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O quebra-cabeça da reforma ministerial é uma sinuca para Lula; entenda

Crédito: Mateus Bonomi

Alckmin (à esq.) poderá substituir Múcio na Defesa e abrir vaga na Indústria e Comércio Exterior. Lula deverá trocar Nísia (abaixo) por Lira (à dir.) na Saúde (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Viviane Monteiro

RESUMO

● Lula inicia reforma ministerial com duas metas
● Uma delas é abrir caminho sem acidentes até o final do mandato
● A outra é evitar que PSD, MDB e partidos do Centrão na base caiam no colo da centro-direita em 2026
● Mudanças só deverão embalar em fevereiro, após eleições no Congresso

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou cauteloso, na defensiva, a mudança ministerial aguardada com ansiedade suprema, por motivos distintos, pelos caciques do PT, Centrão, PSD, MDB, líderes do Congresso e chefes de partidos de menor porte. Ao tomar posse na terça-feira, 14, o novo ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), o marqueteiro Sidônio Palmeira tentou justificar a falta de conexão entre população e governo atribuindo as dificuldades à onda de mentiras difundidas nas redes sociais pela extrema-direita. Perdeu mais tempo para explicar a confusão do Pix do que na articulação para equacionar questões que podem tanto ampliar a coalizão dos dois primeiros anos de governo como levar à perda de apoios no rearranjo inaugurado com a retirada de Paulo Pimenta da Secom.

No fim, pressionado pela repercussão negativa das notícias falsas de que haveria taxação do Pix, Lula revogou o ato de ampliação das normas de fiscalização e prometeu assinar medida provisória com garantia de que transações pelo modelo não poderão mais ser tributadas. O esforço que consumiu as primeiras horas de trabalho de Palmeira foi em vão.

(Evaristo Sa)

Passo decisivo

A reforma ministerial é o passo mais importante da nova fase do Lula 3.
● Está em curso para evitar que o centro tradicional, sobretudo PSD e MDB, e os centrões União Brasil, Republicanos e o PP, que participam do governo, sejam atraídos por uma frente de centro-direita na disputa presidencial de 2026.
● Lula está disposto a dar mais espaço ao PP do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), o que abriria um flanco no bolsonarismo.
● Quer também fortalecer PSD e MDB, empoderados com os resultados nas eleições municipais do ano passado, que discutem fusão com o PSDB e são assediados por governadores de direita.
● Com ou sem aliança com os tucanos, uma das hipóteses é instalar na Esplanada dos Ministérios o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), numa dança de cadeiras em que o presidente do partido, Gilberto Kassab, poderia ampliar o controle sobre ministérios importantes como Agricultura e Minas e Energia e Pesca.
● E ainda poder trocar os atuais titulares, Carlos Fávaro e Alexandre Silveira, por novos nomes escolhidos nas bancadas de deputados e senadores.

Centrista deverá ocupar lugar da petista Cida (foto) no Ministério das Mulheres (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ao contrário do que chegou a ser anunciado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, a reforma, salvo uma ou outra nova alteração, só deverá ganhar corpo após as eleições na Câmara e Senado, marcadas para a primeira semana de fevereiro. Disputas que, sem surpresas, a menos que ocorra um tsunami na política, serão vencidas pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcomumbre (União Brasil-AP), ambos com ministérios no governo.

Nos bastidores cogita-se que a reforma, que deverá abrigar novos nomes do Centrão, vai atingir inicialmente ministros filiados ao PT, como Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência, Aparecida Cida Gonçalves, das Mulheres, e da presidente do PCdoB Luciana Santos, de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Entre os ministérios mais cobiçados pelo Centrão estão Saúde, atualmente sob comando de Nísia Trindade, e Justiça e Segurança Pública, liderado pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, amigo de Lula e escolha pessoal do presidente.

Nas apostas, o nome de Lewandowski virou coringa de Lula. Poderá ser remanejado para o Ministério da Defesa, diante do anunciado pedido de demissão do ministro José Múcio. É o desejo da cúpula petista, que facilitaria a abertura de espaço para Pacheco na Justiça.

Outro nome cogitado para a Defesa é o do vice-presidente Geraldo Alckmin, o que abriria vaga na Indústria e Comércio Exterior, joia da coroa cobiçada por vários grupos, entre eles o dos ruralistas.

