Inimigo é coisa pra se guardar no peito

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Luiz Cesar Pimentel: "O ex-presidente é um péssimo desafeto não pela sua capacidade ofensiva, que é brutal" (Crédito: Divulgação)

Por Luiz Cesar Pimentel

É indispensável a presença de inimigo se quisermos uma vida plena e digna. Não há ironia nem pegadinha na frase anterior, desde que seja um bom desafeto. Inimigos servem para estabelecer nossas réguas morais e determinar nosso caráter. Amigos são relativamente fáceis, vêm com cerveja, com música ou com futebol. Já um antagonista bom, legítimo, é mais complicado de se alcançar, até porque vivemos a evitá-los ao invés de extrairmos o melhor da relação.

Escrevo isso e vou além: só não estamos melhores como Nação e sociedade pela escassez de bons inimigos.

Durante quatro anos tivemos um péssimo inimigo, chamado Jair Bolsonaro. Quando digo nós, quero dizer a metade do País mais alguns que o rejeitaram. O ex-presidente é um péssimo desafeto não pela sua capacidade ofensiva, que é brutal. A cada frase, direcionava dardos a alvos inegociáveis em regras morais, como preconceito, misoginia, aporofobia, desprezo por vulneráveis e aquele lodo todo que preconizou. Foi um péssimo desafeto porque seu semear de discórdia era tão egoísta e dissimulado quanto polarizante. Conseguiu dividir o País em dois, separar famílias e amigos com base em discurso de ódio. Um bom inimigo não manifesta nossa violência nem fúria, mas a aversão passiva, nos determinando a nunca sermos como tal.

Escrevo isso e vou além: só não estamos melhores como Nação e sociedade pela escassez de bons inimigos

De tempos em tempos uma nação elege ao posto executivo uma figura do tipo pelo voto da revolta. Argentina está aí para confirmar com todo physique du rôle do Milei para a posição.

Voltemos ao Brasil.

Durante quatro anos esse péssimo desafeto nos fez estagnar em batalhas de determinações morais. Até do inimigo em comum, a Covid, o cara se apropriou com negacionismo para criar cortinas de fumaça enquanto se beneficiava e aos seus.

Quando o (falso) inimigo não está no poder, a maioria preguiçosa toma a capciosa rota das redes sociais na criação de antagonistas morais. A cultura do cancelamento reforça minha tese. Quer coisa mais fácil do que o linchamento público virtual de alguém que falhou?

Nesse caso, prefiro encarar como inimigos essa praga de gafanhotos da chantagem moral. São identificáveis pela extorsão de aprovação pelo vitimismo. Posts sempre com violência sofrida, geralmente emocional. Ai de quem não curtir. “Você ficou inerte ao que publiquei porque é a favor dos abusadores?”

Dadas as armadilhas da identificação, siga seu caráter na busca pelo facínora de estimação.