Comportamento

Petróleo x COP28: a hipocrisia ambiental

Conferência do clima anuncia objetivo de redução de emissão de poluentes e elege chefe de companhia petrolífera como presidente; Brasil acompanha a contramão e adere à Opep+

Crédito: Karim Sahib

Sultão Ahmed Al-Jaber acumula presidência da COP e chefia em petrolífera (Crédito: Karim Sahib)

Por Luiz Cesar Pimentel

A 28ª conferência do clima da ONU, COP28, que encerra terça, 12 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, propõe estabilizar a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera para combater a crise climática. O maior vilão do processo é o dióxido de carbono, derivado da queima de combustíveis fósseis, com 60% de culpa no quadro que castiga o planeta. Como presidente da conferência, foi escalado o sultão Ahmed Al-Jaber, CEO da Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc), que se orgulha da posição de 12ª maior produtora de petróleo no mundo. “Não há ciência ou cenário que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai fazer atingir [a meta de restringir o aquecimento global a] 1,5º C”, disse Al-Jaber.

Segundo ele, a restrição do uso de material não traria sustentabilidade, “a menos que se queira levar o mundo de volta às cavernas”.

Ele executa o que prega. No ano passado, a Adnoc elevou em 10% sua produção, atingindo 4 milhões de barris por dia. O objetivo do sultão-executivo é de alcançar os 5 milhões diários até 2027, três anos antes do que prevê a companhia. “Eles foram longe demais ao nomear o diretor de uma das maiores empresas de petróleo do planeta – e, segundo muitos, uma das mais sujas – como presidente da conferência”, resumiu o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore ao The New York Times.

“Só de o evento ser sediado em Dubai já mostra a inversão de valores na negociação diplomática. Os ricos continuam a dar as cartas e dão o recado de que esses países querem manter seus ativos pelos próximos 30 anos. A ONU está enfraquecida ao conceder esse espaço”, diz o consultor ambiental Luiz Villares.

A relação com o tema igualmente marcou a participação brasileira na COP28. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o Brasil nunca seria integrante efetivo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, mas aceitou que o País faça parte da entidade como observador do grupo, na Opep+.

Ele justificou a adesão pela possibilidade de defender o uso de recursos alcançados com petróleo em investimentos por soluções alternativas, como etanol, hidrogênio verde, biodiesel e energia solar. “Antes de acabar por sectarismo, você precisa oferecer opção para a humanidade. Vamos discutir a necessidade dos países que têm petróleo começarem a investir dinheiro para ajudar os países pobres.”

No dia seguinte ao encerramento da COP28, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) brasileira realiza leilão de 603 blocos de exploração de petróleo e gás no País.

Entre ambientalistas, o ingresso na Opep+ tem sentido negativo. “O Brasil não precisa de combustível fóssil; precisa controlar o desmatamento, que é objetivo bem mais exequível. Se fizer isso, ganha posição de soberania na mesa de negociação”, diz Villares.

Os presidentes das duas nações líderes em poluição, Xi Jinping (China) e Joe Biden (EUA) faltaram à conferência (Crédito:Brendan Smialowski)

Lula defendeu transição energética, enquanto o Brasil anuncia leilão de campos de petróleo no dia seguinte à COP

Ambiente X Política

Outro líder que falou uma coisa e fez outra na conferência foi o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak. Em Dubai, ele jurou defender a substituição gradual fóssil por alternativas limpas de combustível, enquanto em casa ele acabara de anunciar legislação para maior apoio à exploração de petróleo e gás no Mar do Norte, a oeste da costa britânica.

Com isso, compromissos ecológicos firmados por ele, como data para a proibição da venda de carros a gasolina e diesel e a eliminação gradual de caldeiras a gás, evaporaram.

No ano passado, os principais produtores de petróleo conseguiram barrar as propostas e discussões sobre eliminação gradual dos fósseis. Mas a União Europeia e mais de 100 outros países apoiam um compromisso com o tema neste ano.

A conferência reúne 150 líderes globais, diplomatas, cientistas e entidades privadas com o objetivo de encontrar soluções para a crise climática. Não participaram os presidentes dos dois principais produtores de gases do efeito estufa, Joe Biden (EUA) e Xi Jinping (China).

A meta principal é manter o que foi estabelecido no Acordo de Paris, que o aquecimento do planeta não ultrapasse 1,5ºC sobre o nível pré-industrial. Para isso, é preciso reduzir a emissão de gases pela metade até 2030 e em 99% até 2050, segundo cálculos da ONU. Em 2023 foi registrado o primeiro dia com temperatura média global 2ºC acima da era de referência.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) realizou estudo sobre os 20 maiores países produtores de combustíveis fósseis e que respondem por 84% das emissões globais de poluentes. A conclusão foi sombria. Os governos dessas nações planejam produzir cerca de 110% mais em 2030 do que seria compatível com a limitação do aquecimento a 1,5°C e 69% mais do que seria compatível com 2°C.

“Não podemos enfrentar a catástrofe climática sem atacar sua causa principal: a dependência de fósseis. A COP28 deve enviar um sinal claro de que a era do combustível está sem gás – que seu fim é inevitável. Precisamos de compromissos confiáveis para aumentar as energias renováveis e aumentar a eficiência energética”, recomendou antes do programa o secretário-geral da ONU, António Guterres. Alguns líderes não entenderam o recado.