A multifacetada Maitê Proença foca na leveza para atravessar complexidades
Com a comédia 'Duas Irmãs & Um Casamento', em cartaz em São Paulo, Maitê Proença divide a cena com Débora Olivieri. Atriz consagrada, especialmente pelas personagens na televisão, ela conversou com a IstoÉ sobre a arte e a vida
Por Luiz Cesar Pimentel
Com a parceira de cena, Maitê Proença divide reflexões sobre o envelhecimento, a solidão e a importância da família. O texto de Duas Irmãs & Um Casamento, do renomado dramaturgo inglês Peter Quilter, tem direção de Ernesto Piccolo. Depois de uma temporada de sucesso no Rio de Janeiro, estreia no Teatro FAAP, em São Paulo, onde fica até março.
Encenar a comédia inteligente é um dos prazeres da atriz, que começou a carreira na década de 1980 e atuou em produções como as novelas As Três Marias, Dona Beija e Felicidade, filmes como Kuarup e A Dama do Cine Shangai e espetáculos como A Mulher de Bath, As Meninas e À Beira do Abismo Me Cresceram Asas. Publicou também livros como Uma Vida Inventada e Entre Ossos e a Escrita. Na entrevista concedida à Istoé, Maitê conta um pouco sobre seus diversos talentos como artista.
Você é bem-sucedida em tudo o que faz. Como você escolhe os projetos em que se envolve?
De forma sempre intuitiva. Não sou de grandes planos e estratégias. Me encanto e vou seguindo cursos que me levam a projetos nos quais trabalho até saírem ou não, mas é tudo muito fluido.
De temáticas confessionais, como Pior de Mim, vai para autor britânico, em Duas Irmãs & Um Casamento. O que essas atuações preenchem em você?
O primeiro mergulho surgiu na pandemia, no medo, com o mundo mergulhado na mentira do Instagram como entretenimento quase exclusivo, e nos ‘Big Brothers’, também enganadores, e nas fake news que se ampliavam. Achei que a cura era a verdade crua e fui buscar nas vergonhas, naquilo que não se diz, no que se tranca a sete chaves. Escrevi a peça primeiro e depois o livro, e fiz online. Funcionou e tocou muita gente, foi a peça mais vista da pandemia. Agora estava com muita vontade de fazer as pessoas rirem. Acho também que meu tipo físico sempre me empurrou para outro lado, mas a graça talvez seja minha inclinação e, agora, estou nessa comediona leve, tola, mas muito inteligente.
A sua história é tão inusitada e cheia de eventos extremamente significativos que é difícil saber (e acreditar) que tudo é verdade. Qual é a mentira mais famosa sobre você?
De que sou uma pessoa calma e doce. Tem um trator desenfreado dentro de mim, que eu conduzo, mas que segue ligado, sempre pronto pra batalha. Afinal, nunca se sabe quando ela vai recomeçar.
Antes de se tornar adulta, você teria testemunhado assassinato da sua mãe pelo seu pai, dissolução familiar por ter ficado ao lado dele, mudança de país, onde passou por aborto aos 16 anos, violência marital e aproximação (ou vício) em álcool e drogas. Tudo isso procede? Caso positivo, o que te tornaram?
Não fiquei ao lado de ninguém. E só falo de meus assuntos familiares através das artes, da ficção com elementos biográficos num livro, no teatro. Escrevi sete livros e seis peças de teatro. Eles talvez respondam à sua pergunta.
Rotina comum para quem é tão talentosa e bela é ser extremamente paparicada e entrar em bolha irreal. Isso aconteceu com você?
Não. Sou recolhida, muito crítica e desconfiada. Sempre viajo para lugares em que não sabem quem sou, passo meses por ali, entre pessoas simples, retomando a real medida das coisas.
Por que você nunca quis casar?
Não tive um bom modelo, não sei muito bem como fazer isso funcionar. Prefiro as grandes paixões, as relações que evoluem naturalmente e não por compromissos assumidos.
Como é ser avó?
É um amor em looping. A gente ama ainda mais a filha por ter nos dado o presente de amor pleno numa hora em que sabemos mais da vida, e estamos mais disponíveis para usufruí-lo.
Como a literatura entrou em sua vida? Foi por acaso. Escrevia uma coisa aqui e ali, e começaram a me pedir textos que acabaram em peças de teatro, e mais tarde numa revista. Fizeram sucesso. Depois houve a necessidade de explicar a indiscrição de um apresentador de TV que abriu fatos de minha vida que eu teria mantido na intimidade. De um dia para o outro, eu era outra pessoa e a imprensa marrom agora podia mexer naquilo. Escrevi um romance para lidar com a situação. Vendeu 150 mil cópias. Daí segui com peças e outros romances.
Quem você admira no Brasil hoje?
As pessoas mantêm suas individualidades e elegância em meio à vulgaridade que nos cerca. Gente que consegue ser discreta, e agir de forma honesta enquanto os bons valores despencam na vala comum. Gente que age assim nas artes e que se mantêm firmes em seus trabalhos no dia a dia.
Você tem feito trabalhos referenciais aos 60 anos. Como é/foi assumir relacionamento homossexual aos 60?
Foi mais um relacionamento de afeto, por acaso a pessoa que admirei e com quem me relacionei tinha o mesmo sexo.
Você sempre se sentiu confortável exercendo diferentes aptidões profissionais?
Não, absolutamente. Eu tinha que correr atrás e aprender a fazer, estudar, me aplicar naquilo com disciplina até conseguir alguma excelência.
Seu currículo tem muitas e inusitadas variantes. O que falta você fazer na vida?
A vida me levará ao que falta, tenho muita vida pela frente, e ando de olhos bem abertos. Não faço planos, será uma surpresa para mim também.
O que mais gosta no seu presente?
De estar com minhas meninas. Gosto de comer bem, fazer exercícios. Ir ao teatro, dar o melhor de mim e ver as pessoas gargalharem gostoso.