Internacional

Milei conseguirá reverter a crise argentina?

Pacote do governo provoca choque inflacionário e traz dúvidas sobre a capacidade de Milei em manter apoio com medidas impopulares. Para conter os gastos públicos, haverá a eliminação de subsídios para transportes e energia e menos recursos para as províncias

Crédito: Divulgação

Javier Milei reduziu Ministérios e Secretarias pela metade; na segunda-feira, a imprensa já foi barrada na primeira reunião governamental (Crédito: Divulgação)

Por Denise Mirás

Javier Milei despiu o personagem de campanha: “El Loco” engoliu as bravatas e se enquadrou como presidente para lidar com a realidade lançando um pacote de austeridade fiscal batizado de “Motosserra”. Foi o que se viu com o anúncio da terça-feira, 12, gravado, para evitar questionamentos, de Luis Caputo, ministro da Economia e aliado do ex-presidente Mauricio Macri.

Ele explicou o plano para evitar a “catástrofe”, como definiu, com:
• medidas como a maxidesvalorização da moeda,
• redução de Ministérios (de 18 para nove) e Secretarias (de 106 para 54),
• corte de cargos públicos,
• eliminação de subsídios para transporte e energia,
• suspensão de propaganda governamental por um ano,
• fim de licitações para novas obras públicas e paralisação das que estão em andamento.

De cara, preços explodiram nos supermercados e lojas, o temor se espalha com ameaça de demissões em massa e aumento de transporte, luz e gás.

O governo prevê dois anos para contornar a crise, com PIB negativo de 2,5% e inflação que deverá passar a 200% em janeiro – em outubro, chegou a 142% ao ano.

Com a certeza de que o governo enfrentará manifestações públicas, o ministro disse que subsídios sociais para famílias de baixa renda serão dobrados, o que de pouco devem valer porque o presidente de extrema-direita suspendeu o programa Precios Justos (itens básicos tabelados) do ex-presidente Alberto Fernández.

A crise social pode trazer mais instabilidade política, já que hoje 40% da população está abaixo da linha de pobreza.

O primeiro grande teste de Milei está marcado para o dia 20, com a convocação às ruas do Polo Obrero, movimento liderado por Eduardo Belliboni (em seu discurso de posse, o presidente ameaçou reprimir “quem bloquear as ruas”, sem explicar como fará isso). Para o ativista, “querem a paz dos cemitérios: a paz na rua enquanto matam o povo de fome”.

Anúncio – gravado – do pacote de Luis Caputo, ministro da Economia, atrasou uma hora (Crédito:Luis Robayo)

Na semana que antecedeu a posse (no domingo, 10), extensas filas se formaram em supermercados e lojas. No primeiro dia do novo governo, comerciantes se mostravam confusos na remarcação das mercadorias mas os aumentos dispararam com o pacote econômico, batendo nos 100%.

O dólar ultrapassou 1.000 pesos no mercado paralelo, com a perspectiva de que os preços de itens subsidiados dobrarão, como no caso da farinha para pães.

“As ações econômicas passam pela política. Das manifestações nas ruas às medidas
que precisem passar no Congresso.”
Carlos Primo Braga, ex-diretor do Banco Mundial

A imprensa, barrada na primeira reunião ministerial, na segunda-feira, também ficou de fora de um encontro bastante significativo: Milei, que não teria “vínculos com países comunistas”, recebeu Wu Weihua, líder da delegação chinesa presente em sua posse (a China é essencial para a economia argentina hoje, com investimentos que alcançam grandes obras de infraestrutura).

Isso, depois enviar carta ao líder Xi Jinping, pedindo apoio em operação cambial que ajudaria na estabilização do peso – o argentino precisa pagar parcelas da dívida de US$ 44,5 bilhões com o FMI (que elogiou o pacote anunciado por Caputo).

O advogado tributarista Pedro Simão acredita que “a tendência à modernização e à profissionalização de instituições públicas gera caixa e levará a uma economia mais estável, ainda que com efeitos adversos”.

Para ele, medidas drásticas e urgentes podem atrair investidores a uma Argentina mais sólida e com credibilidade.

Com a queda do programa ‘Precios Justos’, de itens básicos tabelados, preços explodiram (Crédito:Tomas Cuesta)

Meia-volta

Além de nomear membros do antigo governo Macri, Milei mudou seu discurso. Já não fala mais em dolarização da economia (a Argentina não tem dólares para isso), nem sobre fechar o Banco Central.

Ex-secretário e amigo de Luiz “Toto” Caputo, Santiago Bausili foi o nomeado para a presidência do BC.

Segundo Carlos Primo Braga, ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial, os dois são “economistas convencionais, do mercado financeiro” – o que significa moderação (em relação às falas de Milei).

Caputo foi ministro das Finanças e presidente do BC no governo Macri e Bausili, seu secretário.

“O grande desafio da Argentina é o controle fiscal, que é bem vindo e inevitável. O que ainda está em jogo é se o tratamento de choque será viável.”
Carlos Primo Braga, ex-diretor do Banco Mundial

Braga, também professor associado da Fundação Dom Cabral, diz que o pacote anunciado procura atacar o “problema secular” do déficit fiscal, e não apenas seus sintomas.

Uma das medidas mais importantes, segundo o professor, foi a desvalorização de quase 120% do peso: passou de 366 para 800 em relação ao dólar.

“Haverá um aumento significativo de inflação. Vamos observar como a população vai reagir, e como essas medidas serão administradas politicamente. Essa é a grande questão a médio prazo: se a coalizão com a vice-presidente [Victoria Villarreal, do Partido Demócrata de Buenos Aires, de direita] e a associação com o partido de Mauricio Macri [Proposta Republicana] serão suficientes para passar medidas no Congresso: La Libertad Avanza, partido do Javier Milei, é minoria, com 10% no Senado e 15% na Câmara.”