Um dos fiadores da indicação de Palmeira para a Secom, o senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, diz que Lula está “em processo de amadurecimento” e “refletindo” sobre a montagem das peças do novo xadrez. “Ele ainda não chegou ao que quer. Só anunciará quando tiver um modelo pronto, porque quando se mexe numa peça é preciso saber onde vai realocá-la.”

Pimenta (ex-Secom) é favorito para substituir Macêdo (foto acima) na Secretaria-Geral (Crédito:Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Na avaliação de cientistas políticos ouvidos por ISTOÉ, Lula vai anunciar novos nomes com a cautela de quem joga apostando fichas na reeleição. “Uma mexida antes de o Congresso fazer mudanças poderá gerar ruídos”, avalia o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da ArkoAdvice. Para ele, reforma vai consumir tempo para ser anunciada porque deverá passar por articulações entre Executivo e Legislativo.

Ao mesmo tempo, será necessária uma “repactuação” com aliados do Centrão para garantir governabilidade. Lula quer dar forte guinada no governo para se firmar, em 2026, como alternativa aos partidos de centro-direita que estiveram ao lado de Bolsonaro.

Jaques Wagner diz não ter “dúvida nenhuma” de que Lula, 79 anos, terá saúde suficiente e será um candidato mais competitivo em 2026. Mas frisa: ainda é cedo. “Muita água passará embaixo da ponte até lá”.

Centrão quer mais

No primeiro momento, Lula deverá reduzir espaços da esquerda e ampliar o dos conservadores, cuja participação é por eles considerada modesta. Nos primeiros dois anos, a Esplanada foi majoritariamente ocupada pelo PT.

Pelos cálculos do cientista político Frederico Rodrigues, da Universidade de Brasília (UnB):
● o partido ocupa 13% da Câmara e 44% da máquina federal, com 17 ministérios.
● O PP, com quem Lula flerta, tem um ministério e 9% das cadeiras.
● Junto a PSD, MDB, União Brasil e Republicanos, controla 44% dos votos na Câmara.

Nos dois primeiros governos do petista, a concentração de ministros de esquerda era menor e os partidos do Centrão ocupavam mais espaço nos ministérios. Hoje, em um contexto político diferente, o Centrão tem menos espaço no primeiro escalão, mas impõe o ritmo no Congresso graças ao empoderamento turbinado pelas emendas parlamentares.

Na avaliação de Rodrigues, o atual cenário representa um dilema para Lula, pois os congressistas detêm forte controle sobre o orçamento, reduzindo o poder de barganha do governo na busca de apoio às pautas do Executivo.

Nos mandatos anteriores, Lula mantinha alguns ministérios sob o controle do PT e negociava emendas com partidos mais distantes ideologicamente, na base do toma-lá-dá-cá. “Os espaços oferecidos hoje são poucos para o apoio pretendido pelo governo. É um problema porque, se abrir muito, poderá virar um governo de centro-direita.”

É tudo o que rejeita a ala ideológica do partido. Congressistas detêm parcela significativa dos recursos livres das emendas e o orçamento dos ministérios é cada vez mais carimbado.

Lula tem a chave do cofre cobiçado pelo Centrão, que pede mais: além da Saúde, Agricultura e Justiça, todos com orçamentos gordos, quer também Relações Institucionais.

Na mesa, entre outros temas, está a urgência de um entendimento político para resolver a crise das emendas bloqueadas pelo Supremo. Os parlamentares querem a garantia da liberação pactuada anteriormente.

Pressionam para que o governo impeça a Polícia Federal de devassar ONGs e empresas que executaram obras patrocinadas por emendas sob suspeita.

Na ponta do lápis, para garantir governabilidade e os apoios à reeleição, Lula depende do Congresso para fazer avançar a agenda econômica, que inclui o orçamento de 2025, ainda pendente de aprovação.

Economia, com se sabe, mexe no “órgão” mais sensível do ser humano — o bolso — e interfere diretamente na popularidade. Lula, mais do que nunca, deverá seguir o exemplo do elefante habilidoso do ditado popular que atravessa a loja de cristais sem trincar sequer uma única taça.