Perspectivas 2024

IA deve puxar indústria cultural em 2024, mas atrações ao vivo continuarão em alta

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Exposição Bonjour Vincent, em Paris: público pode interagir com uma versão digital de Van Gogh (Crédito: Divulgação)

Perspectivas 2024 – Cultura

Por Felipe Machado

Os avanços da Inteligência Artificial já podem ser sentidos em todas as áreas da sociedade — e na Cultura não poderia ser diferente. O ano de 2024 deve marcar a consolidação definitiva dessa tecnologia na relação entre o público e as obras de arte, dinâmica que já existe hoje, mas ainda limitada às formas de distribuição de conteúdo online, por meio de algoritmos, redes sociais e outras plataformas. Qual será, então, a novidade? Difícil fazer previsões em um campo que muda com tanta rapidez. Mas é possível apontar, com base no que vimos em 2023, as prováveis aplicações da IA em diferentes áreas da produção artística.

A começar por uma das formas de arte mais antigas: a pintura. Se os últimos anos foram marcados pela expansão das exposições imersivas, eventos em que grandes projetores 3D levavam o público para “dentro” de quadros famosos, agora a IA nos permitirá interagir com os próprios artistas — mesmo aqueles que já não estão entre nós.

Coringa 2: Joaquin Phoenix e Lady Gaga estrelam o aguardado thriller (Crédito:Divulgação)

A recém-inaugurada Bonjour Vincent, no Museu D’Orsay, em Paris, dá pistas desse caminho. Ela é dedicada a Vincent Van Gogh, mestre do Impressionismo e um dos pintores mais populares de todos os tempos. Mas qual é a novidade na mostra? Alguma tela nova? Um tesouro descoberto em uma coleção particular secreta? Nada disso: a grande novidade é a possibilidade de “conversar” com Van Gogh.

O pintor tirou a própria vida em julho de 1890, atirando contra si mesmo em um campo de trigo na região de Auvers, na França. Mas ele está de volta graças ao equipamento criado pela empresa Jumbo Mana, inventora do software Van Gogh IA.

Alimentada por biografias e cerca de 900 cartas escritas pelo próprio artista ao longo do século 19, a ferramenta permite que os visitantes façam perguntas e ouçam as respostas direto de um Van Gogh digital, que se movimenta de forma assustadoramente real numa tela digital.

Até o sotaque foi simulado, uma vez que o holandês tinha o francês como segunda língua — a máquina reproduz até mesmo seus prováveis erros de pronúncia. A parceria com o D’Orsay permite, inclusive, que a empresa fature com a iniciativa.

Não se sabe qual é a participação dos herdeiros do artista nos lucros, mas já há negociações para que a voz de Van Gogh chegue a assistentes pessoais caseiras como Alexa e Echo, da Amazon.

O sucesso tem sido tão grande que a Jumbo Mana já anunciou o próximo homenageado: o poeta francês Arthur Rimbaud, que completa 170 anos de nascimento em 2024.

Deadpool 3: sequência é um dos poucos filmes de super-heróis do ano (Crédito:Divulgação)

Robôs no estúdio

A Inteligência Artificial já deu mostras de que, se ainda não é capaz de criar novas tendências ou escolas artísticas nunca vistas, é uma poderosa auxiliar na hora de criar imagens em estilos já conhecidos. De cenários de filmes a fotos publicitárias, já é usada pela maioria dos profissionais de ponta.

Seu uso, no entanto, não está restrito às artes visuais. Certamente em 2024 veremos uma explosão dessa utilização nos estúdios de gravação musical, seja para aprimorar a performance de artistas consagrados, seja para criar novos sucessos sem a necessidade de tanta interação humana, como acontece hoje.

Ed Sheeran: ídolo pop é uma das atrações dos 40 anos do Rock in Rio (Crédito:Theo Wargo)

Isso já é realidade: um único produtor, de posse de ferramentas disponíveis no mercado e sem saber tocar nenhum instrumento, pode gravar um disco sozinho. Para cantar, basta adquirir vozes artificiais perfeitas à venda no mercado. Deseja uma voz feminina com as mesmas características da Marília Mendonça para gravar um hit sertanejo?

Ou prefere uma voz masculina, mais rouca, para lançar um rock? É só escolher entre dezenas de opções, como se estivesse convidando o robô para entrar no estúdio. A partir daí, a discussão ficará relacionada aos direitos autorais.

Se um produtor alimenta uma ferramenta de IA apenas com músicas dos Beatles, ele deveria pagar a Paul McCartney sobre essa nova composição que a máquina vai gerar? Ainda não há consenso, nem no mundo artístico, nem no universo jurídico.

Nos EUA a discussão já chegou aos tribunais, mas em outra área, a literatura. Um grupo de 17 autores, incluindo Douglas Preston, Silvia May e George R.R. Martin, criador da série Game of Thrones, entrou com uma ação contra a empresa OpenAI, criadora do ChatGPT, o mais popular software de IA no mercado.

