Primeiros dias de mandato apontam: Trump 2 será mais Trump do que nunca
Por Eduardo Marini
RESUMO
● Na primeira semana de governo, Trump deixou claro que os chefões das big techs estarão no centro do poder
● Lançou um pacotão com mais de 200 decretos
● Seguiu com as ameaças ao mundo, as teses expansionistas e as promessas de deportação de imigrantes ilegais…
● …incluindo seus filhos natos, considerados americanos pela constituição do país
Nos primeiros movimentos de seu segundo mandato como presidente dos EUA, o republicano Donald Trump deu mostras assustadoras de que não terá limites para cumprir tudo o que prometeu em campanha. Houve pacotão com mais de 200 medidas, decretos para expulsar imigrantes ilegais e até seus filhos americanos natos do país, novas estocadas em líderes europeus e asiáticos, declaração de desprezo ao Brasil e à América do Sul, saída oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2026, reafirmação do desejo de controlar Groenlândia, Canadá e Canal do Panamá e promessa de pente fino para mapear países que vendem mais do que compram dos americanos e sobretaxar seus produtos. Mas a imagem mais simbólica da semana tem relação direta com os delirantes impulsos dominadores do extremista e foi captada na cerimônia de posse na igreja de St. John, em Washington.
Nela aparecem lado da lado, inflados de prestígio, à frente até mesmo dos novos ministros e colaboradores próximos, os chefões das principais big techs, as grandes empresas de novas tecnologias do universo virtual:
● Elon Musk, (dono da SpaceX, Starlink, X e Tesla e líder do Departamento de Eficiência Governamental),
● Mark Zuckerberg (CEO da Meta, controladora de Facebook, Instagram, WhatsApp, Threads e Oculus),
● Tim Cook (líder da Apple),
● Jeff Bezos (fundador e CEO da Amazon)
● e Sundar Pichai (diretor do Google).
Sam Altman, o CEO da OpenAI, dona do ChatGpt, não aparece na foto clássica, mas também desfilou empoderado pela cerimônia da segunda 20. Sabia ter motivos de sobra para estar lépido e fagueiro por lá. No dia seguinte, Trump anunciou, na Casa Branca, que OpenAI, SoftBank e Oracle formarão uma joint-venture chamada Stargate, com sede no Texas, para injetar U$$ 100 bilhões de início e mais US$ 400 bilhões nos próximos quatro anos em infraestrutura de inteligência artificial.
Até mesmo Show Chew, CEO da plataforma de compartilhamento de vídeos TiK Tok, teve seu momento de valorização. Não esteve na igreja, mas foi recebido com atenção em um rito religioso antes da cerimônia de posse.
O posicionamento dos barões da nova tecnologia na igreja, apelidado de bromance (expressão em inglês que significa relacionamento próximo ou íntimo entre homens), não foi determinado por obra do acaso e tampouco por erro de cerimonial. Na nova ordem imaginada pelo republicano, esses bilionários serão decisivos nas tentativas de viabilizar seus projetos mais ambiciosos.
Nem sempre houve lua de mel entre o baronato da tecnologia planetária e o poder nos EUA. A última vez em que eles estiveram reunidos em um evento público foi em uma audiência do Congresso, em 2020, ainda durante o primeiro mandato de Trump, para investigar prática de mónopólio e abuso de situação controladora de mercado de Google, Facebook, Apple e Amazon. Constrangidos, Pichai, Zuckerberg, Cook e Bezos acompanharam tudo e deram esclarecimentos.
“Ela é hater, radical de esquerda, me odeia. Vou exigir que apresente desculpas públicas.”
Trump sobre a bispa Mariann
Sedução
A situação atual é bem diferente. Um a um, em maior ou menor grau, foram todos seduzidos pela chance histórica de atuar — e encaixar montanhas de dinheiro — como viabilizadores tecnológicos e parceiros de suporte nos agressivos projetos expansionistas do republicano.
● Primeiro foi Musk, seduzido pela oportunidade de decidir sobre trilhões de dólares no novo cargo e multiplicar os atuais contratos de sua SpaceX com o governo americano.
