“O que dá pra rir, dá pra chorar”

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Antonio Carlos Prado: "Rio ou choro? Não sei. O que eu sei é que o STF, uma vez juridicamente provocado, se move. Já o Senado fica paralisado, não se move no sentido de solucionar impasses diante da cobrança inevitável advinda do dinamismo da vida." (Crédito: Divulgação)

Por Antonio Carlos Prado

Arquiteto e compositor, irônico e sarcástico, escritor e exímio perscrutador da alma da sociedade brasileira, o genial Billy Blanco escreveu: “O que dá pra rir, dá pra chorar/ questão só de peso e medida/ problema de hora e lugar/ mas tudo são coisas da vida”. Troque-se “vida” por Senado Nacional, e teremos a gozação que a maioria dos senadores (só pode ser gozação, não dá para achar que é sério) fez ao aprovar a PEC que limitou a autonomia e autodeterminação do Supremo Tribunal Federal na tomada de decisões monocráticas. Os senadores, representantes dos estados (a Câmara dos Deputados representa os cidadãos), reduziram a garantia dos direitos fundamentais que dá concretude ao Estado de Direito e à Democracia. Grande Billy Blanco, “o que dá pra rir dá pra chorar”.

Falou-se que a coisa não pode ter sido séria, e não pode mesmo, uma vez que a PEC foi aprovada depois que o STF, por iniciativa própria, já havia reduzido em 65% a concessão monocrática de liminares em pedidos cautelares. E a não seriedade do ato dos congressistas que disseram sim à Proposta de Emenda Constitucional ultrapassada também se depreende do fato de que houve, em tudo isso, um movimento, quiçá até inconsciente, de mesquinharia e vingança. O STF estava pacificando questões como marco temporal e descriminalização da maconha, para ficarmos em dois exemplos, e senadores conservadores não gostaram: acusaram a Corte de “ativismo judicial”. Rio ou choro? Não sei. O que eu sei é que o STF, uma vez juridicamente provocado, se move. Já o Senado fica paralisado, não se move no sentido de solucionar impasses diante da cobrança inevitável advinda do dinamismo da vida.

Isso é passado e essa PEC reforçando a colegialidade não embute graves estragos à República. Perigosa, e muito perigosa, é a PEC 5O/2023, que tramita na Câmara dos Deputados. Sobre ela somente dá para chorar, nada de rir. Por qual motivo? Sejamos enxutos: ela dá aos deputados e senadores, se aprovada, o direito de eles reverterem decisões do Poder Judiciário, inclusive de sua instância máxima, o Supremo tribunal Federal.

Essa, sim, é uma PEC que implode o Estado de Direito. Rui Barbosa, um dos idealizadores de nossa Suprema Corte nos moldes da Suprema Corte dos EUA, com absoluta certeza jamais pensou na possibilidade de reversão de decisões do Poder Judiciário pelo Poder Legislativo. Se tal PEC passar, como fica a tripartição dos Poderes? Como fica o princípio republicano de convivência independente, mas harmônica entre os Poderes? Pelo fato de ferir tais princípios, ela viola uma das cláusulas pétreas da Constituição. Essa tem de ser rejeitada em nome do Estado Democrático de Direito. Billy Blanco era cearense. Faleceu em 2011.