentido”.

Congresso derruba vetos de Lula sobre marco temporal e desoneração da folha, mas governo pretende recorrer à Justiça para vencer a batalha (Crédito:Jefferson Rudy)

Apelo ao STF

O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (AP–Sem partido) diz que a judicialização da desoneração da folha de pagamento está na pauta do Planalto.

Ele afirma que o governo estava ciente da possibilidade de derrubada do veto e reclamou que a oposição cobra austeridade fiscal, mas fechou os olhos para o impacto negativo da desoneração no orçamento federal, que deve ser da ordem de R$ 20 bilhões.

O Ministério da Fazenda deverá acionar a AGU para apresentar ao STF outra ADI. O objetivo é contestar a derrubada de veto a uma medida que legalmente se extinguiria no dia 31 de dezembro, mas foi promulgada com validade até o final de 2027.

Autor da lei e relator do projeto de derrubada da decisão presidencial, o senador Efraim Filho (União Brasil–PB) afirma que a decisão favorecendo os 17 setores da economia já estará valendo a partir de 1º de janeiro.

“O time agora é o do governo, que pode apresentar proposta alternativa prometida antes da derrubada do veto, mas que nunca chegou. Se judicializar, é bom lembrar que o Congresso está amparado em decisão do ex-ministro Ricardo Lewandowski, do STF, contra a ideia de inconstitucionalidade da desoneração. Em 2024, podemos discutir desoneração com base mais ampla, universalizando a medida para todos os setores da economia”.

O deputado Domingos Savio (PL-MG) diz que a derrubada do veto é resultado da incompetência e incoerência do governo, “que fala em pacificar o país, mas abre processo de confronto com o Congresso”. Líderes do PT defenderam o veto sob o argumento de que a medida beneficia empresas, mas não gera empregos.