Brasil

Novos líderes da Câmara e do Senado trazem mais incertezas para Lula; entenda

O aparente distanciamento de Lula na disputa pela direção do Congresso reflete mais dois anos de incertezas nas relações do governo com o Parlamento, que terá Hugo Motta e Davi Alcolumbre no comando: indefinição sobre as emendas parlamentares ainda vai gerar tensão entre os poderes

Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil;Mateus Bonomi

Alcolumbre (à esq.) e Hugo Motta (à dir.), eleitos para a presidência do Senado e da Câmara, respectivamente, neste final de semana, manterão Lula refém da nova direção do Congresso (Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil;Mateus Bonomi)

Por Vasconcelo Quadros

Com a popularidade em baixa, a inflação em alta pressionando a economia e uma crise resiliente na comunicação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta, a partir deste sábado, 1º, um período de novas incertezas na relação já conturbada de seu governo com um Congresso sob nova direção. As eleições nas duas Casas, a menos que ocorra uma improvável reviravolta semelhante à que levou para a presidência da Câmara, em 2005, o ex-deputado Severino Cavalcanti, são disputas de cartas marcadas.
● O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) volta à presidência do Congresso
● e o deputado Hugo Motta (Republicanos-PA) será empossado novo presidente da Câmara, ambos, conformes as previsões mais realistas, com vantagem de candidatos únicos, embora enfrentem adversários da direita à esquerda que entraram no jogo para marcar posições.

O aparente distanciamento do governo esconde uma apreensão em relação à Câmara, que é o tambor das crises políticas: Motta tem o apoio do PT, conta com a simpatia do presidente Lula, mas chega ao poder amparado também pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e abençoado pelo atual presidente Arthur Lira (PP-AL) e pelo ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), o mesmo que provocou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff para se vingar do PT.

No quarto mandato como deputado, aos 35 anos, idade mínima exigida pela Constituição para o cargo, Motta deve ser o mais jovem político na presidência da Câmara, o segundo na linha sucessória da presidência da República. Terá também a poderosa prerrogativa de decidir pedidos de impeachment do presidente da República, como o que será apresentado assim que o resultado da eleição for anunciado no sábado pelo PL, com a assinatura de parlamentares de direita, pelo menos um terço deles filiado a partidos do Centrão que integram a coalizão de governo.

As trocas nas mesas do Senado e da Câmara representam a principal peça da disputa presidencial que começa a ser desenhada para 2026. Ela ditará a dança de cadeiras na reforma ministerial que Lula fará nos próximos dias para evitar uma debandada dos principais partidos de centro-direita da base aliada, já sinalizada pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, que controla três pastas importantes — Minas e Energia, Agricultura e Pesca.

Secretário de Relações Institucionais do governador Tarcísio de Freitas, a aposta mais viável da direita para 2026, Kassab disse que se a eleição fosse hoje Lula perderia e ainda alfinetou o ministro da Economia, Fernando Haddad, afirmando que ele é “fraco”. O avanço do Congresso sobre o Orçamento do governo via emendas parlamentares, cujo modelo está sendo revisto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter alterado a correlação de forças entre os poderes Executivo e Legislativo ainda, permanece sem solução e é o principal imbróglio a ser resolvido pelos poderes.

Alcolumbre e Motta fizeram do “fortalecimento do Parlamento” pelo controle orçamentário a principal bandeira de campanha e creditam ao governo os desgastes gerados pelas decisões do ministro do Flávio Dino, do STF, que suspendeu o pagamento de emendas, voltou atrás em relação às organizações que se ajustaram à transparência, mas mantém a determinação para que a Polícia Federal faça um pente fino para identificar o destino de R$ 186,3 bilhões pagos pelo governo entre 2019 e 2024.

Diante de suspeitas de corrupção, Dino escreveu num dos despachos que “é de clareza solar que jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público em tão poucos anos”. Ex-líder do PT, o deputado Zeca Dirceu (PR) reconhece que “a questão das emendas carece de alguns aperfeiçoamentos”, mas avalia que está equacionada em 90% e diz confiar em Motta. “Fomos líderes juntos e tivemos relação excelente. Foi sempre muito educado, sereno, inteligente e dedicado. Não acredito que haverá tensões”, disse ele à ISTOÉ. Nas negociações com Motta o PT conseguiu emplacar o deputado Carlos Veras (PE) como 1º Secretário.

Pressões da base

O cientista político Leonardo Barreto, da UnB e da consultoria Think Policy, lembra que as relações entre Executivo e Legislativo foram profundamente alteradas. “Os presidentes da Câmara e do Senado são representantes dos interesses corporativos e sensíveis à pressão da base. Lá atrás eles eram mais árbitros de disputas, hoje eles trabalham pelos próprios interesses, pelo empoderamento”, disse à ISTOÉ. “O governo ganhou uma nova oportunidade de negociar, mas precisa entregar uma governança compartilhada sobre as emendas.”

● Como fazem em todas as eleições, o PSOL e Novo, para marcar posições, vão enfrentar Motta com, respectivamente, o deputado Pastor Henrique Vieira (RJ) e Marcel van Hattem que, em dois mandatos, entra pela quarta vez na disputa.

● No Senado, caso não haja desistência, entram na disputa a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), Eduardo Girão (Novo-CE), o astronauta Marcos Pontes (PL-CE) e Marcos do Val (Podemos-ES). O astronauta decidiu se lançar por contra própria pelo PL e acabou atraindo a ira do ex-presidente Jair Bolsonaro, que reagiu com um pote de mágoas. “Eu o elegi em São Paulo. Esse é o meu pagamento?”

Bolsonaro acha que se levar em bloco votos do PL para Motta e Alcolumbre vai se livrar da cadeia.