A estratégia do agro para entrar forte no mercado europeu
Após acordo com a UE que poderá render mais US$ 11 bilhões por ano ao setor, produtores apostam alto em tecnologia, certificação e sustentabilidade para vencer resistência e protecionismo na Europa
Por Mirela Luiz
O agronegócio brasileiro iniciou a preparação para um momento decisivo nas relações comerciais com a Europa. Após 25 anos de negociações intensas, o acordo Mercosul-União Europeia, concluído no mês de dezembro de 2024 em Montevidéu, no Uruguai, promete abrir um leque de oportunidades com potencial para gerar ganhos bilionários a exportadores de vários setores no Cone Sul. Como era de se esperar, a reação dos agricultores europeus, que estão entre os mais protecionistas do mundo, aos termos do tratado não foram positivas. Muitos se levantaram em protesto temendo o que enxergam como concorrência desleal.
Com expectativa de ganho adicional de US$ 11 bilhões anuais para o setor agropecuário brasileiro em exportações para países da Europa, pelos cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o acordo traz mudanças significativas.
● Tarifa zero para 82% das importações de produtos agrícolas do Mercosul, entre eles carne, etanol, suco de laranja e café solúvel, é um dos pontos que despertam a fúria dos produtores europeus.
● Para a carne bovina, por exemplo, será disponibilizada uma cota de 99 mil toneladas anuais — 42 mil destinadas ao Brasil —, implementada gradualmente em cinco anos.
● A aceitação não será simples: os agricultores da França e de outros países da UE levantam vozes contra o tratado, citando os altos custos de produção no Velho Continente, amplificados pela guerra na Ucrânia e a crise de insumos.
Enquanto isso, o Brasil se destaca pela alta produtividade e eficiência tecnológica. A pecuária do País utiliza ração mais acessível, feita de soja local, e possui processo de abate que oferece cortes premium, como a valorizada picanha, que conquista a passos largos o paladar do consumidor europeu.
Mas os desafios no cenário comercial não param por aí. O lobby de países como França e Itália se intensifica com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, deixando claro que não apoiará o acordo sem ajustes que atendam às demandas de Roma, enquanto o governo francês ameaça preservar seus agricultores locais, conhecidos pelas altas capacidade e disposição de organizar protestos sempre que contrariados, com medidas protecionistas.
Além das questões comerciais, o debate ambiental se torna um campo de batalha.
● A nova lei antidesmatamento da UE, que entrará em vigor em 2026, impõe exigências rigorosas aos produtos importados.
● O Brasil, mesmo com um dos mais severos códigos florestais do mundo, ainda enfrenta desafios naturais, como chuvas intensas, secas e enchentes, e criminosos, como queimadas e desmatamento ilegal.
Daniel Toledo, advogado especializado em direito internacional, observa que “a comparação entre as legislações europeias e brasileiras é complexa”, ressaltando que, enquanto as normas da UE são rigorosamente fiscalizadas, o Brasil luta para aplicar sua sólida base legal. Isso alimenta a percepção de que as regulamentações da UE são superiores.
82%
das importações de produtos agrícolas do Mercosul para a UE terão tarifa zero
0,46%
é o percentual de aumento do PIB do País até 2040 projetado pelo Ipea com o acordo
Apesar das críticas e desafios, os benefícios do acordo são inegáveis para o Brasil e os outros países do Mercosul. O Ipea projeta um aumento de 0,46% no PIB até 2040, impulsionado por investimentos externos que deverão crescer 1,49% com o tratado. “Esse crescimento seria impulsionado pelo incremento de exportações e a atração de investimentos externos”, pontua Marcello Rodante, advogado especializado em Políticas Públicas.
O saldo comercial deverá ser positivo, favorecido pela redução de tarifas que atualmente podem chegar a 17% e, em alguns casos, até 200%. “Apoiamos o acordo, desde que se respeite o que foi negociado, evitando reações com medidas unilaterais que poderão restringir o mercado europeu”, condiciona Sueme Mori, diretora da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Produtos complementares
Em meio a oportunidades e desafios, a Europa exige um compromisso firme, especialmente no combate ao desmatamento ilegal. Ao mesmo tempo, é essencial que os europeus reconheçam as diferenças de contexto e o aspecto complementar das produções entre os dois blocos. “A agricultura brasileira não é uma ameaça, e sim uma aliada na garantia de segurança alimentar a preços acessíveis”, destaca Ingo Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Mercosul e União Europeia vislumbram um futuro de parceria que poderá transformar a dinâmica de seus mercados, promovendo um caminho mais próspero e sustentável. Os produtores europeus precisarão aceitar essa tese.