Brasil

O insaciável apetite do Centrão pode amarrar Lula ainda mais; entenda

De olho em 2026, Lula deverá reduzir espaço do PT e ampliar os de PSD e MDB na reforma ministerial. Ciente, o insaciável Centrão pede mais cargos, emendas e tudo que signifique vantagem. Duas certezas: cobrança forte e, como sempre, preço alto

Crédito: Mateus Bonomi

Pacheco (à esq.) deverá substituir Ricardo Lewandowski na Justiça e Lira deve ocupar o lugar de Nísia Trindade na Saúde (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Marcelo Moreira

Viciado em trabalho e em política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se recusou a descansar no período em que esteve de recuperação após as cirurgias no cérebro. Inquieto, trabalhou e articulou com empenho em sua casa no Alto de Pinheiros, em São Paulo, nos três dias entre a alta do hospital e a volta a Brasília. A disparada do dólar e as votações do pacote fiscal no Congresso surgiram entre os temas, mas a atenção maior estava voltada aos malabarismos políticos necessários em 2025 para atender o apetite insaciável e cada vez mais voraz dos líderes dos partidos do Centrão na base do governo por cargos, emendas e vantagens.

“O Centrão avança com fome jamais vista. Lula precisará repensar a estratégia de negociação no Congresso. Isso embute mudanças na articulação e redução do espaço petista no primeiro escalão, o que vai desagradar muita gente”, confidencia um importante e bem informado dirigente do PT com ótimo trânsito em Brasília.

Lula e PT acreditaram que apoio a Motta (abaixo) para presidir a Câmara seria suficiente para frear o Centrão. Engano: partidos como o União Brasil, do senador Alcolumbre (acima) estão mais famintos do que nunca (Crédito:Mateus Bonomi)
(Suamy Beydoun)

O Planalto anda ocupado com três desafios:
● ampliar a presença do chamado Centro raiz no governo, sobretudo as de PSD e MDB, como pavimento para uma aliança confortável nas eleições de 2026;
● acomodar no ministério o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que deixará o cargo em fevereiro;
● e conter a eterna fome do Centrão e, em particular, do União Brasil, do senador Davi Alcolumbre (AP), por tudo o que signifique vantagem, em contrapartida a um apoio no Congresso que, a rigor, jamais atingiu o nível mínimo de fidelidade esperado por Lula e o PT.

Na Câmara e no Senado, o eixo político que vai do centro à extrema direita é formado por três partes:
● o centrismo raiz, histórico e tradicional, ocupado hoje por PSD, MDB, Cidadania e o que restou do PSDB;
● a tropa gulosa do Centrão (União Brasil, Republicanos, Progressistas e parceiros de menor porte)
● e os direitistas radicais historicamente dispostos a embarcar em delírios que aparentem justificam tentativas golpistas de colocar fogo no parquinho, como os que fizeram o segundo aniversário na quarta-feira 8.

Lula deseja, para chamar de sua, a primeira dessas partes, sobretudo a dupla PSD/MDB, incluída nela, numa forte parceria para as disputas de 2026 da presidência da República, dos governos estaduais e especialmente dos futuros deputados, senadores e líderes do Congresso.

Cientes das intenções de Lula, líderes do Centrão arregalam os olhos e se apressam nos trabalhos para instalar o máximo possível de aliados no estacionamento do governo antes que a turma do centro raiz, empoderada pelos resultados das eleições municipais de 2024, ocupe todas as vagas. Há ao menos duas certezas sobre esse processo: a cobrança do Centrão será forte — e o preço, como sempre, alto.

Lula ainda não abriu o jogo, mas dá a entender que vai sacrificar o espaço do PT pela aliança com MDB e PSD e para saciar os partidos mais assanhados da base. Foi desfeita a ilusão, no governo, de que o apoio ao deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) para a presidência da Câmara, em costura feita pelo atual chefe da casa, Arthur Lira (PP-AL), também um dos manda-chuvas do Centrão, seria suficiente para frear as exigências.

Especulações dão conta de que ministros importantes como Ricardo Lewandowski (Justiça) e Nísia Trindade (Saúde) poderão dar lugar ao presidente do Senado e do Congresso Rodrigo Pacheco (PSD) e o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ganham força também comentários de que o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), tem chance de substituir o petista Rui Costa na Casa Civil ou Alexandre Padilha nas Relações Institucionais.

Há também gestões para que Progressistas e Podemos sejam agraciados com cargos ou, na pior hipótese para eles e melhor para o governo, espaço maior nos escalões.

O clima de insatisfação no Centrão não é novo, mas foi potencializado por dois fatores:
● pressão do governo para votar a favor de medidas impopulares e de alto custo eleitoral
● e impasse na liberação de verbas das emendas parlamentares.

Dilema

O PT, que escolherá novo presidente no meio do ano, tenta entender como a nova configuração do governo poderá interferir em 2026. Alas mais ideológicas temem que o partido caminhe para o “centro pragmático” caso o prefeito de Araraquara (SP), Edinho Silva, preferido de Lula, seja escolhido.

”Se o PT se tornar de centro, perde a essência e a razão de existir”, tem dito a deputada Gleisi Hoffmann.

“Lula vive dilema entre o pragmatismo, se apoiar Silva, e o purismo. O pragmatismo enfurece as bases; o purismo dificulta articulações políticas”, resume o cientista político Elias Tavares. É o Centrão embalado a fogo pleno com seu apetite sem pudores e insaciável – e a sociedade uma vez mais com o boleto da conta nas mãos.