● Em seguida aderiram Apple, Amazon e Google, motivados por promessas de parceria e incentivos para projetos internos e globais.
Dias atrás, Zuckerberg, que tempos atrás não hesitou em tornar públicas algumas divergências com Trump surpreendeu o mundo ao divulgar um vídeo onde afirmava, com expressão de garoto durão e sem especificar qualquer limite de aplicação, que, “em nome da liberdade de expressão”, suas empresas não mais fariam checagem e nem tirariam do ar postagens e mensagens duvidosas e até mesmo as que pareçam claramente notícias falsas, as chamadas fake news. Alertado por governos, inclusive o brasileiro, de que a medida poderia ser inconstitucional em vários países, o que justificaria penas sérias, soltou outro comunicado dizendo que a decisão se aplicava apenas aos Estados Unidos.
A decisão de Zuckerberg era tudo que o republicano queria. E talvez ajude a entender o movimento pretendido por Trump e lançado em uma ordem executiva em meio ao pacotão da segunda-feira 20. Sob a alegação de ser uma empresa dominada pelo governo chinês, que pode fazer dela um canal de espionagem, o Tik Tok, utilizado por 270 milhões de americanos, teve a proibição de operar nos Estados Unidos confirmada pela suprema corte do país. Deveria sair do ar em território americano no domingo 19 e de fato foi desligado, mas voltou no dia seguinte pela decisão do novo presidente.
O republicano deu mais 90 dias para o Tik Tok “se adequar às exigências”, mas propôs claramente em sua rede social particular, a Truth Social, que a empresa-mãe da plataforma chinesa, a ByteDance, faça uma “joint venture” de 50% com uma americana para permanecer no país.
“Gostaria que os EUA tivessem participação de ao menos 50% em uma joint venture. Ao fazer isso, salvamos o TikTok, mantemos o aplicativo em boas mãos e permitimos que ele continue ativo”, resumiu sem meias palavras.
Interlocutores próximos do presidente garantem que um dos chefões das big techs é o seu preferido para assumir a fatia da rede chinesa caso ocorra o acordo. Ganha uma página no Instagram quem acertar o nome.
Além de claro que os bilionários das big techs estarão na primeira fila do poder e dos investimentos, o republicano usou a primeira semana de mandato para reafirmar ao mundo que Trump 2 será mais Trump do que nunca.
Onze milhões de imigrantes ilegais vivem nos EUA, entre eles cerca de 230 mil brasileiros. Boa parte está no país há mais de uma década, com imóveis e carros próprios, filhos e até netos. Como esses casos serão resolvidos ainda é uma incógnita. A briga será forte: procuradores de 18 estados entraram com recursos para tentar evitar a expulsão dos filhos natos.
“Misericórdia. Existem adultos e crianças gays entre republicanos, democratas e independentes”
Bispa Mariann Edgar Budde a Trump
● Não bastasse, anistiou todos os envolvidos na criminosa invasão ao Capitólio, incentivada por ele em 6 de janeiro de 2021, mandou soltar os que estavam presos e proibiu os procuradores de formular novas ações no caso.
● Cancelou todos os recursos futuros dedicados a programas LGBTQIA+ e disse que, daqui para frente, “só existirão o masculino e o feminino” na estrutura oficial do país.
● Confirmou a desculpa da “segurança americana” para manter o olho gordo na Groelândia. Papinho: além de berço de minerais valiosos, o território é banhado ao norte pelo Oceano Glacial Ártico, que hoje derrete três vezes mais rápido que a média mundial, abrindo caminho para o que poderá ser a nova Rota da Seda chinesa, menor e menos perigosa.
Na terça-feira 21, a bispa anglicana de Washington, Mariann Edgar Budde, pediu a Trump “misericórdia” para gays e imigrantes. “Peço ao senhor misericórdia. Existem adultos e crianças gays entre republicanos, democratas e independentes. Filhos estão com medo de que levem seus pais”. O presidente a classificou de “hater”, “radical de esquerda” e pediu que ela se retratasse publicamente. Pelo jeito, o rastro de destruição a ser deixado pelo furacão de insanidade será, como disse ISTOÉ, profundo e doloroso.