Os escritores alegam que seus romances foram usados para ensinar a máquina a escrever e exigem o pagamento de direitos autorais. O processo será estratégico para criar uma jurisprudência e para mostrar se a tecnologia está ou não desrespeitando as leis de copyrights vigentes há décadas.

No palco, a vida real

Felizmente, a a cultura não vai depender da IA para emocionar o público. Os espetáculos ao vivo ainda serão, de longe, as atrações artísticas mais populares do futuro próximo. É o que prova os recordes da The Eras Tour, de Taylor Swift, que arrecadou mais de US$ 1 bilhão e se tornou a série de shows mais lucrativa da história.

Com tanta procura é natural que haja demanda correspondente. Podemos aguardar, portanto, outras excursões que, mesmo que não quebrem o recorde da cantora norte-americana, terão números gigantescos.

A boa notícia para os brasileiros é que o País entrou definitivamente para o circuito mundial dos grandes artistas. Além do público vibrante, a certeza de estádios lotados tornou o Brasil o principal destino de shows do mundo.

Não à toa, São Paulo foi eleita a “capital mundial da música” pela entidade Music Cities Events, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). “É um dos maiores polos culturais do Brasil e palco dos principais shows e festivais nacionais e internacionais. A cidade tem ampla história de promoção da cultura e da música como forma de transformação social e econômica, por meio de diferentes políticas, ações e programas locais”, diz o site da Music Cities Events.

A lista de atrações e festivais anunciados para o ano que vem confirma a vocação da capital paulista e do País como ímã de grandes shows. Entre as apresentações individuais, são aguardadas por aqui Madonna e Beyoncé, que encerraram apresentações nos EUA e devem visitar a América do Sul na próxima “perna” de suas tours.

Há negociações para trazer os Rolling Stones ao País, como parte da excursão de divulgação de Hackney Diamonds, seu novo disco após 18 anos sem lançar material inédito.

Os grandes destaques serão, mais uma vez, os festivais. Os cariocas vão comemorar os 40 anos do Rock in Rio de 15 a 23 de junho, com nomes que incluem o cantor Ed Sheeran, a banda Imagine Dragons e o rapper Ne-Yo.

Em São Paulo, o Lollapalooza, de 22 a 24 de março, reunirá 70 atrações no Autódromo de Interlagos — a grande expectativa é que o headliner seja a banda norte-americana Pearl Jam.

Há ainda eventos segmentados, como o Summer Breeze, com foco no heavy metal. De 26 a 28 de abril, o evento vai reunir os grupos Anthrax e Exodus, entre outros, no Memorial da América Latina.

O ano termina com o Primavera Sound, que acontece de 30 de novembro a 1 de dezembro, em Interlagos.

A cantora Beyoncé, uma das artistas mais aguardadas em 2024: entidade da ONU apontou São Paulo como a capital mundial da música (Crédito:Ian Gavan)

Supervilões

Em relação ao cinema, o ano 2023 foi tão excepcional que será difícil repetir o nível no ano que vem. Além da bem-sucedida retomada da parceria entre Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio e Robert De Niro, no espetacular Assassinos da Lua das Flores, assistimos ao curioso fenômeno Barbieheimer, estratégia que resultou em dois filmes bastante diferentes, Barbie e Oppenheimer, uma dobradinha que rendeu excelentes bilheterias aos dois.

No ano que vem chegarão às telas algumas aguardadas refilmagens de clássicos, entre elas Nosferatu, de Robert Eggers, diretor de O Farol e O Homem do Norte, com Nicholas Hault e Lily-Rose Depp.

Também ganha uma nova versão o divertido Meninas Malvadas, cult dos anos 2000 que terá roteiro de Tina Fey e Renée Rapp no papel principal.

O atrapalhado personagem Beetlejuice, de Tim Burton, terá sequência, assim como os caçadores de fantasmas Ghostbusters, que voltam à cena em Apocalipse de Gelo.

No cinema autoral, Bong Joon-ho, que fez história ao levar o Oscar de melhor filme por Parasita, estreia sua aguardada produção Mickey 17, ficção científica estrelada pelo galã Robert Pattinson, de Crepúsculo.

Para o público infantil, as animações Wish, da Disney, Kung Fu Panda 4, da DreamWorks, e Divertida Mente 2, da Pixar, devem ser as campeãs de audiência.

Apesar de já superada, a greve que dominou Hollywood em 2023 atrasou o cronograma das grandes produções de super-heróis. A DC lançará apenas Aquaman 2 e a Marvel, Deadpool 3.

Mas, em compensação, o filme mais aguardado do ano terá dois super-vilões: Coringa 2, de Todd Philips, reúne Joaquin Phoenix e Lady Gaga em um thriller distópico e violento. A cantora interpretará Arlequina, a namorada do psicopata.

A escassez nas produções de super-heróis pode ter um efeito positivo: em uma era em que os robôs andam dominando, os estúdios terão de reaprender a lucrar com filmes feitos por gente como a gente.