Perspectivas 2025

A arte, entre o disruptivo e o ancestral

Crédito: Paulo Mancini

“A IA será a orquestra, mas a alma da música continuará sendo humana!”, diz Pedro Franco (Crédito: Paulo Mancini)

Análise
Por Pedro Franco

Prepare-se: 2025 será um ano disruptivo para a arte. A inteligência artificial veio para sacudir os alicerces e desafiar o status quo de todas as formas de expressão.

Eu, que vos escrevo, um criativo de longa data, já fui daqueles que diziam com veemência: “Isso jamais impactará as artes; afinal, não há emoção envolvida, e arte é emoção.” Ledo engano. Visto Raul Seixas: “Agora vou dizer o oposto do que disse antes.”

Ao me aprofundar nas ferramentas digitais, percebo que a IA será, para os artistas, tão essencial quanto um maestro para uma orquestra. E aqui está uma analogia poderosa: o maestro é o profissional que carrega a transversalidade, domina instrumentos diversos e possui um vasto repertório sensível. É tamanha sua importância que, ao ser substituído, sua presença ou ausência se sente pela orquestra inteira.

O artista do futuro precisa desse mesmo atributo: transversalidade. Conhecimento geral, que abrange história da arte, música, civilizações, saberes culturais e sociais. A IA, por sua vez, é a orquestra: poderosa, afinada e aprimorada a cada novo input do maestro.

Mas a disrupção tecnológica na arte não é uma novidade. Ao longo dos séculos, novas ferramentas, métodos e tecnologias causaram desconforto, para depois expandir os horizontes criativos. No século XV, quando Johannes Gutenberg criou a prensa de tipos móveis, o mundo das imagens e letras passou a ter alcance global. Albrecht Dürer, um mestre renascentista, viu na gravura não apenas uma ferramenta técnica, mas um meio para democratizar a arte e imortalizar a beleza.

Séculos depois, a fotografia trouxe nova inquietação. O pincel parecia perder sua função quando câmeras começaram a capturar a realidade com precisão. Para os artistas, entretanto, o desafio gerou libertação. Movimentos como o Impressionismo, liderado por Claude Monet, mostraram que a arte poderia expressar emoções e atmosferas, não apenas reproduzir fielmente o mundo. A pintura se reinventou, abrindo caminho para a abstração de Kandinsky, o cubismo de Picasso e o surrealismo de Dalí.

A chegada da IA é outro capítulo dessa mesma história. Assim como a prensa e a fotografia, ela desafia, provoca e amplia as possibilidades. Não será o fim da arte, mas o início de um novo repertório. Aqui, entra uma reflexão do filósofo Vilém Flusser, que enxergava as máquinas não como inimigas do homem, mas como parceiros capazes de libertar a criação humana da repetição. Para ele, a tecnologia transforma o gesto do artista, dando a ele novos meios para narrar o mundo.

E há algo mais: a IA nos ensina sobre nossa própria linearidade. Somos previsíveis, ortogonais, mesmo quando tentamos não ser. A IA, em contraste, rompe esses padrões, trabalhando em dimensões inesperadas. Ela multiplica os eixos – Z, P, Q – como um brainstorming infinito. Mas, lembre-se: o artista ainda é o maestro. Ele estrutura o início, conduz o meio e define o grand finale.

Contudo, como nos ensina Carl Jung, o mergulho em cenários disruptivos gera desconforto. Frente a futuros incertos, buscamos a ancestralidade. É um retorno que não se opõe à inovação, mas a complementa. Assim, paletas terrosas, formas orgânicas e saberes primitivos vêm como um refúgio para a alma em tempos hiperconectados. Em Milão, em 2023, apresentei a coleção “Ancestralidade”, inspirada exatamente nesse fenômeno.

Esse paradoxo – o desejo pelo novo e a busca pelas origens – revela que os opostos não se anulam, se complementam. A IA, com todo seu poder imagético, pode criar uma overdose visual. Em um mundo de imagens rápidas, algoritmos precisos e conteúdos descartáveis, o público anseia por significado. Como dizia Heidegger, o homem moderno corre o risco de se perder na superficialidade técnica. A arte, então, torna-se um caminho para reconectar o ser humano à sua essência.

E aqui surge outra provocação: a tecnologia nos obriga a repensar o valor da arte. Maurizio Cattelan e sua banana fixada com fita adesiva não são um acaso. Cattelan é um artista que trilhou um percurso crítico e irônico, questionando os valores do próprio sistema da arte. Da mesma forma, Jackson Pollock não jogava tinta ao acaso; sua jornada foi marcada por uma desconstrução intencional e profunda. A arte, portanto, nunca é fruto da aleatoriedade. Ela nasce de histórias, repertórios e sentidos.

Hoje, a IA acelera os processos criativos, mas não cria repertório. Esse é o papel do artista-maestro: incorporar tecnologia sem perder a narrativa, a trajetória e a profundidade que apenas o humano carrega.

Paradoxalmente, o excesso de conexão gerará uma tendência de desconexão consciente. Vejo, então, um cenário onde redes sociais como o Instagram, símbolos da superficialidade imagética, enfrentarão um declínio. Não seria este o destino de todo excesso? Como aconteceu com o Orkut, a saturação tecnológica nos empurra para o silêncio, a contemplação e o reencontro com o essencial.

Entre a revolução tecnológica e o retorno às origens, o artista seguirá como um fio condutor, capaz de harmonizar os extremos. A IA será a orquestra, mas a alma da música continuará sendo humana. Como dizia Picasso: “Você é a quantidade de história que carrega consigo.” A verdadeira arte transcende o tempo porque carrega histórias, sentidos e rupturas que só o humano pode vivenciar. Assim, seguimos em busca do equilíbrio entre o disruptivo e o ancestral, entre o caos da tecnologia e a beleza do eterno.