Maria Fernanda Cândido volta ao Brasil com espetáculo sobre Clarice Lispector
Atriz e a pianista Sonia Rubinsky dividem o palco em espetáculo que abriu, em grande estilo, o novo Teatro-D-Jaraguá, em São Paulo
Por Ludmila Azevedo
Um caminho desafiador e fascinante. É como a atriz Maria Fernanda Cândido define a trajetória de Balada Acima do Abismo, que estreou em Paris, onde ela vive, e agora ganha versão especial para o público brasileiro. Criado por Catarina Brandão, a partir de vários textos de Clarice Lispector, autora de obras essenciais como Paixão Segundo GH — adaptada para o cinema e protagonizada por Maria Fernanda —, o espetáculo tem a direção de Gonzaga Pedrosa. A atriz conversou com a Istoé sobre o processo de feitura e a sua repercussão positiva.
Como surgiu Balada Acima do Abismo?
O espetáculo Balada Acima do Abismo foi idealizado por Catarina Brandão, que escreveu a peça inspirando-se em um poema de Carlos Drummond de Andrade. Esse poema, criado em 1977, celebra o nascimento e a morte de Clarice Lispector. Também explora o amor profundo de Clarice pela língua portuguesa, sua vocação e a importância do ato de escrever em sua vida. Trata-se de um retrato poético da vida e da trajetória de Clarice Lispector, uma representação sensível dessa sua passagem.
Em 2022, você apresentou o espetáculo em Paris. Como foi a receptividade do público francês ao espetáculo e ao texto de Clarice Lispector?
A Catarina escreveu o texto em homenagem ao centenário da escritora e o convite para participar do projeto aconteceu no final de 2019. Passei a me preparar para um trabalho que seria apresentado em 2020, celebrando os 100 anos de Clarice, adiado pela pandemia. Sonia Rubinsky e eu tivemos uma experiência tão prazerosa no processo que decidimos seguir em frente. Inicialmente, realizamos uma temporada de um recital dramático, dirigido por Antonio Interlandi, no L’Accord Parfait, em Montmartre. O público francês ficou tão encantado que decidimos realizar uma segunda temporada, em 2023. A receptividade foi extraordinária, tivemos casa lotada e bastante curiosidade a respeito de sua vida e trabalho. Entre 2023 e 2024, decidi transformar o texto em um espetáculo teatral, levando a obra a uma nova etapa e explorando ainda mais profundamente essa incrível autora.
Você chega com o espetáculo ao Brasil reabrindo um teatro. Qual a sensação?
É um imenso prazer e uma honra participar da inauguração do Teatro-D-Jaraguá, um espaço especial para mim, onde trabalhei há 18 anos, quando era chamado apenas de Teatro Jaraguá. Tenho memórias marcantes do lugar. Por isso, participar da reabertura desse importante espaço é uma emoção única. A revitalização do teatro não representa apenas a recuperação de um equipamento cultural, mas sim a valorização do centro da cidade, levando cultura, movimento, vida e arte para uma região pela qual eu tenho muito carinho. Hoje, curiosamente, Gonzaga é o diretor de Balada Acima do Abismo e é muito especial contar com ele, que faz parte da minha trajetória artística. Outro profissional fundamental é o cenógrafo e figurinista Fábio Namatame e também o iluminador Caetano Vilela, cujo trabalho acompanho e com quem finalmente tive a oportunidade de concretizar uma parceria. Estou encantada com a contribuição de todos.
Como funciona sua parceria com a pianista Sonia Rubinsky?
O papel da música nessa montagem é fundamental, não funciona como um simples pano de fundo para o que está sendo dito. Em nenhum momento a música é apenas um acompanhamento, mas assume quase o papel de um personagem, tem uma voz própria na narrativa. Assim, temos uma história sendo contada tanto pela palavra quanto pela música, em um diálogo constante entre as duas linguagens.
Você interpretou no cinema uma de suas obras mais instigantes, A Paixão Segundo GH. Qual o desafio de encenar a obra de Clarice?
No filme A Paixão Segundo G.H., interpretei a personagem G.H. Por mais que possamos identificar em G.H. traços que se assemelham à própria vida de Clarice Lispector, ela ainda é uma personagem, com sua própria identidade. G.H. não é Clarice Lispector, é G.H. Já na peça, o trabalho é bem diferente. Há vários trechos autobiográficos, falas ditas pela própria Clarice, costuradas por Catarina Brandão para criar a dramaturgia. Portanto, nessa montagem, falo em primeira pessoa como Clarice Lispector, o que torna a experiência muito distinta. Outro ponto interessante sobre a montagem teatral brasileira é termos optado por não trabalhar com a mimesis corpórea. Em nenhum momento imito Clarice, seja nos seus trejeitos, seja na sua aparência física. O foco do espetáculo está nas sensações provocadas pelos textos dela, uma escolha da direção. Acredito ser este um caminho desafiador e, ao mesmo tempo, absolutamente fascinante.
Que lugar a literatura ocupa em sua vida e como contribui na escolha de projetos?
Tenho uma paixão pela leitura desde os oito anos de idade. Sou sócia-fundadora da Casa do Saber, refletindo minha ligação com a literatura e as humanidades — um campo que sempre me encantou e me proporciona grande prazer. A literatura ocupa um lugar central na minha vida, influenciando diretamente os projetos que escolho. Procuro iniciativas que me permitam dialogar com autores e obras com as quais sinto afinidade artística