O fascínio e o caos

O fascínio e o caos

Por Ludmila Azevedo

Na véspera de completar 471 anos, a cidade que escolhi morar, que amo e odeio por quase um segundo, ficou debaixo d’água. Contada em prosa e verso pelo genial Mário de Andrade, a terra da garoa vem ganhando extremos difíceis de driblar. Promessa de campanha de reeleição de mais de um prefeito, o plano emergencial diante das catástrofes climáticas não pode ser um discurso vazio e mais uma gestão sem inovação. Na capital onde tudo é imenso, não estamos no mesmo barco na hora da enchente, ainda mais quando a desigualdade social nos marca. Há quem tenha o privilégio de usar boias e há quem não resista como tristemente aconteceu com um idoso que teve a casa invadida pela enxurrada no fatídico dia 24. O prefeito chegou a dizer que a cidade está “muito preparada” para tais eventos. Será?

Na mesma semana em que Donald Trump anunciou os previstos retrocessos na saúde, direitos humanos e meio ambiente, o governador do Estado postou em suas redes sociais sua foto com aquele boné que sugere a “América grande novamente”. Para quem? Imigrantes brasileiros começaram a ser escorraçados, denunciando agressões dos agentes estadunidenses. Triste coincidência numa São Paulo que ganha destaque no noticiário pela violência da polícia. Não dá para culpar a estação chuvosa pela catástrofe. O governador, que se elegeu com a promessa de ser um gestor técnico, mencionou em sua campanha melhorias nos trens e metrôs. Ampliar a malha não é suficiente, estruturas seguras e adaptadas para o novo anormal são urgentes.

Uma das regiões do voto conservador da capital sentiu o estrago nas estações Jardim São Paulo, Parada Inglesa e Tucuruvi. Quem estava lá viveu momentos de desespero, mas para ser democrático, o temporal não poupou outras linhas. No principal noticiário local, o apresentador afirmou indignado que os responsáveis pelo Metrô e Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) não iriam se manifestar sobre o rastro de destruição que não foi isolado e será recorrente.

Sempre que começa a trovejar, imagino como será mais difícil ainda chegar em casa, se eu estiver no trabalho ou na rua. Faço uma reza para Santa Rita de Sampa e torço para não ficar horas e até dias sem energia elétrica. Nesses momentos, começo a pensar no que seria ir embora. São Paulo, apesar do caos, me fascina, me deu grandes oportunidades profissionais, grandes amigos e o amor da minha vida. Como abrir mão desse tanto que me faz cantar Caetano quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João, que me faz experimentar sabores do mundo, que me brinda com tanta arte e cultura: dos Racionais MC ‘s a Pinacoteca? Se eu pudesse escolher um presente para a cidade seria o verdadeiro cuidado. Como no refrão de Tom Zé, “São São Paulo, meu amor”.